Um acontecimento como uma guerra poderá ser sentido como um estímulo profundamente perturbador para uma criança e para um jovem, afetando significativamente a forma como se sentem e como pensam, sentindo necessidade de ver e sentir o mundo como um lugar seguro, de paz e devida previsibilidade.
Por outro lado, enquanto pais, sentimos uma enorme necessidade de proteger as nossas crianças e jovens desta vulnerabilidade do mundo e da vida, para que se mantenham serenos e organizados emocionalmente, mas igualmente informados acerca do mundo que os rodeia e no qual participam.
Para tal, é urgente pararmos um pouco e refletirmos acerca da forma como poderemos promover uma conversa aberta, honesta, informada, mas organizada, para que estes consigam lidar de forma construtiva com os desafios e crises do mundo.
A importância de conversar
Conversar remete para um processo de escuta. Neste sentido, parte da conversa que poderemos ter com o nosso filho passa por escutar com disponibilidade a criança. Escutar as suas preocupações, os seus medos e angústias face aos acontecimentos, para que consigamos então responder de forma honesta e sensível, apoiando a criança ou jovem naquilo que está a sentir ou a pensar.
Conversar e responder a questões, assim como estar presente, são essenciais para que tanto as crianças como os jovens se sintam mais esclarecidos, acompanhados e seguros.
Por outro lado, através da comunicação, os pais constroem uma janela de oportunidade para a promoção de conhecimentos e informação passados de forma correta (e sempre partilhados de forma apropriada a cada idade), que se revela importante para que as crianças ganhem uma maior capacidade de compreensão perante os eventos e, assim, tudo se torna menos confuso e assustador para elas.
Tratando-se de um assunto tão difícil de falar, muitos pais poderão sentir-se assustados e receosos de que, ao abordar o tema, se possa desencadear ainda mais ansiedade nos mais novos. Contudo, poderá ser importante relembrar que mais assustador do que conversar sobre assuntos difíceis, é sentir que não se tem ninguém para conversar; ou que determinado tema é tratado como um assunto tabu, podendo aí sim aumentar sentimentos e emoções desagradáveis ou mesmo receio por parte da criança de não sermos capazes de lidar com o assunto, ou de não sermos capazes de cuidar dela, passando desta forma insegurança.
3 razões pelas quais conversar com os nossos filhos é importante
1. Ajuda as crianças a processarem as emoções difíceis
Não falar pode parecer aparentemente confortável e evitar uma escalada de ansiedade ou preocupação, contudo, a ciência indica que conversar sobre um evento stressante pode diminuir o sofrimento, permitir que a criança se sinta acompanhada e a compreender as suas emoções.
Devemos, assim, permitir e incentivar a criança a expressar os seus pensamentos e os seus sentimentos por mais duros que sejam, ajudando-a a identificar e a expressar a sua raiva e a sua zanga (procurando em primeiro lugar reconhecer as emoções, o que se passa no corpo quando elas surgem, o que pensa quando elas surgem, o que lhe apetece fazer quando elas surgem).
Devemos também ajudar a criança ou o jovem a identificar novas formas de lidar com elas (ex.: respirar profundamente, fazer um desenho, conversar com alguém sobre o que está a sentir, procurar ajuda de um profissional).
2. Ajuda a desconstruir a desinformação
Algumas crianças e jovens vão tendo acesso a desinformação ou a ideias erróneas que circulam propositadamente nas redes sociais e que tantas vezes conduzem a uma maior sensação de ameaça e perigo. Para tal, é importante que tanto os pais como os educadores permitam que as crianças se mantenham bem informadas, oferecendo igualmente espaço para que surjam perguntas e dúvidas.
Quando o adulto não souber como responder a alguma questão, poderá ser importante ter a capacidade responder humildemente com a verdade, dizendo que “não sabe; que se irá informar”.
3. Ajuda a modelar e encorajar visões compassivas em relação aos outros
Conversar com as crianças sobre a guerra pode promover uma visão compassiva em relação a outros seres humanos, independentemente da distância ou circunstância dos acontecimentos.
