No início de uma relação, vibra o amor e a paixão, conduzindo-nos mais facilmente ao lugar do prazer. Fazendo a sexualidade parte do mecanismo de vinculação entre adultos, é também através desta que duas pessoas poderão sentir-se mais próximas, ligadas e conectadas entre si.
Logo, no início de uma relação, na qual não há ainda um vínculo sólido e estruturado, torna-se mais fácil dar prioridade ao sexo, até para quebrar a possibilidade ainda eminente de perda, rejeição, abandono e incerteza.
Sexo perde a prioridade
Quando a relação entre o casal se desenvolve e estabiliza, o nosso cérebro não envia o sinal de ameaça e sentimos que não precisamos de reforçar, desta forma intensa, urgente e, até por vezes, desesperada, o vínculo com o outro.
Além disso, numa relação estável, confrontamo-nos, ao longo do tempo, com o aumento das responsabilidades e do cansaço, uma maior exigência, mudanças do corpo e a necessidade, não só de cuidarmos de nós, como dos filhos. Isto ativa o modo de sobrevivência e é aqui que, muitas vezes, a sexualidade perde a lente da prioridade para o casal.
Muitas vezes, não porque não desejem, mas porque se encontram num lugar de total exaustão, de manusear demasiadas bolas de cristal no ar, tornando-se mais indisponível emocionalmente para o encontro sexual.
Na verdade, o cérebro responde na perfeição a todas as mudanças que ocorrem ao longo da vida ou do nosso dia, sendo absolutamente normal que, diante destas, o desejo seja menor.
Contudo, é neste contexto que o casal se confronta com o grande distanciamento que se instala, além da apatia, frustração ou o ressentimento face à sua sexualidade.
Manter a chama
Neste sentido, o que permite verdadeiramente ao casal manter a sua conexão sexual ao longo dos anos numa relação de longo termo?
Poderá ser importante aprender a olhar para a sexualidade de uma outra forma, talvez até reinventá-la no modo de ser vivida, em muitos casos.
Num estudo, era mostrado que o melhor indicador de um encontro sexual satisfatório entre os dois elementos passaria pela forma como se abraçavam após o sexo. Assim, a ciência vai-nos indicando que, de um modo geral, as pessoas apontam como um sexo fantástico, características como:
- Estar completamente presente no momento, de corpo e alma, focado e entregue;
- Ligação, alinhamento, sintonia;
- Intimidade sexual e erótica profunda;
- Comunicação extraordinária e empatia profunda;
- Ser genuíno, autêntico e transparente;
- Vulnerabilidade e entrega;
- Exploração, correr riscos interpessoais e diversão;
- Transcendência e transformação.
Se reparar, em momento algum, surgem o desejo espontâneo ou a frequência. São mencionadas características emocionais e relacionais, de vivência e encontro com a nossa humanidade, naquele espaço a dois.
Contudo, muitas vezes, aquilo que mais desejamos é também aquilo que mais tememos. É tão interessante e estimulante sexualmente sermos autênticos, quanto arriscado.
É através desta autenticidade, verdade, vulnerabilidade e nudez de alma e corpo que nos podemos sentir verdadeiramente ligados ao outro.
Quando o casal privilegia, em termos relacionais, ser fonte de apoio, presença emocional, ser base segura, ser responsivo, mesmo diante de tempos difíceis, retiramos da relação e do parceiro, uma sensação de porto abrigo, de poder-se contar realmente com o outro.
Devemos integrar a ideia de que existem altos e baixos, desafios, preocupações, maior ou menor disponibilidade e que isso é normal.
De um ponto seguro
Contudo, parece importante partir-se deste lugar de segurança para viver a sexualidade de forma saudável.
Ou seja, ao sentir que o outro está lá para nós, o casal compromete-se com a existência de momentos em que decidem intencionalmente que a sua sexualidade é uma prioridade na sua relação, que a escolhem viver, que escolhem investir, não deixar passar, não deixar tudo ganhar ainda mais importância, do que a relação, do que o seu momento de conexão e que escolhem com intenção criar o seu encontro, a sua aproximação, a existência de um toque com disponibilidade e tempo para ser sentido, explorar-se um ao outro, com curiosidade e atenção.
É desta forma, que toda a relação se transforma, que a conexão sexual ao longos dos anos é possível, porque, partindo da intenção e consciência, encontram-se com o prazer.
Desta forma, a grande chave para uma boa conexão sexual ao longo dos anos, passará pela escolha da sexualidade como uma prioridade para a relação.
Isto é, a forma como o casal escolhe o desejo responsivo, ser intencional na forma de estarem um com o outro. De fazer da sua sexualidade uma escolha. Não haverá talvez nada mais atraente e excitante numa relação, do que sentir que somos escolhidos pelo outro.
Portanto, o grande foco da sexualidade não deverá passar propriamente pelo desejo espontâneo, mas sim pelo sentir do prazer.
Será o desejo a melhor medida para a relação?
O nosso desejo é tão individual e tão próprio a cada um de nós, quanto a nossa impressões digital. Neste sentido, é necessário olhar para nós mesmos e aprender sobre os nossos padrões sexuais, desejo, prazer, como funcionamos e do que realmente necessitamos.
