Crónica. A idade do armário e uma família à beira de um ataque de nervos
Quantas vezes sentimos que crescer dói? Dói na ausência de respostas às angústias tão próprias desta fase como pode ser a adolescência, mas também dói na perceção de impotência e frustração com que tantas famílias se deparam sem saber mais o que fazer, ou como fazer, para viver melhor a relação com os filho.
Adolescer significa crescer, e este período de crescimento é caracterizado, por norma, por uma enorme inquietação e oscilação emocional, acabando por suscitar sentimentos e emoções muitas vezes contraditórios.
Não deveremos falar de uma adolescência, mas sim em adolescências, pois nem todos aqueles que crescem vivem necessariamente este período desta forma tão intensa.
Contudo, deve ser encarada como uma vivência psicológica com características específicas, visto que alguns adolescentes vivem as suas emoções e conflitos de forma intensa, mediante um sentido do tudo ou nada, de vida ou morte, em que a sua comunicação pode ser através do silêncio ou mesmo através do próprio comportamento (como a passagem ao ato). O pensamento do adolescente parece ser um pensamento agido que desafia o limite (as regras, as normas, as autoridades, os pais).
São muitos os pais e filhos que se queixam. Pais que se queixam do comportamento dos filhos e filhos que se queixam do comportamento e incompreensão dos pais.
Por um lado, pais à beira de um ataque de nervos, perdidos face à exigência e ao tamanho do desafio. Sem perceber o que fazer, porque fazer e como fazer. Assustados. Agarrados a crenças e a padrões tantas vezes destrutivos e limitadores.
Pais que se encontram num misto de emoções. Ora desejando a independência dos seus filhos, ora temendo o impacto e consequências dessa mesma autonomia, enquanto vão percebendo que a vinculação dos seus filhos aos pares ganha uma nova importância, como promotor de suporte emocional ao jovem.
Por outro lado, filhos que se sentem sozinhos. Que vão ganhando agora uma nova forma de ver a vida, o mundo, os outros, as relações. Revoltados, angustiados, perdidos entre tantas escolhas possíveis. Sem saber quem são, o que querer ou qual o seu valor, dentro e fora da família. Insatisfeitos.
Por vezes, deslumbrados perante o consumismo, pelo online, sérios seguidores das influências e influenciados pela velocidade da informação e conhecimento. Tantas vezes sem saber como olhar perante as exigências, pressão e expectativas.
Criticados pelo seu silêncio, mas também pelo seu grito (de dor). Sem saber como comunicar os Sins e os Nãos sentidos.
Crise da adolescência
Este período da “família com filhos adolescentes” corresponde na verdade ao cruzamento da crise da adolescência dos filhos, com a crise de meia-idade dos pais, sendo um período de crise necessário, de modo a promover um novo equilíbrio entre todos os elementos da família, repensar e redefinir a estrutura desta relação entre as duas partes que estão num tremendo processo de crescimento.
Mas sendo as figuras parentais as figuras de orientação neste importante processo que é a educação de um filho, como podem estes lidar melhor com esta que é considerada a idade do armário?
Muitos poderão ser os fatores verdadeiramente desgastantes desta relação. Mas também, muitos poderão ser os recursos e as possibilidades, se os pais optarem olhar para este período da vida da família e do jovem com o potencial que poderá devir.
Este período necessitará de uma mudança de atitude por parte dos pais na relação com o seu filho. Mais do que controlo e imposição de regras, a relação parece agora recentrar-se no poder da qualidade da própria relação.
Se esta relação tiver sido bem trabalhada desde a infância, os pais não perderão o seu lugar de importantes figuras de influência e orientação. Na verdade, a responsabilidade da qualidade desta tão importante relação passa mesmo pelos pais, orientadores desta relação.
Para o adolescente evoluir no seu processo de autonomização e construir a sua personalidade, necessitará de sentir-se aceite, valorizado e até admirado, tanto pelos colegas e amigos, como também pelos seus pais.
Neste sentido, os processos de vinculação e de autonomia não constituem dois processos opostos, mas surgem como processos complementares e interdependentes. Ou seja, mesmo tratando-se de uma fase tão desafiante e tantas vezes pautada por conflitos e desentendimentos que nos tiram do sério, este processo não se trata da substituição dos pais por outras figuras, mas sim de uma progressiva transformação de uma relação que se quer sempre de reciprocidade.
Os adolescentes procuram pontos de identificação fora da família, mas os pais continuam a desempenhar um importante papel de base de segurança emocional ao longo deste período, funcionando como um estímulo para este processo de autonomização dos jovens.
Isto é, o papel das figuras parentais deverá consistir em apoiar o adolescente em enfrentar os afetos gerados pela aprendizagem da independência (mesmo que na construção deste processo de autonomização se assista, por vezes, a uma conflito familiar mediado por afetos, crenças e mitos de lealdade, que tendem muitas vezes a engendrar sentimentos de culpa, ansiedade e/ou ressentimentos mútuos nesta relação).
O processo de desenvolvimento do adolescente enfrenta uma série de sucessões na sua capacidade de diferenciação e que são fundamentais para a construção da sua identidade:
- A necessidade de separação das figuras pai e mãe em prol da independência;
- A necessidade de diferenciação em prol da individualidade;
- A necessidade de expansão em prol do crescimento;
- A necessidade de oposição em prol da autonomia;
- A necessidade responsabilidade em prol da maturidade.
