Afinal, o que é um trauma? A experiência que temos da realidade é muito diversa e subjetiva. Aquilo que vivemos não constitui por si só um trauma, mas sim aquilo que percecionamos e como nos sentimos com determinado evento externo.
Quando aquilo que estamos a vivenciar causa um impacto psicológico maior do que conseguimos lidar e integrar, surge aquilo a que chamamos trauma.
Perante situações emocionalmente mais difíceis, podemos ou não desenvolver reações normativas, adaptativas e temporárias, ou essas reações poderão também prolongar-se ao longo do tempo.
O trauma pode também ser descrito como único ou complexo.
• Um trauma único é, por exemplo, uma situação pontual que ocorre e nos faz sentir em perigo de vida, um assalto, um episódio de violência sexual, um acidente de carro…
• O trauma complexo é um trauma que ocorre diversas vezes, estendendo-se num período de tempo e afetando a estrutura da pessoa. É mais “subtil” porque se entrelaça na narrativa que temos da nossa experiência, quase como se se tornasse parte da nossa identidade. Muitas vezes, são traumas provocados pelas dinâmicas relacionais com figuras importantes como pais, companheiros amorosos, familiares ou amigos.
Como se pode expressar o trauma?
Imagine que, na relação com os seus pais, se sentiu em vários momentos da sua vida negligenciada, deixada para segundo plano, não tinha voz, não sentia que era boa o suficiente para ter a atenção e amor das pessoas mais importantes da sua vida. Essa experiência poderá constituir um trauma, trauma esse que a faz hoje experienciar dificuldades na expressão dos seus desejos, talentos, paixões, dificuldades na relação interpessoal, no desempenho profissional.
Noutro exemplo, de um trauma único, é um evento onde percecionou um assalto à mão armada e começa a ter pesadelos com a situação, começa a sentir manifestações de ansiedade, a evitar locais, barulhos, situações que a façam relembrar o evento que experienciou, limitando-se, assim, na sua liberdade, no seu bem-estar.
O trauma expressa-se de formas tão diversas pois essa expressão está diretamente relacionada com as particularidades e subjetividade de cada um de nós. O mesmo evento poderá ser percecionado de forma diferente por pessoas diferentes – uma vê-o como traumático, outra como uma situação que gerou aprendizagem e foi integrada de forma saudável e organizada.
Como perceber se existe um trauma?
Para compreender se um evento foi ou não traumático para nós temos de perceber, além do(s) acontecimento(s) que o ocasionaram, de que forma nos afetou.
São vários os sintomas de trauma psicológico. Por vezes, não existe razão aparente para a queixa apresentada e quando exploramos a história da pessoa que procura apoio psicológico ou um processo psicoterapêutico, percebemos que existe um trauma que se expressa:
- Através do corpo (úlceras, hipertensão, alergias, síndrome do intestino irritável, fibromialgia);
- Sistema emocional (irritabilidade, agressividade, ansiedade);
- Atitudes sociais desadaptativas (baixa motivação, isolamento, apatia, dificuldades nos relacionamentos).
Também é possível que num contexto em que existe trauma possam verificar-se evitamentos de situações que façam recordar o evento traumático, que se observe hipervigilância ou sobressaltado. Pode até mesmo desenvolver um sentimento de desinteresse pelas várias áreas da vida.
É importante não esquecer que um evento deste género poderá impactar a forma como vê o mundo, a si mesma e os outros, e isso pode ser altamente condicionante e até mesmo limitante.
Em consulta apercebo-me da quantidade de pessoas que vivem com episódios traumáticos na sua história e os desvalorizam não compreendendo que algumas das suas vivencias podem ter tido esse potencial traumático.
Tendemos a adaptar-nos e a conviver com esses acontecimentos normalizando-os. Contudo, as manifestações estão lá, apesar de muitas vezes serem impercetíveis a olho nu.
As relações precoces com os cuidadores, experiências relacionais onde fomos traídas na nossa confiança, negligenciadas, podem mesmo marcar-nos de uma forma estrutural. E, não sendo uma sentença, comprometem o nosso percurso.
A psicoterapia, nomeadamente a terapia EMDR, é uma abordagem altamente eficaz para se elaborarem traumas, uma vez que é possível, nesse contexto terapêutico, compreender toda esta dinâmica e começar a desenrolar o novelo.
Apercebo-me que, depois de olhar para dentro com atenção, a maior parte das pessoas consegue reconhecer que existiram situações que as marcaram profundamente, mas que defensivamente, pois é altamente doloroso contactar com situações de vida traumáticas, “arrumaram”, “desculparam” e nem se aperceberam.
Validar essas experiências emocionais e reconhecer a utilidade de todas as defesas construídas em torno do trauma, através de evitamentos, comportamentos desajustados, vícios, etc., é essencial para compreender que existe dor e que esta tem de ser expressa de uma forma mais ajustada, de modo a encontrar um equilíbrio entre a experiência traumática e o presente.
Quando devo procurar ajuda?
Viver com um trauma psicológico pode ser altamente limitante. Mais uma vez, é importante referir que a forma como percecionamos aquilo que nos acontece é um ponto fulcral.
Assim, o ponto de partida para perceber se precisa de ajuda não é necessariamente ter vivido um evento difícil e potencialmente traumático, mas sim perceber a forma como isso a afetou e como compromete no presente a forma como se sente, se relaciona, a sua satisfação com a vida.
Esta nem sempre é uma caminhada fácil. Por vezes, o mau estar existe e não se percebe o motivo original. A disfunção existe, mas nem sequer associamos que podemos estar a gerir os efeitos colaterais de uma vivência traumática.
O acompanhamento por parte do psicólogo poderá ser essencial para desmontar este castelo de cartas que esconde tanto sofrimento, mas que serviu para ir funcionando ao longo do tempo, procurando esquecer o que provocou a dor.
Em ambiente terapêutico, acompanhada, num ambiente seguro, poderá permitir-se compreender e aprofundar o seu entendimento sobre as suas experiências passadas e transformar a forma como responde aos gatilhos que existem hoje, mas nasceram lá atrás, nesses eventos.
Catarina Canelas Martins, psicóloga clínica e terapeuta Emdr, tem desenvolvido o seu trabalho nos últimos anos com famílias, casais e adultos em clínica privada. Apaixona-a tudo o que envolva o bem-estar emocional e psicológico pois acredita que sem essa estabilidade e equilíbrio não é possível vivermos no nosso máximo potencial. Siga-a nas redes sociais Facebook e Instagram.