Relações e família

Crónica. O segredo (e a importância) da vulnerabilidade

Associamos vulnerabilidade a alguém frágil, fraco, inseguro. Contudo, na vulnerabilidade reside um poder incrível e quase mágico que só poderemos descobrir se confiarmos nesse processo.

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Crónica. O segredo (e a importância) da vulnerabilidade Crónica. O segredo (e a importância) da vulnerabilidade
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Catarina Canelas Martins
Escrito por
Dez. 26, 2020

Sermos vulneráveis está intrinsecamente ligado à natureza humana. Nascemos frágeis, a precisar de alguém que cuide de nós para sobrevivermos. Mesmo quando crescemos, continuamos a existir enquanto um todo emocional, físico, mental e em cada um destes âmbitos a vulnerabilidade existe.

Contudo, por algum motivo, temos sido educadas ao longo das gerações para esconder esse lado mais sensível, mais delicado ou até mesmo mais frágil. Temos de conseguir mostrar força independentemente de tudo, energia, segurança e isso é sinal de força, de capacidade, de competência.

Tenho-me apercebido, nos mais variados processos terapêuticos, que a superação, do que quer que seja, reside muito mais na aceitação desse lado mais real e humano que todos temos e tentávamos até então esconder com medo do julgamento, de não servirmos, de sermos vistos de um modo que o outro poderia não gostar tanto.

É incrível perceber que quando alguém assume, num primeiro momento para si mesmo e depois para o mundo, as suas dores, inseguranças, fragilidades, vulnerabilidades,  aquilo que encontra na maior parte das vezes é aceitação, validação, empatia. Como se o poder da transformação estivesse em reconhecer o que existe em nós e não em suprimir.

Ao retirarmos o nosso peso enquanto pais de sermos perfeitas estamos a abraçar uma maior verdade na relação que estabelecemos com os nossos filhos
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Desmistificar a vulnerabilidade

Ser vulnerável nas relações

A esta exposição das emoções está associada alguma vulnerabilidade, visto que existirá sempre a possibilidade de nos desiludirmos, não sermos contidas tanto quanto gostaríamos ou até mesmo invalidadas.

A dificuldade em enfrentarmos todos estes receios, pode levar ao acumular de mágoas, medos, inseguranças e isso leva ao afastamento do outro. Ao querermos estar próximas, acabamos por ficar cada vez mais distantes e desconectadas e isso acaba por afetar a relação, por vezes de forma irreparável.

As relações felizes terão sempre na sua base a capacidade de nos vulnerabilizarmos, suportada também numa grande dose de confiança no outro.

É um percurso desafiante por teremos de dar este primeiro passo de exposição para construirmos tudo o resto ou percebermos que não é ali que queremos estar.

Ser vulnerável  na parentalidade

A relação pai/mãe – filho/filha é uma das relação mais importantes, pois dá estrutura, condiciona tudo o que vem a seguir e, por consequência, é a partir daí que transformamos o paradigma existente e o mundo.

Ao retirarmos o nosso peso enquanto pais de sermos perfeitas estamos a abraçar uma maior verdade na relação que estabelecemos com os nossos filhos e, por isso mesmo, a estabelecer conexões mais profundas, mais sustentadas no respeito.

Além disso, mostrar aos nossos filhos que somos pessoas, em toda a aceção da palavra, com tudo o que temos de bom, menos bom, com todos os tons das nossas emoções, permite que eles cresçam num ambiente de verdade e que percebam que ser vulneráveis nada mais é que sermos inteiros.

Quando reconhecemos as nossas particularidades (aquilo que nos assusta e nos expõe) estamos frente-a-frente com a nossa verdade
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Ser vulnerável no trabalho

Na mesma lógica do ponto anterior, o trabalho reside também em relações, contudo, com estrutura e regras próprias. Nestas relações caberá também a coragem de mostrarmos partes de nós.

O facto do risco existir coloca-nos muitas vezes em posições de desmotivação, tristeza, submissão. Mas, mais uma vez, é necessário reconhecermos e partilharmos o que sentimos para podermos receber feedback e evoluir a partir daí para um caminho que possa fazer mais sentido. Quer seja um caminho cada vez mais alinhado com o emprego/equipa de trabalho ou um caminho de rutura e procura de novas opções.

Ser vulnerável no dia a dia

De uma maneira geral, quando reconhecemos as nossas particularidades (aquilo que nos assusta e nos expõe) estamos frente-a-frente com a nossa verdade.

Sem este reconhecimento e partilha poderemos ficar para sempre numa prisão que nos impede de alcançar a tal felicidade que almejamos e que dá muito mais trabalho do que gostaríamos à partida, pois provoca desconforto.

Apesar disso, é também neste caminho de descoberta e partilha que podemos crescer e filtrar situações que estejam mais alinhadas com a nossa verdade e o nosso sentir.

Lidarmos com a possibilidade da crítica, do fracasso e da deceção é quase a condição necessária para potenciarmos a felicidade
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E se correr mal?

A dificuldade que sentimos em assumir as nossas emoções parte muitas vezes do medo que temos de nos sentirmos expostas e, portanto, vulneráveis. Assim, acabamos por nos fechar para que, de algum modo, nos possamos proteger.

A consequência desta falsa proteção ou armadura, acaba por ser a desconexão (com as nossas próprias emoções e com os outros), o evitamento e, por consequência de tudo isso, diminuímos a possibilidade de alcançar objetivos, conquistas, projetos e sucessos nas várias áreas da nossa vida.

Parece então muito mais limitador e prejudicial fugirmos de nós mesmos.

Lidarmos com a possibilidade da crítica, do fracasso e da deceção é quase a condição necessária para potenciarmos a felicidade. Os riscos farão parte do caminho.

Como pode a terapia apoiar este processo de vulnerabilização?

A terapia permite que numa relação segura e potenciadora se aprofundem estas sombras, aceitando-as e permitindo que, olhando-as de frente, se reencontre com a sua verdade e com aquilo que quer promover nas várias áreas da sua vida, alinhando-se com os seus objetivos, valores, desejos.

Deixo uma sugestão para explorar e aprender mais sobre este tema. A talk O poder da vulnerabilidade de Brené Brown.

Catarina Canelas Martins, psicóloga clínica e terapeuta Emdr, tem desenvolvido o seu trabalho nos últimos anos com famílias e adultos na Clínica de Psicologia e Coaching Learn2Be. Apaixona-a tudo o que envolva o bem-estar emocional e psicológico pois acredita que sem essa estabilidade e equilíbrio não é possível vivermos no nosso máximo potencial. Siga-a nas redes sociais Facebook e Instagram.

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