Crónica. Sobreviverão as relações à pandemia?
Os relacionamentos são organismos dinâmicos que se ajustam e adaptam aos seus elementos e aos contextos. Em tempos de pandemia, também eles necessitam de reajustes que, caso não existam, poderão originar conflitos ou aprofundar feridas anteriores e levar a ruturas.
Mais tempo a dois, no mesmo espaço, sem a individualidade e rotinas habituais, poderá ser um desafio, levando mesmo a relatos de aumento de número de divórcios em países como a China, no pós-pandemia.
É certamente um desafio mantermos uma relação saudável num momento de desequilíbrio.
Quais os grandes desafios?
Os desafios são diversos, e poderão ser sentidos como insuperáveis ou, pelo contrário, como construtivos, dependendo da relação e da perspetiva de cada elemento do casal e da sua identidade.
Existem alguns pilares-chave dos relacionamentos que, num momento de crise, ainda se tornam mais essenciais e estruturantes.
1. Comunicação
A comunicação é referida habitualmente quando falamos das relações e não é por acaso. A capacidade de comunicar de forma consciente, clara, não violenta e disponível, poderá ser ainda mais difícil neste momento.
Visto que as emoções estão ao rubro, poderemos sentir medo ou preocupação, o que nos toldará um pouco a capacidade de transmitirmos a mensagem da forma como pretendemos e com um objetivo de conciliação e desenvolvimento.
2. Objetivo comum
Ter um objetivo ou caminho comum é outro fator protetor e essencial nesta fase.
Sabermos quem somos, a identidade do casal, o que nos caracteriza e para onde queremos ir, é fundamental porque estrutura e dá segurança ao casal e, nesta fase que vivemos, ainda será mais importante para podermos suportar as oscilações emocionais uns dos outros e sentirmos segurança mesmo quando as emoções nos abalam.
A relação deve ser um porto seguro onde nos podemos recolher e confiar.
3. Conciliar a individualidade e o tempo do casal
Aparentemente, esta seria uma altura excelente para o casal se reconectar, olhar a dois para questões que têm adiado, definir novas metas. Contudo, o tempo que existia para a individualidade de cada um e que poderia servir de lufada de ar fresco para a relação, poderá ser mais difícil agora, ainda mais se existirem filhos.
O casal terá de se reorganizar no sentido de poderem agilizar estes tempos (trabalho, individualidade e tempo a dois) e dar-lhes a importância devida, porque sim, é fundamental cada um de nós ter o seu tempo para respirar, recentrar, reconectar.
Poderá ser com meditação, desporto, um banho relaxante ou apenas estar sozinha para fazer aquilo que entender. A “despedida” precisa de existir para existir o reencontro que fortalece.
4. Gestão de expetativas
Gerir as expetativas e empatia são também aspetos a considerar visto que poderemos esperar deste período uma maior disponibilidade do outro, ou uma harmonia na relação que poderá não acontecer.
A empatia e disponibilidade para compreender as suas emoções e aceitar que o outro as poderá expressar de outra forma são, não só necessárias, como vitais.
Outros desafios poderão surgir com a nova logística familiar, tais como questões financeiras ou mesmo tensões reprimidas ou expressas inadequadamente. Nesses momentos, é essencial que contactem com essas dificuldades, mas não se esqueçam que em casal a dança é a dois.
A intimidade faz-se também de vulnerabilidade e esses são momentos poderosos para sentir o pulsar da relação.
Olhar a dois para a relação
As relações onde já se sentiam dificuldades poderão ainda ser mais difíceis de gerir nesta fase, ou este poderá ser o momento onde terão tempo para finalmente olhar a dois. Olhar para a relação que têm construído e que estão a viver, e perceber se é este o caminho, se são necessários reajustes e por onde começar.
Em consultas recentes de casais ou elementos de casais, tenho sentido diversas posturas relativamente a esta fase. Contudo, algo que no geral tenho verificado, é um aprofundar das questões preexistentes ou a redescoberta mútua.
A procura pela terapia de casal tem aumentado no último mês e poderá ajudar a reconhecer padrões, bloqueios, redefinir objetivos e perceber o caminho que o casal quer seguir e como quer viver também este momento de mudança.
Atualmente, estamos em contacto com a possibilidade de escolha, pelo tempo que temos e pelo contacto mais constante. Olhar ou não olhar, sentir ou não sentir, ouvir ou não ouvir. Apesar do medo que possam sentir, a escolha é vossa e irá dar origem ao vosso novo futuro, e eventualmente à vossa nova forma de se relacionarem. Não percam esta oportunidade!
Catarina Canelas Martins, psicóloga Clínica e terapeuta Emdr, tem desenvolvido o seu trabalho nos últimos anos com famílias e adultos na Clínica de Psicologia e Coaching Learn2Be. Apaixona-a tudo o que envolva o bem-estar emocional e psicológico pois acredita que sem essa estabilidade e equilíbrio não é possível vivermos no nosso máximo potencial. Siga-a nas redes sociais Facebook e Instagram.