Mas porque será que isto acontece? E como podemos lidar com estas situações? O que significa quando reparamos que este é, na verdade, um padrão na nossa vida amorosa e que nos sentimos atraídos consecutivamente por pessoas indisponíveis emocionalmente e desinteressados por pessoas carinhosas e presentes?
O amor não é uma ilha deserta. É uma casa que necessita de dois habitantes que nela existam por inteiro. Mas, por vezes, as casas são como ilhas que espelham quem nelas vive. Inóspitas, silenciosas, isoladas na imensidão do mar e distantes.
Outras vezes, íntimas, acolhedoras como um porto seguro que abraça quem por lá repousa, ricas em gestos, movimentos, palavras, vozes e músicas que nos aquecem e consolam e reparam nas tempestades, dando novo céu perante as intempéries da vida.
Seja como for, sejamos como somos, não escolhemos os nossos padrões de funcionamento conscientemente.
Estes são formados numa fase pré-verbal, ainda antes de termos uma mente capaz de pensar sobre as narrativas.
Contudo, e já em adultos, temos a capacidade de escolher fazer algo em relação a nós próprios, no sentido de nos permitirmos refletir com consciência sobre a forma como funcionamos, como nos abrimos ou não às relações ou mesmo sobre os nossos padrões relacionais.
A indisponibilidade emocional do outro
Todos nós apresentamos diferentes níveis de (in)disponibilidade emocional nas relações amorosas. Não estamos, nem conseguimos estar 100% do tempo totalmente conscientes e disponíveis para o outro ou para todas as suas necessidades.
No entanto, existem indivíduos que por norma se fecham e indisponibilizam para as relações.
São pessoas que tendem a apresentar um padrão de vinculação evitante, apresentando uma postura defensiva, distante e desligada nos seus relacionamentos pessoais. Tendem a regozijar a sua auto-suficiência confundindo-a com independência, percecionando a dependência amorosa (interdependência emocional) como limitativa e redutora de si.
A carência emocional é sentida como uma fraqueza, não apresentando por isso uma necessidade de se ligar ao outro, de expressar os seus sentimentos, reprimindo as emoções e necessidades, não permitindo aos outros responder adequadamente, dificultando a construção de intimidade e uma verdadeira conexão, assim como o aprofundamento dos relacionamentos.
Os outros são sempre colocados à distância de si, mesmo quando este se encontra envolvido numa relação. No relacionamento amoroso, estas pessoas encontram-se juntas mas separadas.
É desejar sentir o outro nos nossos braços, mas este esvai-se, desvanece, desaparece emocionalmente, porque utiliza de forma constante estratégias mais ou menos conscientes de desativação emocional, como por exemplo:
- Pensar e dizer de forma contínua durante anos que não está preparado para se comprometer;
- Centrar-se constantemente nas imperfeições do outro, naquilo que o outro não é e deveria ser;
- Distanciar-se quando a relação está a correr bem;
- Saltitar de pequena relação em relação, não conseguindo aprofundar os vínculos, mantendo-se sempre na superfície de pequenos flirts;
- Não dizer amo-te ou não expressar formas mais profundas de afeto: evitar a proximidade física – não querer ter relações sexuais, caminhar passos adiante ou atrás da companheira, etc;
- Desligar-se mentalmente quando a companheira está a falar;
- Quando se liga emocionalmente a pessoas indisponíveis, como por exemplo, com alguém casado.
Todas estas estratégias de desativação emocional seguem no sentido do evitar a intimidade e a profundidade dos vínculos, conduzindo a que se feche para relações potencialmente positivas e saudáveis.
Como se manifesta a indisponibilidade emocional
Por norma, a indisponibilidade emocional traduz um enorme medo de ser rejeitada ou de temer magoar os outros, o medo de perder o controlo de si mesma diante de uma relação, de perder o respeito dos outros se se mostrar vulnerável e o medo de ser traída ou abandonada.
