Cerca de 40% dos amigos podem ‘desaparecer’ num processo de divórcio, um valor elevado que atinge sobretudo as mulheres e as amizades criadas durante a vida de casal, revela um estudo publicado no Journal of Divorce and Remarriage.
Entre aqueles amigos que tomam partido e os que simplesmente não sabem como lidar com a nova realidade, o risco de afastamento é grande.
Alguns investigadores defendem até que o divórcio de um amigo pode ser visto como uma ameaça que leva os casais próximos a questionarem-se sobre a sua relação, aumentando a probabilidade de se separarem.
Seja qual for o cenário, “um divórcio envia ondas de choque a todas as áreas da nossa vida”, comenta Catarina Mexia, terapeuta familiar, é uma “consequência do processo de separação de duas pessoas que construíram em conjunto em muitas áreas, incluindo amizades”.
Numa altura em que o projeto de vida é posto em causa, incluir os amigos comuns na equação pode levar a pagar um preço demasiado elevado por uma situação já por si complexa.
Amizades a manter (ou não)
Um divórcio é um desafio para o casal que se estende ao círculo de amigos comuns. “A separação de amigos é um assunto doloroso, muitas vezes marcado pela forma mais ou menos civilizada como decorre, mas há sempre que contar com lealdades que se estabeleceram, questões de género ou mesmo dificuldades na relação de amizade, que determinarão a continuação ou não dessas amizades após o divórcio”, descreve Catarina Mexia.
Nem todas as amizades conseguem ultrapassar este duro teste. Outras existem que não valerá a pena manter, alerta esta terapeuta familiar: “Deverão ser evitadas as consideradas tóxicas para o próprio e para o processo de separação, ou seja amigos que não só tomam partido como começam a ver o outro como inimigo e a instigar ativamente atitudes que só complicam e acicatam ainda mais emoções negativas em processos já de si emocionalmente violentos.”
Embora considere que, numa situação de divórcio, “estar e conversar com pessoas que gostam de si, lhe querem e fazem bem, é uma das melhores escolhas que pode e deve fazer”, Margarida Vieteiz, mediadora familiar e terapeuta de casal, reconhece que a forma como evoluem estas relações depende do modo como se encara o divórcio: “Como uma ‘guerra sem fim’, em que é preciso ter o maior número de ‘aliados’, ou como uma etapa de aprendizagem, em que os verdadeiros amigos apoiam e estão presentes, sem tomar partido? Se o casal optar pela segunda via, seguramente as relações vão perpetuar-se no tempo”, conclui.
Família do coração
Os laços afetivos e familiares criados ao longo do projeto de vida a dois não desaparecem de um dia para o outro. Manter estas relações, “não só é possível como desejável, especialmente se há filhos. Da mesma forma que o papel de pai e mãe não cessam, também os avós, os tios são relações que se mantêm e devem ser preservadas. Algumas, como os cunhados, resultaram de amizades anteriores ao namoro com o cônjuge”, defende Catarina Mexia.
A terapeuta familiar sublinha: “Ainda que seja difícil evitar que as lealdades familiares se sobreponham e tenhamos presente que desempenhamos diferentes papéis durante a vida, podemos e devemos perceber o momento em que nos encontramos e a importância da pessoa. Qual é o papel mais importante que ela desempenha neste momento especial: meu cunhado ou meu amigo de infância?”.
Foi o que aconteceu a Carla Silva (42 anos) quando, após nove anos de namoro e dois de casamento, pediu o divórcio: as incompatibilidades com o cônjuge ditaram o fim da relação, mas a amizade com João, o seu cunhado, permaneceu intacta.
“Acho que só se podem perder amizades mais recentes, caso contrário, tudo se mantém. Um bom exemplo é o João, irmão do meu ex-marido. Conhecemo-nos muito novos (eu tinha 16 anos e ele 14) e continuamos grandes amigos”, afirma Carla.
João e Carla: amigos para a vida
O divórcio do irmão não pôs em risco a amizade de longa data com Carla, relata João Albuquerque (40 anos): “Naturalmente que fiquei bastante triste. Uma separação, por mais pacífica que seja, é sempre triste e complicada de gerir do ponto de vista emocional. Nunca equacionei a hipótese perder esta amizade. Acompanhei os dois, um como irmão e outro como amigo, desde o início da crise que acabou por ditar o divórcio e nunca houve um corte ou interregno de contacto com a minha cunhada. Tentei sempre individualizar as situações, sem tomar partidos nem influenciar. Mantive o meu registo de sempre com ambos, sem interferir e disponibilizando-me para apoiar os dois.”
Carla recorda que, no início, houve “dias de maior afastamento. A decisão do divórcio foi minha e, apesar de saber que ele estaria sempre ao meu lado, como amiga tinha de compreender que o irmão precisava dele. No entanto, nunca pus a hipótese de a nossa relação sair beliscada por este contratempo da vida. O João era (e é) demasiado importante. Tem um coração gigante, não conheço ninguém igual. Há um provérbio que diz que “a amizade é o amor sem asas” e eu amo este amigo de paixão. Para sempre.”
