Crónica. Como gerir as relações (de amor e amizade) durante a pandemia?
Com a pandemia, as relações transformaram-se e trouxeram novas exigências, colocando-nos múltiplos desafios que nos fazem repensar a forma como hoje procuramos e mantemos as relações.
A pandemia veio afetar de uma forma muito particular a forma como as pessoas se relacionam nas várias faixas etárias. O impacto varia consoante as necessidades e personalidades individuais e comunitárias, existindo países que por razões culturais estarão a sentir desafios diferentes dos outros.
Além disso, ainda podemos considerar o microcontexto em que a pessoa está inserida e cujo impacto é visível, tendo em conta que pessoas que convivem na mesma casa com população de maior risco da doença tendem a ser muito mais cautelosas e até ansiosas. Ou ainda os relacionamentos amorosos que sofreram também com a alteração da dinâmica que existia até então.
Um olhar sobre as relações
Se existem pessoas que se sentem confortáveis no isolamento, e a pandemia até tem alimentado essas dificuldades de socialização, por outro lado também as relações que sofrem com a nova dinâmica de falta de previsibilidade e privação de contacto, e ainda as pessoas que não conseguem estabelecer relações porque os meios naturais de socialização ficaram bastante limitados, promovendo assim o isolamento.
Em contexto clínico encontro duas realidades distintas: aqueles que, tendo ou não relacionamentos pré-existentes, arriscam mais, são mais despreocupados com as regras e transgridem-nas com maior facilidade, e aqueles que são mais cautelosos, responsáveis, preocupados, para quem é mais difícil flexibilizar, levando-os a um maior isolamento, tristeza e desânimo.
Conhecer pessoas novas = missão impossível?
Se num mundo acelerado e stressante, onde dedicamos muitas horas ao trabalho e vivemos muito centradas em nós, nas nossas necessidades e desejos, já era um desafio encontrar pessoas que estivessem disponíveis para um relacionamento, hoje o desafio é consideravelmente maior.
Deixaram de existir contextos de convívio como o trabalho, o ginásio, o “café do costume”, que por si mesmos já filtravam interesses e disponibilidades. Mesmo em períodos de desconfinamento, o medo do desconhecido e da contaminação gera mais desconforto e inibe alguns contactos sociais que se aproximavam.
Hoje, conhecer pessoas é uma missão mais difícil e motivo de grande desânimo, e até sofrimento, partilhado em contexto terapêutico. Além disso, tenho sentido que aumentou a tendência por parte de algumas pessoas para um maior desligamento.
Se existem pessoas que desejam muito voltar ao convívio social promovido, por exemplo, pelo regresso ao trabalho presencial, também reparo que muitas pessoas habituaram-se a este ritmo que é pautado apenas pelos próprios desejos, pensamentos e necessidades, ficando um pouco alienadas dos ritmos sociais que eram normais e expectáveis (embora desafiantes para alguns).
Desafios que levam a novas necessidades e realidades
Têm surgido em consulta muitos quadros de ansiedade, pelas mudanças que foram impostas e a falta de sensação de controlo que vivemos com a alteração constante dos formatos de convivência.
Lembro-me, por exemplo, de um caso que acompanho onde o casal se conheceu durante o desconfinamento e, pouco tempo depois, deixou de poder contactar pela mudança das regras e falta de contextos sociais onde pudesse fazê-lo como antes acontecia.
A forma como os relacionamentos aconteciam e se desenrolavam quando se iniciavam os primeiro encontros teve de se ajustar.
Se antes a expectativa era de que as coisas acontecessem rapidamente e sem grandes barreiras, sendo que o contacto físico nem era muito ponderando, hoje não acontecerá tanto assim, pois há muitos mais fatores em questão (como expor a família ao perigo) e, para muitas pessoas, poderá ser necessário até um maior período do dito cortejo, de conversa, de partilha, onde haverá tempo para ganharem confiança um no outro e ponderar o risco.
Outra necessidade é a criatividade na hora de conhecer pessoas. As apps de encontros já eram muito utilizadas antes da pandemia mas, nesta fase, ganharam ainda mais palco.
Talvez para algumas pessoas fosse um caminho estranho e até tivessem algum preconceito, mas a pandemia trouxe um sentimento de isolamento e solidão que levou muitos a quebrar barreiras e encontrar nas aplicações o acesso a outras pessoas na mesma situação.
Soluções para todos?
A forma como nos relacionamentos é tão diversa quanto as particularidades de cada uma de nós. É importante ressalvar que não existem soluções que sirvam a todas, até porque nem todas terão as mesmas necessidades.
Existem pessoas que encontraram na pandemia a “desculpa” perfeita para evitarem contactos sociais indesejados, outras que sofrem com o isolamento e solidão, outras ainda que quebram as regras de confinamento sob pretexto de não conseguirem adiar as suas necessidades e da manutenção das relações, outras tantas sentir-se-ão encurraladas nas suas características individuais sem grande coragem de diversificar e arriscar outras formas de conhecer pessoas.
Aquilo que esta pandemia vem tornar visível é que existem grupos de pessoas que ficaram mais vulneráveis e expostas ao isolamento e à solidão, e isso tem e continuará a ter consequências diferentes.
Como em tudo, somos criativas, temos capacidade de nos reinventarmos, mas não somos todas iguais e não sentimos as coisas da mesma maneira.
Como pode a psicoterapia ajudar?
Este isolamento a que fomos expostas sem escolha, a falta de sentirmos controlo e previsibilidade sobre as nossas vidas, as mudanças drásticas na forma como nos relacionamos, trabalhamos, organizamos os nossos momentos de lazer, trouxe à tona dificuldades e desafios que serão sentidos de formas diversas.
A consulta de Psicologia tem sido um local de partilha, desconstrução, identificação de desafios, de repensar atitudes, identificar necessidades, alterar comportamentos.
Os relacionamentos colocam desafios particulares e são uma área muito importante da vida de todas nós. Podem gerar mais ou menos sofrimento, mais ou menos ansiedade, mais ou menos desconforto…mas são, por excelência, a área das nossas vidas onde evoluímos, onde nos desafiamos.
Para casais, adultos, jovens e crianças, a pandemia veio colocar desafios à forma como estamos nas relações e a psicoterapia poderá ser um lugar seguro para repensar os desafios que sente e procurar compreendê-los, encontrando soluções válidas ajustadas ao momento que vivemos.
Catarina Canelas Martins, psicóloga clínica e terapeuta Emdr, tem desenvolvido o seu trabalho nos últimos anos com famílias, casais e adultos em clínica privada. Apaixona-a tudo o que envolva o bem-estar emocional e psicológico pois acredita que sem essa estabilidade e equilíbrio não é possível vivermos no nosso máximo potencial. Siga-a nas redes sociais Facebook e Instagram.