É com espontaneidade, entusiasmo e paixão que são vividos os primeiros tempos de uma relação. As palavras, o toque, a troca de olhares, a sedução, a atração, o desejo e o sexo, são como uma chama viva que nos desperta. Vibram em nós com intensidade e ligam-nos àquele que se torna a nossa pessoa amada.
Contudo, após esta fase inicial de paixão, já com uma relação amorosa alicerçada, vivida a longo termo, são muitos os casais que descrevem a diminuição e o entorpecimento da sua intimidade sexual.
Vivemos imersos em rotinas que nos consomem, desconectam do essencial e nos afastam da nossa criatividade e da nossa imaginação. Arriscamo-nos muito pouco a sair da nossa zona de conforto e a imaginar, a criar, a fazer florescer algo novo que, na verdade, nos faz sentir mais vivos.
Vamos desconectando-nos e desligando da nossa intimidade emocional e sexual, de nós próprios e do nosso parceiro. Eles estão lá, aparentemente garantidos, quase que fechados numa caixinha de conforto.
Esquecemo-nos que, na verdade, o amor nunca morre de morte natural. Morre por não sabermos reabastecer a sua fonte. Sem compreendermos verdadeiramente ou conscientemente, fechamos os olhos ao facto de a intimidade (seja emocional, seja sexual) necessitar de cuidado, de atenção, de intenção, de compromisso para se manter viva.
Mas será o sexo assim tão importante para uma relação? Sim, muito importante!
Para compreendermos a sua importância, é preciso olhar para a quantidade de importantes significados, e até mesmo de crenças, que o sexo representa e assume para todos nós.
Para muitos, o sexo representa “uma forma poderosíssima de amar e de comunicar amor”, “uma intensíssima forma de nos ligarmos e conectarmos ao outro”, representa “uma forma de comunicação do quanto o outro é importante para nós, ou mesmo uma forma de expressão do desejo que sentimos” (sentirmos desejo e sentirmo-nos desejados).
Neste sentido, a sexualidade surge como uma expressão do nosso amor e isso poderá ser maravilhoso. Contudo, pode ser importante atender a estas mesmas crenças e significados e perceber também como estas poderão influenciar e até limitar a nossa vivência da sexualidade.
Ao entendermos o sexo apenas como uma “expressão de amor”, poderemos também deixar de fora muitos outros significados que o sexo possa conter em si (ser “brincalhão”, “divertido” – e não só profundo e apaixonado -, ser “rápido”, “malandro”, “permitir fazer as pazes”, etc.), o que nos poderá limitar na forma como o experienciamos.
Nem sempre olhámos o sexo desta forma. Muitos de nós foram condicionados pela sociedade e cultura a olhar “o sexo como um fim a obter” (satisfação física imediata através do orgasmo), como um “repertório sexual com base num conjunto de técnicas e posições que devemos ter para sermos suficientes e bons” (pressão sentida principalmente pelos homens), como algo que “evapora e desaparece ao longo do tempo quando o sentimento de paixão estabiliza ou diminui”, como o “único interesse dos homens”, como “algo que não faz parte da nossa vida a partir do momento em que começamos a envelhecer”.
Contudo, o sexo é muito mais do que isto! A conexão e o erotismo, o amor e o desejo, podem ser sempre o pano de fundo numa relação a longo termo, ao mesmo tempo que construímos uma vida em comum num amor que vai amadurecendo não só com o tempo, mas com a vivência e partilha. E muitas vezes verificamos que esta ideia está ausente da nossa perceção acerca do sexo.
Poderá ser então importante questionarmo-nos e refletirmos sobre se acreditamos realmente que o sexo com o nosso companheiro possa ser vivido realmente assim. Se trabalhamos, se nos responsabilizamos e disponibilizamos nesse sentido.
Abraçamos facilmente a ideia de que o sexo é compromisso, conexão, segurança e conforto. Mas mais dificilmente integramos a ideia de juntar a estes o gozo, a diversão, a sedução, o risco, o atrevimento, o colocarmo-nos fora da nossa zona de conforto e permitirmo-nos a construir algo novo ou diferente, mas que na verdade nos possa preencher.