Contudo, todo este movimento de crescimento, diferenciação e autonomização face às figuras parentais, só pode ser definitivamente conquistado se acontecer uma reorganização e sucessivos reajustamentos familiares, que ocorrem através da redefinição da relação, dos limites e dos papéis de cada membro da família, com capacidade de desencadear uma rutura no equilíbrio do sistema familiar.
4 pontos essenciais para lidar com a crise da adolescência
1. Comunicação familiar
Para que este seja um período mais saudável e sereno para ambos, aprender a comunicar e a escutar empaticamente revela-se vital; só desta forma o adolescente reconhecerá a presença emocional do seu cuidador e sentir-se-á acompanhado “Estás mesmo aí para mim?”.
Uma comunicação carinhosa, curiosa e compassiva suporta o desenvolvimento saudável da vinculação que é especialmente importante na construção de uma relação de confiança entre pais e filhos, sendo que um dos sinais mais comuns de relações saudáveis e seguras consiste na capacidade de pais e filhos transmitirem reciprocamente sinais claros das suas emoções e necessidades.
Esta poderá ser designada por comunicação contigente. Neste tipo de diálogo, os sinais enviados pelo adolescente são percecionados, compreendidos e respondidos pelo cuidador, numa comunicação que envolve uma colaboração mútua, permitindo um sentido de conexão que permite nutrir esta relação ao longo da vida.
Na parentalidade, a capacidade dos pais comunicarem sobre as suas emoções, permite dar o suporte necessário para o desenvolvimento positivo do jovem, construindo um sentido de vitalidade e empatia na relação.
Esta capacidade revela-se de grande importância para a possibilidade de construir e nutrir a proximidade e a intimidade das relações durante toda a vida. Nutrir as relações envolve a capacidade de partilhar e amplificar as emoções positivas, assim como acalmar e reduzir as emoções desagradáveis.
Ou seja, na relação com o seu filho adolescente, poderá ser importante refletir sobre a forma como comunicam.
2. Sintonização emocional
Este aspeto conduz-nos para a importância de sintonizar com as emoções e experiência emocional que existe no interior do jovem, antes de querer alterar o comportamento exteriorizado ou manifestado por ele.
Sintonizar com as emoções do adolescente poderá significar descer ao seu nível, ser-se mais aberto e disponível, olhando verdadeiramente para o que o adolescente nos está a trazer, mostrar, a partilhar e comunicar, com curiosidade e entusiasmo.
Desta forma, o jovem perceciona que as suas ideias e emoções são importantes para os seus pais, possibilitando uma intensificação no seu sentido de si próprio, assim como na sua autoestima.
Assim, as conexões emocionais (ou seja, uma relação emocionalmente ligada e segura) permitem criar significados para o jovem, que irão por sua vez afetar a imagem que o adolescente tem de si mesmo enquanto merecedor de amor e atenção, permitindo sentir-se visto, seguro, contido e protegido.
Ou seja, na relação com o seu filho adolescente, poderá ser importante refletir sobre a forma como se liga a ele e ao seu mundo interno.
3. Presença emocional
Estar presente emocionalmente significa estar aqui e agora, neste momento, nesta relação. Mais do que ouvir, significa escutar com total atenção, com curiosidade e sem julgamentos ou sem haver espaço para imediatamente contra-argumentar, quem está a falar ou fazer.
Ou seja, na relação com o seu filho, poderá ser importante refletir sobre a forma como se permite estar presente para ele.
4. Confiança
A confiança é um dos melhores presentes que podemos oferecer a alguém numa relação. Quando confiamos, mostramos ao outro o quanto este é importante e valioso. Oferecemos-lhe a oportunidade de ir para o mundo e “ser”, explorar e conhecer-se de uma forma completamente segura.
Quando confiamos, partilhamos com o outro e fazemos com que se crie uma relação de confiança mútua, em que o outro também poderá partilhar connosco. As suas necessidades, os seus sonhos, pensamentos, dúvidas ou preocupações.
Ou seja, na relação com o seu filho adolescente, poderá ser importante refletir sobre confiança.
A incapacidade de adaptação familiar face a esta fase do ciclo de vida da família e do adolescente enquanto indivíduo, passa pela rigidez, por uma tentativa de manter o status quo, de preservar a todo o custo os antigos padrões familiares (muitas vezes em nome de uma unidade familiar) que nesta fase poderão ser sentidos como lesivos e destrutivos da relação pais-filhos.
Ser pai ou ser mãe de um filho adolescente é de facto uma experiência rica em desafios. Contudo, pode ser importante permitirmo-nos regressar à base, àquilo que se impõe como fundamental e essencial.
Existe sempre uma forma melhor de construir e viver a relação, mais pacífica, não violenta, mais humana e respeitadora do lugar do outro, mais consciente e relacional. Essa força tão poderosa que consegue mudar o sentido de tudo: o poder da relação familiar!
Sílvia Coutinho é psicóloga e terapeuta familiar e de casal. Em terapia, procura promover relações com maior conexão emocional, com famílias, casais e a nível individual. Adora refletir sobre as emoções mais profundas que sentimos quando nos relacionamos e acredita ser através destas relações, vividas de forma saudável, que conseguimos também individualmente potenciar o nosso bem-estar, equilíbrio e felicidade. Siga-a no Instagram.