Apesar da pessoa querer estar num relacionamento, de amar e de ser amada, acaba sempre por quebrar de alguma forma esse vínculo.
A indisponibilidade emocional traduz um medo constante em se ligar, em se dar, em confiar no outro ou em si, de se expor. Uma pessoa que se coloca numa relação com indisponibilidade é alguém que de alguma forma luta contra uma conexão emocional forte, próxima e ligada.
Deste modo, a pessoa emocionalmente indisponível comporta-se muitas vezes como se não estivesse realmente interessada pela outra pessoa. O seu comportamento torna-se aos olhos do outro, ambíguo e confuso.
O companheiro não se sente importante, cuidado, amado, correspondido emocionalmente, tornando-se numa relação onde a reciprocidade não se manifesta.
Tendo em conta estas indicações, é fácil compreender como a indisponibilidade emocional pode ser perturbadora para o companheiro que apenas deseja ligar-se ao outro, conectar-se, sentindo as suas necessidades emocionais não respondidas, o que poderá conduzir ao distanciamento progressivo do casal.
A indisponibilidade emocional também é conhecida como ansiedade relacional ou medo da intimidade e consiste na impossibilidade de construir uma conexão autêntica com outras pessoas.
Manifesta-se precisamente através do medo enquanto emoção que paralisa e bloqueia, causada por um estímulo que é processado como uma ameaça.
No caso das pessoas com medo da intimidade, a ameaça é justamente essa dimensão. Existe um temor angustiante de se aproximar, o da conexão emocional, o mostrar-se vulnerável, o de revelar-se ao outro, tal como é, através dos pensamentos, das emoções e das necessidades.
Porque surge a indisponibilidade emocional
Muitas vezes, por trás da indisponibilidade emocional está normalmente um mecanismo de defesa e proteção, aprendido durante a infância, por exemplo, quando somos criados por uma família que tende a não demonstrar ou expressar as suas emoções.
Os estudos vão indicando que, na origem deste padrão de indisponibilidade emocional, existe um padrão de vinculação inseguro na infância em si (padrão de vinculação evitante), que surge quando:
- Os pais não se encontram emocionalmente disponíveis para os filhos, ou quando são agressivos;
- Quando na origem está uma família disfuncional (ou seja, uma família que não é capaz de fornecer o necessário para que os seus filhos cresçam saudáveis – física, emocional e intelectualmente);
- Existiu a perda traumática de um dos pais;
- Quando existiu alguma situação traumática, tendo de desenvolver a sua capacidade de autonomia, motivada pela ativação do modo sobrevivência, crescendo assumindo que só poderá confiar em si mesmo (autosuficiência).
Porque me sinto atraída por pessoas indisponíveis?
Quando experienciamos relações disfuncionais, tóxicas ou abusivas ao longo da vida, estas em certa medida conduzem-nos a ativar o modo alerta/hipervigilância (modo sobrevivência) de modo a nos protegermos e de alguma forma sobrevivermos.
Perante estas interações, são ativados repetidamente altos níveis de endorfinas, o que pode provocar uma espécie de adição às mesmas.
Como resultado, estas pessoas só se sentem calmas quando estão sob stress. Pelo contrário, sentem-se com medo, irritáveis e aborrecidas quando o nível de stress diminui. Normalmente, este processo é designado pelo vicio do trauma.
Com esta lente, consegue-se facilmente compreender o que pode influenciar a nossa perceção de aborrecimento e desinteresse quando estamos diante de uma relação segura, saudável, funcional e respeitadora. Simplesmente, o nível de cortisol não é disparado.
Não existe stress e portanto é como se aos nossos olhos faltasse “emoção” nessa relação, o que provavelmente nos conduz a escolher um outro parceiro, por exemplo, igualmente indisponível e menos seguro. Portanto, momentos mais desafiantes ativam novamente o ciclo vicioso do trauma-bonding.