Permite um (re)ganhar de perspetivas e consciências, enfatizando-se a importância de entender as emoções e os contextos dos outros, de uma maneira apropriada ao desenvolvimento de cada criança ou jovem.
Também nós, pais, estamos a ser observados e poderá ser importante para as crianças e jovens verificarem que também nós estamos atentos à situação, mas organizados emocionalmente, expressando empatia, compaixão e proatividade em ajudar humanitariamente as pessoas que vivem de perto esta situação tão difícil.
Como conversar com crianças menores de 5 anos
Crianças de diferentes idades e maturidades terão diferentes níveis de compreensão e capacidade de processamento da informação dos acontecimentos que se desenrolam numa guerra. Contudo, as crianças são sempre bastante perspicazes e poderão aperceber-se de que algo de grave se passa através da conversa que os adultos têm entre si.
Crianças menores de 5 anos podem ter uma compreensão muito limitada do conflito. Se o seu filho lhe fizer uma pergunta sobre o que está a acontecer, os pais podem promover informações simples (devemos adequar a linguagem e a informação sempre à idade da criança) com as quais a criança se possa relacionar, dar-lhe um sentido sobre o que está a acontecer, mas devemos evitar fornecer mais detalhes do que o solicitado.
As crianças compreendem que existem pessoas que estão a sofrer e podem recear pela sua segurança, assim como a da sua família. Ou seja, que a guerra se aproxime e que o seu mundo também seja destruído.
Algumas crianças, sentindo-se mais ansiosas, podem manifestar algumas alterações nos padrões de sono (ex.: pesadelos, dificuldade em adormecer, acordar mais cedo do que o habitual), no seu comportamento (ex.: mais agitados ou apáticos, dificuldade em separar-se das figuras cuidadoras, maior dependência face a estas ou mesmo um aumento de birras), perder o apetite ou manifestar maior dificuldade em permanecerem atentos e concentrados.
Este momento de conversa pode ser importante para se trabalhar alguns tópicos como a compaixão pelos outros seres humanos. Contudo, devemos sempre procurar tranquilizar as crianças, devolver-lhes um sentimento de segurança e proteção e que da mesma forma que existem guerras que começam, estas também acabam. Devemos sempre assegurar que a criança está segura e protegida, assim como a sua família e amigos.
Mais do que conversar sobre “bons” ou “maus” e polarizar a situação, podemos referir-nos a “conflito” ou “desentendimento”. Recordar que estão neste momento muitas pessoas a trabalhar para que a paz possa ser restaurada, através da comunicação e diálogo entre as pessoas (que existem soluções não violentas para se alcançar a paz), que há esperança e muitas pessoas (ex.: médicos, enfermeiros, psicólogos, bombeiros, polícias, militares e muitos voluntários) estão a desenvolver inúmeros atos de bondade e coragem ao desenvolverem um serviço de apoio àqueles que tanto precisam.
Algumas crianças poderão sentir dificuldade em expressar as suas emoções através da linguagem, sentindo-se mais confortáveis através do desenho, a brincar ou a contar uma história, os quais deveremos sempre permitir. É uma forma saudável da criança exteriorizar as suas emoções, processá-las e reorganizá-las internamente.
Para crianças de todas as idades, devemos ficar atentos e orientar a sua exposição a notícias e aos media/redes sociais, tendo em conta o conteúdo violento ou destrutivo com que se confrontam. Mediante os estímulos com que nos confrontamos, todos nós podemos tornar-nos vítimas secundárias deste evento tão violento, podendo conduzir a situações de stresse pós-traumático.
Como conversar com crianças em idade escolar e adolescentes
Os pais deverão certificar-se de que estão calmos e presentes o suficiente para terem esta conversa. Deverá existir tempo suficiente para conversarem, assim como uma estrutura emocional da nossa parte.