A amizade saiu fortalecida e, exemplo disso, é “o facto de a minha cunhada/amiga ter refeito a sua vida com outra pessoa, de quem teve uma filha, que é minha afilhada de batismo”, relata João Albuquerque, “estou a falar de alguém que nunca me desiludiu e que sei que vou levar para o resto da vida”.
Por mais precauções que tenha, o mais certo é deparar-se com um amigo que vai tomar partido
Boas práticas
Casos como o de Carla e João demonstram como o diálogo e o respeito no processo de divórcio facilitam as relações.
Para Catarina Mexia, idealmente o casal deveria ter uma conversa “em que ambos fossem capazes de chegar a acordo acerca das amizades que gostariam de manter e das regras com base nas quais desenvolveriam as ‘novas’ formas de relacionamento. Não dizer mal do outro, não comentar de forma depreciativa o passado, evitar triangulações que permitam alianças em caso de situações difíceis e, principalmente no caso de existirem crianças, manterem um canal de comunicação aberto que permita discutir e sanar mal entendidos gerados na relação de amizade dos miúdos, que necessariamente terão visões diferentes dos adultos.”
Informar os amigos mais próximos minimiza o mal-estar que possa surgir. “Quando a conversa presencial não é possível, um email ou uma mensagem, escrita por cada um separadamente ou em conjunto é uma excelente forma de cuidar dos sentimentos dos amigos mais significativos para o casal, que assim têm a oportunidade de conhecer a situação e aproximarem-se ou não de cada elemento. Cortar relações sem uma palavra com pessoas que têm um papel tão central na nossa vida, ainda que enquadrável no momento de sofrimento e de mudanças, no mínimo será uma falta de respeito”, alerta a terapeuta.
Gerir reações
Por mais precauções que tenha, o mais certo é deparar-se com um amigo que vai tomar partido. Apesar de ser um erro, não deixa de ser uma reação natural, explica Catarina Mexia: “Não vale a pena sonhar com uma lealdade eterna num momento em que todos se sentem confusos e vulneráveis.”
Enquanto alguns amigos ou familiares optam por se afastar, outros podem envolver-se na resolução dos problemas, dois extremos a evitar na opinião de Margarida Vieitez: “Por um lado, não tem que cortar os laços. Quem se está a divorciar é o casal. Como amigo, não tem de ‘divorciar-se’ das pessoas com quem tem uma boa relação. Por outro, os amigos não têm de dar palpites. Podem dar a sua opinião, mas apenas quando lhes é pedida e nunca sobre uma decisão de divórcio.”
Por vezes, o apoio dos amigos, devido ao timing ou fragilidade emocional em que a pessoa se encontra, pode ser encarado “não como um ato de um amigo, mas como um ato de inimizade. Ainda, podemos ser dececionados por amigos que nos excluem do seu círculo. Aceitar a perda, refazer amizades, procurar outros interesses, pode ser a resposta. E se a perda for muito dolorosa e prolongada há sempre o recurso a ajuda profissional”, aconselha Catarina Mexia.
O contexto social, o motivo do divórcio e até a idade podem moldar a reação dos amigos. Como exemplifica esta terapeuta, “sempre que existem situações de extrema violência ou desrespeito que justifiquem a separação é natural que os amigos se afastem mais facilmente daquele que não é a vítima. A idade é muitas vezes significado de experiências semelhantes, fragilidades nas relações dos próprios, o que conduz a um afastamento com medo do “contágio” do processo de separação”.
A boa notícia é que, segundo a terapeuta, “o tempo e a qualidade das relações no passado, permitem que após o stresse inicial seja possível uma reaproximação de amizades realmente importantes e significativas.”
Uma reunião de amigos comuns pode ser uma fonte de stresse para um casal recém-divorciado
O que fazer vs. o que não fazer
Se está a divorciar-se…
- Não tente criar alianças;
- Não manipule os amigos;
- Não denigra a imagem do outro;
- Evite isolar-se culpabilizando os amigos pela ausência de suporte;
- Aceite a partilha dos amigos;
- Aceite a eventual perda de algumas amizades;
- Reconheça que, para os amigos, este também é um processo difícil.
Se é amigo do casal…
- Não tome partido;
- Apoie sem sentenciar;
- Escute sem fazer juízos de valor;
- Preocupe-se e cuide;
- Não fomente a discórdia nem os mexericos.
Dias de festa
“Fomos os dois convidados. E agora?”
Uma reunião de amigos comuns pode ser uma fonte de stresse para um casal recém-divorciado. Catarina Mexia, terapeuta familiar, diz como agir:
• Foque-se no essencial “A razão pela qual procuramos estar nesses eventos são os amigos e o conforto e bem-estar que tanto precisamos nesses momentos de separação. Então, procure estar no seu melhor, centre-se no seu objetivo que é desfrutar da amizade daqueles que a/o convidaram.”.
• Proteja-se “Se a presença do seu ex for difícil, procure levar consigo ou estar junto de um grupo/amigo que lhe ofereça o ‘escudo’ emocional suficiente para se sentir integrada e lembre-se que os seus amigos estão lá para si e contam consigo.”
• Evite exageros “Não assuma o papel de ‘vítima’, mas também não vista o de festivaleiro(a). Procure adequar o seu comportamento e emoções ao momento, lembrando-se sempre que a palavra-chave é ‘amigos’ e isso significa focarmo-nos nos interesses comuns.”