Entre as situações que estão na origem do trauma-bonding podemos enunciar algumas como, por exemplo, negligência na infância face às necessidades, abuso físico e emocional, exposição a violência doméstica, discussões familiares constantes, histórico de adições na família de origem, bullying, relações amorosas abusivas, etc.
Muitas vezes, falamos de indisponibilidade emocional como sendo a indisponibilidade para dar, partilhar, não responder, virar costas ou não ser responsivo. Contudo, a indisponibilidade emocional pode ser também amar negligenciando-se, dar demais ou não impor os nossos limites pessoais numa relação.
Isto porque os relacionamentos requerem equilíbrio entre o self e o outro.
Muitos de nós (nomeadamente quando temos em nós o padrão de sermos agradadores de pessoas – people pleasers -, desejam corresponder às necessidades e expectativas dos outros no sentindo de sermos reconhecidos, acolhidos, amados), não trazemos o nosso próprio self para a relação, o que indisponibiliza a vivência de uma relação equilibrada e saudável.
Deste modo, quando falamos no padrão de nos ligarmos constantemente a pessoas indisponíveis, pode ser igualmente importante refletirmos sobre nós próprios, tendo em conta que nessas ligações existe sempre um elemento que é comum a todas as relações que já experienciámos: nós mesmos!
Ou seja, através da forma como não nos mostramos na relação ou permitimos o relacionamento funcionar com base na indisponibilidade do outro, também nós nos colocamos de forma limitada na relação, sabotando-a com estes padrões de não nos respeitarmos, não mostrarmos os nossos limites, silenciando-nos ou aceitando tudo em prol de um amor, fazendo também de nós mesmas pessoas indisponíveis emocionalmente para relacionamentos positivos e saudáveis.
Quando nos confrontamos com este padrão de atração por pessoas emocionalmente indisponíveis ou com padrão de evitamento, poderá ser importante reflectir sobre a forma como também nos permitimos abandonar ou até fugir de nós mesmos, na forma como procuramos obter validação e amor dos outros, não reconhecendo nós mesmos como suficientes e merecedores de amor.
Muitas vezes, permitimos estar nesta montanha russa de emoções com alguém indisponível porque, na verdade, podemos sentir medo de sermos vistos verdadeiramente como realmente somos.
Quando está indisponível emocionalmente nos relacionamentos
Todos nós desejamos ligar-nos aos outros em relações que sejam seguras e saudáveis e neste sentido, mantemos um potencial inato de regressarmos ao lugar de uma relação com padrão de segurança.
A partir do momento em que sabemos o que é, como é estar e como é sentirmo-nos numa relação segura e saudável, poderemos praticar as nossas competências de vinculação segura, permitindo-nos abrir para a vulnerabilidade e confiança numa relação, assumir mais riscos e desfrutar dessa relação mais do que alguma vez pensamos ser possível.
Á medida que vamos reganhando a capacidade para uma vinculação segura, a nossa habilidade para receber e dar amor aumenta e estrutura-se potencialmente.
Quando nos cruzamos com um parceiro indisponível emocionalmente ou quando somos nós que estamos indisponíveis, poderá ser importante compreender que acima de tudo trata-se de um enorme medo de ser magoada.
Contudo, ainda não conseguiu compreender que aquilo que obtém com o comportamento de defensividade é, precisamente, o mesmo do que procura fugir: a solidão, a dor, o sofrimento emocional.
O caminho para a restruturação emocional poderá passar pela psicoterapia, de modo a melhor compreender os seus padrões, o seu funcionamento, as feridas, os medos e o modo de atuar quando estes são ativados.
Poderá ter de passar por olhar com profundidade e consciência para a forma como fomos expostos desde a infância às relações e ao amor, explorar a própria história relacional e desencobrir os próprios padrões relacionais, olhando, por exemplo, para a ferida de uma família disfuncional, para um passado abusivo ou de perdas que nunca foram superadas, de modo a progressivamente permitir-se a uma das mais significativas e maravilhosas aventuras da vida: amar e ser amada numa verdadeira conexão emocional.