Pode ser importante perceber o que o seu filho sabe, até ao momento, sobre o conflito. É importante validar e normalizar o que os jovens estão a sentir, sendo normal a criança ou jovem sentir-se preocupado e angustiado quando pensa numa guerra.
Alguns jovens podem inclusive manifestar uma perspetiva mais pessimista e descrente acerca da vida, da humanidade, assim como do futuro, sentindo-se igualmente impotente e até confuso com o tema. Poderão também apresentar alterações de humor, maior ansiedade e tendência para o isolamento.
Nessa conversa, os pais poderão partilhar algumas informações factuais que sejam apropriadas ao nível de desenvolvimento da criança e do jovem, mas o mais importante é que estes necessitam de sentir uma garantia de que os adultos farão de tudo para os manter em segurança.
Poderá ser importante relembrar que podem ocorrer no mundo situações de adversidade e catástrofe, mas que acontecem igualmente inúmeras situações de humanidade e de amor entre as pessoas, nomeadamente de todos aqueles que estão de alguma forma a procurar restabelecer a paz através do diálogo e ações humanitárias, de modo a manter a resiliência emocional do jovem e o seu sentido de esperança.
Para alguns jovens, poderá ser importante sentirem que podem ajudar construtivamente através de ações pró-sociais (ex.: fazer doações de bens, escrever uma carta a decisores políticos, recolher materiais para instituições que ajudam crianças e jovens que vivenciam situações de guerra, recolher donativos, etc.), gerindo desta forma emoções como a frustração e impotência.
Poderá ser importante que o acesso aos media e redes sociais seja, mais uma vez, orientado. Podem assistir em conjunto às notícias, encorajando o jovem a dar a sua opinião, a colocar as suas dúvidas, de modo a poder contar com o apoio emocional, informação correta e orientação por parte de um adulto.
É normal que os pais sintam que não sabem como responder a todas as perguntas colocadas. Deverá normalizar essa situação, disponibilizando-se para procurar as respostas ou pensar em conjunto sobre o tema.
O trauma, a resiliência e a esperança
A vida nem sempre é certa, segura, garantida de desafios ou obstáculos. A vida de todos nós pode experienciar reviravoltas e, por vezes, até acontecimentos mais ou menos traumáticos e impactantes do ponto de vista emocional.
Desafios como este de vivenciar uma guerra (mesmo que vista de longe), pode fazer-nos a todos nós, confrontarmo-nos com uma tempestade de pensamentos catastróficos, emoções intensas e uma imensa incerteza quanto ao presente e futuro.
Por norma, os seres humanos são capazes de se ir adaptando e lidando mais ou menos de forma eficaz com as adversidades, muito graças à enorme capacidade de resiliência que apresentam. E neste sentido, também as crianças e jovens são capazes de superar desafios e lidar com o stresse.
Contudo, o trauma não pressupõe apenas o que nos acontece. Trauma pode ser qualquer coisa que acontece com muita intensidade emocional, sendo que é o que acontece dentro de nós como resultado do que aconteceu ou experienciamos na nossa vida, podendo tornar-se numa ferida psíquica que nos endurece, deprime, interferindo com a nossa capacidade de crescer e desenvolver adequadamente.
O trauma acontece se formos deixados sozinhos diante tamanha dor e vulnerabilidade. E é por isso que conversar autenticamente com os nossos filhos é tão importante, hoje e sempre. Ao sentirem-se acompanhados, as crianças e o jovens sentir-se-ão mais seguros, construindo a par e passo essa tão grande capacidade designada de resiliência, movimentando-se no mundo com um maior sentido de esperança e paz.
Sílvia Coutinho é psicóloga e terapeuta familiar e de casal. Em terapia, procura promover relações com maior conexão emocional, com famílias, casais e a nível individual. Adora refletir sobre as emoções mais profundas que sentimos quando nos relacionamos e acredita ser através destas relações, vividas de forma saudável, que conseguimos também individualmente potenciar o nosso bem-estar, equilíbrio e felicidade. Siga-a no Instagram.