Em consultas ao longo das últimas semanas, tenho ouvido com frequência as frases “Agora que já me estava a habituar”, “Gostava de continuar em casa”, “Agora vou ter de me adaptar a tudo outra vez”. Se no início o desafio era perceber como nos adaptamos à nova realidade e lidamos com todas as emoções que esta nos trouxe, agora muitas pessoas têm expressado o receio de voltar a esta nova normalidade.
A pandemia trouxe-nos a necessidade de adaptação. Novas rotinas, hábitos, necessidades. Enquanto seres humanos, temos dificuldade em gerir o imprevisto e desconhecido, tentamos resistir, e é isso que, mais uma vez, é necessário com o desconfinamento.
Como voltar ao novo normal?
Estudos que começam a surgir mostram que a pandemia está a ter um elevado impacto numa grande parte da população portuguesa.
O impacto de uma situação pandémica e do isolamento verifica-se na sintomatologia que muitas pessoas começaram a apresentar como ansiedade, depressão, níveis elevados de stresse e no agravamento de perturbações emocionais previamente existentes.
Apesar do confinamento ter terminado, não terminaram as incertezas relativamente ao futuro e, consequentemente, ansiedade, stresse, tristeza.
Se no início o receio era sobre como gerir um período de isolamento e restrição absoluta, o desafio agora passa a ser como voltar a um novo normal com cuidado, responsabilidade e aceitando formas diferentes de gerir a liberdade. Além de toda a gestão emocional e logística que terá de ser reajustada (novamente).
Nesta fase de desconfinamento poderemos verificar comportamentos diferentes. Se por um lado alguns terão a tendência a voltar às suas vidas habituais com uma sensação de alívio, esperança e até um pouco de desvalorização dos cuidados prévios, outros manifestarão mais ansiedade e receio, cuidados redobrados e reticentes relativamente a todo o movimento de normalidade aparente.
Estes dois comportamentos podem trazer algumas dificuldades nos relacionamentos e na gestão das próprias emoções.
Quem não está confortável e manifesta níveis superiores de ansiedade, não conseguirá lidar tão facilmente com uma normalidade com tantas restrições e sentirá uma maior sensação de falta de controlo face a comportamentos diferentes.
Além disso, as diferenças espelham também esta fase de incerteza e de dúvida em que não sabemos muito bem o que está certo ou errado e corremos o risco de nos tornarmos juízes daqueles que nos rodeiam.
Algumas sugestões para estes tempos que vivemos
• Tal como em qualquer fase de mudança, será necessária flexibilidade para reajustar rotinas, identificar necessidades e ajustarmo-nos às mesmas, aceitar comportamentos e opiniões diferentes das nossas.
A perceção que cada um de nós tem da realidade afetará com certeza a forma como iremos lidar com o momento atual e essa diferença não só é esperada como natural.
• É importante também continuarmos a limitar o acesso à informação e, sobretudo, acedermos a fontes fidedignas, partindo daí para nos orientarmos e tomarmos decisões com as quais nos sintamos confortáveis.
• Retomar alguns contactos presenciais pode ser um dos maiores desejos neste momento.
Emocionalmente este poderá ser um dos maiores ganhos desta fase, contudo, as restrições de contacto existem e será fundamental gerir esses encontros sociais com os cuidados devidos e respeito pelos demais.
Estes contactos serão diferentes, mas necessários para mantermos a nossa rede de suporte ativa e disponível e para não sentirmos um desamparo que poderá contribuir para um agravamento de sintomatologia mais ansiosa ou depressiva que possa surgir.
• Recorrer a apoio psicológico se sentirmos que não estamos a conseguir gerir ansiedade, pensamentos automáticos negativos, tristeza, entre outros sintomas.
É essencial reconhecermos que por vezes não conseguimos sozinhas retornar ao equilíbrio ou adaptarmo-nos à nova realidade, e nem temos de o fazer. Além de investirmos na rede de suporte, que poderá ser uma ajuda vital nesta fase, esta poderá não existir em alguns casos, ou não ser suficiente noutros.
O apoio de um profissional especializado em saúde mental, como o psicólogo, irá com certeza ajudar no reconhecimento das dificuldades e superação das mesmas, ajudando a reencontrar um novo equilíbrio.
Esta é uma nova realidade e não a devemos ignorar nem temer
Se numa fase de isolamento existiam regras bem definidas e restrições bem demarcadas, agora existe uma maior liberdade, contudo, uma responsabilidade elevada.
Esta é uma fase em que teremos de lidar com uma normalidade que todos ansiávamos, mas para a qual não estávamos preparados porque é nova e muito diferente.
As máscaras, os desinfetantes, as restrições, o “não tocar”, as ruas mais vazias, o medo de quem passa por outro alguém e se afasta. Nada será igual nos próximos tempos e isso poderá ser exigente a vários níveis.
Reconheça as suas emoções, as suas necessidades, aceite-as e expresse-as. É natural sentir medo, tal como é natural a dualidade entre o desejo de sair e a ansiedade porque o fez.
Catarina Canelas Martins, psicóloga Clínica e terapeuta Emdr, tem desenvolvido o seu trabalho nos últimos anos com famílias e adultos na Clínica de Psicologia e Coaching Learn2Be. Apaixona-a tudo o que envolva o bem-estar emocional e psicológico pois acredita que sem essa estabilidade e equilíbrio não é possível vivermos no nosso máximo potencial. Siga-a nas redes sociais Facebook e Instagram.