Sobre a traição. “Pode-se amar alguém e desejar outra pessoa”

Ao que parece, elas e eles são cada vez mais infiéis. A Saber Viver foi tentar perceber porquê.

Por Ago. 18. 2019

Comecemos pelo início: “não existem fundamentos biológicos para a monogamia”. Rui Diogo, doutor em biologia evolutiva e pós-doutorado em antropologia, investigador e professor na Faculdade de Medicina da Universidade de Howard, em Washington, nos Estados Unidos, revelou recentemente – durante uma série de palestras que percorreram várias cidades de Portugal – que “fisiologicamente não há relação entre amor e sexo, pode-se amar alguém e desejar outra pessoa, e isso, pelo menos isso, aplica-se ao homem e à mulher”.

Ambos os géneros nasceram, portanto, com a mesma predisposição natural para trair. E fazem-no cada vez mais.

“Pela minha experiência enquanto terapeuta de casais, os homens e as mulheres estão muito equiparáveis”, confirma Margarida Vieitez, terapeuta de casal especialista em Mediação Familiar e de Conflitos.

“O número de casos de envolvimentos extraconjugais que vai chegando ao meu conhecimento é cada vez maior e na origem da grande maioria, estão relações emocionais afectivamente destruídas“, explica a terapeuta.

Mas o que se entende por traição?

“Não existe um conceito uniformizado”, explica a terapeuta à Saber Viver. “Cada pessoa tem um conceito muito próprio do que significa traição. O que é considerado traição para uma, não o é para outra. Especialmente entre géneros pode igualmente diferir.”

“Se as mulheres se preocupam precocemente com o envolvimento emocional, muitos homens focam-se de imediato em aferir se existe intimidade sexual. O que é facto é que, aquele que é traído sofre um golpe brutal na sua autoestima. É das situações mais difíceis de gerir sob o ponto de vista emocional e psicológico. Aquele que trai enfrenta o dilema de revelar ou não revelar e a respetiva gestão da culpa, embora existam casos em que quem trai não revele qualquer culpa”, acrescenta.

Se as pessoas não conseguem evoluir juntas é normal que procurem outras com quem possam fazê-lo – Andreia

A traição na primeira pessoa

Andreia, uma das mulheres que aceitou partilhar connosco a sua história, traiu pela primeira vez quando tinha 21 anos.

Hoje, com 41, confessa que o comportamento se repetiu ao longo das relações que se seguiram. “Na altura, o meu namorado ausentou-se do País e tivemos de namorar à distância durante um longo período. Era muito jovem e não estava a gerir bem o que sentia. Não agi da melhor forma, mas foi o que fez sentido”, recorda.

“Nas relações seguintes, voltei a trair, por razões diferentes. Ou porque os meus parceiros já me tinham traído primeiro e ‘pagar na mesma moeda’ parecia a resposta mais fácil, ou porque os relacionamentos esgotaram-se naturalmente. Se as pessoas não conseguem evoluir juntas, é normal que procurem outras com quem possam fazê-lo. Isso não é um crime, mas se é a mulher a fazê-lo, é crucificada. A culpa é sempre dos dois, e quem está verdadeiramente feliz não tem necessidade nenhuma de trair”, explica.

Depois de me ter envolvido com outra pessoa, voltei a reatar o meu casamento e ainda tivemos um segundo filho, mas nunca conseguimos dar a volta – Sofia

No caso de Sofia, a traição aconteceu apenas uma vez, mas custou-lhe o casamento. “Casei com 19 anos porque estava grávida. Na altura pareceu-nos o mais correto, mas na verdade, sabíamos muito pouco da vida e muito menos do casamento. Estivemos juntos 10 anos e esforçámo-nos muito para que as coisas resultassem, mas as diferenças entre nós começaram a incomodar e fomos-nos afastando um do outro. É inevitável que a certa altura uma pessoa se pergunte como teria sido a sua vida se não tivesse casado ou se não tivesse tido filhos”, recorda.

Comecei a falar através da Internet com alguns amigos com quem tinha perdido o contato, o interesse surgiu, as coisas intensificaram-se e acabou por acontecer. Depois de me ter envolvido com outra pessoa, voltei a reatar o meu casamento e ainda tivemos um segundo filho, mas nunca conseguimos dar a volta ao que tinha acontecido e acabámos por nos divorciar definitivamente”, remata.

E depois da traição, o que fazer?

Seja para quem trai ou para quem foi traído, se existe vontade de dar uma nova oportunidade à relação, estes são os conselhos recomendados pelos especialistas.

Exija a verdade

Embora seja algo que magoe muito aquele que é traído, a verdade cura mais depressa. Esforce-se por manter uma comunicação aberta, mesmo que seja difícil, e peça detalhes da relação extraconjugal, como por exemplo, que duração o caso teve.

Aquele que é traído tem a necessidade de se sentir seguro novamente e a segurança advém, em parte, da verdade.

Aumente o nível de intimidade

Uma traição reflete, normalmente, falta de intimidade e necessidades não atendidas. Para recuperar verdadeiramente, é necessário tornar-se mais íntimo do parceiro.

Os casais que passam muito tempo juntos e compartilham interesses comuns conseguem superar mais rápido e de uma forma mais cúmplice. Descubra ou redescubra coisas que ambos gostam de fazer e planeie atividades em conjunto.

Admita o erro

No processo de recuperação da relação, quem foi infiel precisa admitir abertamente que cometeu erros. Isso é fundamental no processo de reconstrução da confiança que foi perdida.

Comprometa-se novamente

Superar uma traição é difícil e impossível quando só um dos membros do casal que deseja que isso aconteça. Se a decisão de ambos for a de manter a relação, é importante agir de acordo, comprometendo-se a salvá-la.

Isso inclui dar espaço para que o parceiro traído manifeste a sua dor, raiva e tristeza, mesmo que esse processo leve mais tempo do que o desejável.

Pedir ajuda profissional

A traição pode camuflar necessidades não atendidas e outras feridas do relacionamento mais profundas. Um profissional especializado em relacionamentos pode ajudar a direcionar o caminho que o casal deve tomar sugerindo as melhores estratégias para lidar e ultrapassar os problemas do relacionamento.


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