O poder da conexão
Na verdade, uma profunda conexão emocional (vínculo seguro) cria a possibilidade de um bom sexo, gratificante e positivo para ambas as partes.
Quando os parceiros são emocionalmente acessíveis, responsivos e emocionalmente comprometidos, o sexo torna-se num lugar de profunda intimidade e partilha, numa aventura que é prazerosa e segura, num lugar onde ambos poderão explorar eroticamente as suas necessidades e desejos sexuais, as suas necessidades de pertença e as suas vulnerabilidades.
O sexo pode tornar-se num importante lugar de encontro e de construção de maior intimidade emocional.
Muitas vezes, o sexo é o primeiro a ficar afetado quando a relação estremece ou se distancia. Mas, na verdade, a verdadeira razão passa pela perda da conexão emocional do casal, que deixa de se sentir seguro.
Este facto conduz a uma diminuição do desejo e a uma menor satisfação sexual. Estes, por sua vez, conduzem sucessivamente a uma diminuição da frequência sexual, a mágoas/ressentimentos e consecutivamente a uma menor conexão emocional.
Ou seja, como um ciclo infinito, verificamos então que ao não existir um vínculo seguro, não existe sexo, e ao não existir sexo, não existe um vínculo seguro.
Deste modo, conforme a segurança da nossa conexão emocional, vamos também mergulhando numa intimidade sexual mais ou menos profunda, e assim consecutivamente.
3 tipos de intimidade sexual
1. Quando o objetivo passa pela redução da tensão sexual e a obtenção do orgasmo. O foco é colocado na sensação e na performance. A conexão ao outro é sentida como secundária. Os encontros são curtos e, muitas vezes, não mais do que breves momentos.
2. Quando procuramos, através da intimidade sexual, o reassegurar de que somos valorizados e desejados.
Muitas vezes, a sexualidade existe como uma forma de aliviar os nossos medos mais básicos de vinculação (ex.: sentirmo-nos amados, importantes, desejados, seguros, valorizados, compreendidos, etc.).
Existe nesta intimidade sexual uma maior intimidade emocional, contudo, no centro da dança da intimidade do casal encontra-se a ansiedade, um lugar de medo e hiper-vigilância. Deste modo, é como se o sexo fosse um teste: se o outro me deseja, então eu posso sentir-me seguro.
Por outro lado, para muitas pessoas, a intimidade sexual poderá ser a única forma que conhecem de comunicar a sua necessidade de conexão e de serem abraçadas, amparadas (nomeadamente, alguns elementos do sexo masculino poderão ainda ter de aprender a fazer este trabalho).
Ao nunca terem aprendido a comunicar as suas necessidades e emoções, o sexo surge como a linguagem que têm ao seu dispor, podendo criar a ideia errada que os homens só se interessam por sexo. Na verdade, também os homens desejam e necessitam o toque, o abraço, a conexão (intimidade emocional) para se sentirem amados.
Não obstante, e porque o amor contém em si uma dimensão de interdependência, esta poderá conduzir alguns elementos a um estado de maior ansiedade, porque esta interdependência implica que a pessoa que amamos tem algum poder sobre nós. Não só o poder de nos amar, como também, e principalmente, o poder de nos abandonar.
O medo, da perda, de sermos julgados, criticados ou rejeitados, estará sempre implícito no amor, podendo conduzir muitos a uma menor propensão para serem eroticamente aventureiros na companhia da pessoa com quem sentem tanto medo de perder ou cuja opinião sobre si é determinante.
Muitas vezes, nestas circunstâncias, é frequente preferirmos silenciar-nos, aceitar o entorpecimento sexual, a arriscar menos, do que a magoarmo-nos.
3. Quando existe reciprocamente uma abertura emocional, responsividade, toque, curiosidade e vivência erótica, tornando-se numa intimidade sexual que preenche, satisfaz, enriquece e conecta.
Deste modo, quando os parceiros experienciam uma conexão emocional segura, existe espaço para experienciar a relação e a intimidade emocional e sexual de uma forma despreocupada, criativa, terna, erótica, profunda e ardente nos mais diversos momentos.
Numa relação entre parceiros conectados emocionalmente existe espaço para a revelação das suas vulnerabilidades e desejos, sem a existência do medo da rejeição.