Muitos de nós crescemos com diversos modelos culturais que nos impeliram a considerar que o desejo deverá surgir na relação de forma espontânea, como que magicamente, tal e qual assistimos tantas vezes nos filmes de Hollywood, em que os dois personagens se encontram e apaixonadamente rasgam e tiram as roupas um do outro.
Porém, ao longo do ciclo de vida do casal, este poderá compreender que este desejo espontâneo poderá nem sempre ser possível de forma continua na relação.
Claro que todos gostamos e necessitamos de nos sentir desejados, que o sexo seja um lugar apaixonante e não aborrecido. Todavia, com tantas coisas que enchem a nossa vida, este desejo espontâneo pode simplesmente não acontecer e transformar-se, com o tempo, numa espécie de armadilha que entorpeça o casal.
Por outro lado, muitas vezes a ideia de trabalhar conscientemente a relação e também a sexualidade, poderá ser simplesmente assustadora, expondo-nos à nossa vulnerabilidade e à possibilidade de nos confrontarmos com uma recusa que muitas vezes é sentida e interpretada como uma rejeição.
Compreendemos e aceitamos que a relação deverá ser nutrida, assim como a sexualidade deverá ser cuidada e envolvida na nossa vida amorosa.
Mas considerar o desejo responsivo, ou seja, o desejo que surge após o estímulo do parceiro, sendo deliberado, intencional, cultivado e também mais lento, nem sempre surge como uma ideia fácil de fazer chegar a muitos casais, que na verdade se veem a braços com a desconstrução de considerações culturais que tantas vezes os conduzem a uma enorme insatisfação sexual e receio da sua patologia.
Para isto, poderá ser importante realmente compreendermos como funciona a nossa resposta sexual.
Porque sentimos mais prazer quando estamos calmos?
É importante ganharmos o conhecimento que a parte do cérebro que controla a nossa resposta sexual se designa por mecanismo de controlo duplo e talvez a melhor forma de compreendermos como este funciona seja a de imaginar um acelerador e um travão.
Desta forma, este mecanismo carrega no pedal do acelerador quando percebe qualquer estímulo relacionado com o sexo, tais como: o que vemos, ouvimos, cheiramos, tocamos, saboreamos, assim como o que imaginamos e pensamos.
Este acelerador, ao perceber estes estímulos, envia um sinal para o cérebro para nos excitarmos.
Contudo, e porque este mecanismo funciona de forma dupla, devemos também considerar a existência do travão.
Desta forma, quando o travão encontra algum sinal que nos impede de ficarmos excitados, como uma ameaça (por exemplo, uma grande preocupação que tivemos naquele dia no trabalho, a possibilidade dos filhos entrarem pelo quarto, a preocupação face ao que o parceiro pensará da nossa imagem corporal), envia um sinal ao cérebro para nos desactivar, desligar sexualmente.
Neste sentido, para estarmos disponíveis para a conexão e excitação sexual, é preciso carregar no botão do acelerador e desligar tudo o que aciona, de alguma forma, o botão do travão e resfria a possibilidade de nos entregarmos.
Portanto, só quando estamos calmos, relaxados e afrouxamos a intensidade de tudo o que nos trava, é que permitimos sentir como é bom tudo o que nos acelera e excita; como é tão bom sentir o toque do nosso parceiro, o contacto pele com pele e a excitação que daí vai surgindo.
Desta forma, quanto mais seguros, calmos e relaxados nos sentimos, mais facilmente conseguiremos ultrapassar esses momentos e regressar à conexão.
A longo prazo
Não se trata apenas de como o casal pode manter a conexão sexual ao longo dos anos, mas o que precisa de fazer para se reconectar novamente quando desaparece. Porque, contrariamente ao que alguns possam acreditar, o potencial da conexão sexual e erótica num casal não desaparece ao longo do tempo.
Aliás, poderá expandir-se ao longo do tempo, dependendo de como o casal a constrói e se permite viver.
Não “eu e tu”, mas “nós”
Conservar uma noção do Eu e, na relação, voltarmo-nos para o Nós permite compreender que não são apenas as necessidades individuais que entram em jogo naquela dinâmica.
Quando só existe espaço para o Eu, desparece o Nós, fica o vazio, o nada. Uma relação saudável passa por criar de forma constante este equilíbrio entre o Eu e o Nós.
Contudo, este passo poderá requerer a desconstrução do mito do desejo espontâneo que poderá existir em nós e substituí-lo por uma responsabilização por parte de cada elemento do casal em trabalhar a relação (a intimidade emocional e o desejo).
Assumirmos a responsabilidade por aquilo que sentimos, pensamos, por recuar por vezes na nossa posição rígida e inflexível e disponibilizarmo-nos para consensos.
Porque quando um ganha na sua necessidade, há sempre um que perde e o grande objetivo numa relação passará por criar equilíbrio, satisfação e bem-estar entre os dois elementos e, portanto, saírem os dois a ganhar.
Amar alguém e conectarmo-nos sexual e intimamente de forma saudável, passa, assim, por desenvolver a maturidade emocional, para sermos pessoas sãs e estáveis emocionalmente, capazes de manter o equilíbrio diante das tempestades da vida e regular as emoções difíceis que possamos sentir.
Só desta forma, conseguiremos oferecer a nossa presença e ligação autêntica no espaço sexual partilhado ao longo da vida.