Conseguem conversar abertamente, sem lugar para ofensas reciprocas, conseguem expressar as suas necessidades e preferências.
Numa relação entre parceiros conectados emocionalmente estes podem sentir-se relaxados (e não em hiper-vigilância e em medo, como na intimidade anterior) de modo a mergulhar profunda e prazerosamente na sua sexualidade.
E que tal colocarmo-nos na agenda?
Para a existência de uma relação conectada a sexualidade é fundamental, e para que o casal se sinta sexualmente satisfeito necessita também ele de olhar e cuidar da intimidade e da ligação emocional entre si.
Pode ser importante então desconstruir a ideia de que a sexualidade advém de um impulso, de um desejo ardente que nos liga à relação sexual. Na verdade, nem sempre assim acontece, e ao longo do ciclo de vida do casal, tudo isto pode tornar-se diferente.
Talvez possamos falar de um desejo responsivo, ou seja, que implica a necessidade de dedicarmo-nos e esforçarmo-nos para que exista uma vida sexual na relação que tanto estimamos, colocarmo-nos literalmente na agenda como algo prioritário.
Desconstruir que o planeamento não significa que a sexualidade esteja a ser vivida como algo menos espontâneo ou como algo forçado e menos natural. Que, na verdade, o planeamento implica intenção de cuidar, de estar para o outro, de desejar continuar a viver a sexualidade sem esta ser esquecida e não conduzir assim o casal a um distanciamento gélido.
Que o planeamento significa desejar inverter precisamente esta situação.
O casal pode e deve cuidar do seu lado erótico, porque o erotismo é o que mobiliza o interesse, o desejo e a excitação sexual. O erotismo é a sexualidade transformada pela imaginação, em que os sentidos se colocam ao serviço da imaginação, o que faz do nosso cérebro o principal órgão sexual.
Quando o casal se permite ser erótico, planear a sua sexualidade como se fosse uma forma de autocuidado (porque o é), procura manter-se íntimo, ligado. E, à partida, quanto mais íntimo for o casal, mais desejo sexual poderá sentir.
Contudo, poderá ser ainda importante falarmos de como também casais íntimos podem passar pela dificuldade da ausência de desejo na sua relação.
Intimidade pressupõe um nível elevado de familiaridade, podendo existir o perigo de vivenciarem a relação de forma bastante fusionada, como se fossem um só.
Para uma relação se manter saudável, deverá sempre existir um Eu e um Tu, para que então sejam capazes de construir um Nós.
Isto pressupõe o quanto salutar é a existência do espaço individual de cada elemento. Pressupõe a capacidade de diferenciação do casal, ou seja, a capacidade de manter a autonomia, a conexão e o sentimento de pertença.
Uma relação de amor necessita de ser co-criada em conjunto, sentida, imaginada, desejada para existir plenamente e não se perder. Neste sentido, é necessário criar espaço em nós para a reinventarmos dia após dia.
Um casamento tem muitos casamentos lá dentro, precisamente pela necessidade de o casal se reinventar em conjunto, de se fazer nascer uma e outra vez, ano após ano. Desafio após desafio. Disponibilizando-se a co-recriar o desejo, um novo conhecimento do parceiro, em teimar não adormecer a relação, como se de um novo encontro se tratasse.
Cuidar com intenção e consciência da relação, da intimidade emocional e da intimidade sexual é uma fonte de vida para a relação, trata-se de sermos mais inteligentes a nível relacional e eroticamente.
A relação não irá manter-se nutrida e saudável sozinha, e a nossa intimidade sexual é uma ferramenta importantíssima na vivência saudável do nosso amor.
O amor alimenta o sexo e o sexo alimenta o amor.
Sílvia Coutinho é psicóloga e terapeuta familiar e de casal. Em terapia, procura promover relações com maior conexão emocional, com famílias, casais e a nível individual. Adora refletir sobre as emoções mais profundas que sentimos quando nos relacionamos e acredita ser através destas relações, vividas de forma saudável, que conseguimos também individualmente potenciar o nosso bem-estar, equilíbrio e felicidade. Siga-a no Instagram.