Duelo de pais separados. Sim ou não à residência alternada dos filhos?
Há quem lhe chame custódia partilhada obrigatória e quem defenda que é a solução jurídica que melhor defende o relacionamento saudável entre criança e progenitores separados. Fomos ouvir duas mães com experiências e opiniões muito diferentes sobre a Presunção Jurídica de Residência Alternada.
Chama-se Presunção Jurídica de Residência Alternada e está a ser discutida em Portugal desde outubro de 2017. Foi nessa altura que a Associação Portuguesa para a Igualdade Parental e Direitos dos Filhos (APIPDF) começou a reunir assinaturas numa petição pela figura legal que torne sistemática a entrega do poder paternal a pai e mãe, por tempos equitativos, em caso de divórcio.
Em junho, a petição deu entrada na Assembleia da República e, a pedido da APIPDF, foi elaborado um parecer pelo Conselho Superior de Magistratura, tornado público no início de novembro, favorável à introdução da residência alternada na lei portuguesa. Lê-se no documento que “salvo motivos ponderosos, a residência dos filhos de pais separados deve ser com ambos os progenitores, de forma alternada e com possível adequação ao caso concreto.”
Também o Conselho da Europa defende esta figura legal da residência alternada. Desde 2015, recomenda aos Estados Membros que assumam o princípio da residência alternada dos filhos de pais separados, isto é, que façam dela norma.
França, Bélgica, Holanda e Suécia já legislaram nesse sentido. Todos os outros 24 Estados Membros não o fizeram. Do legislador português não houve, desde essa recomendação europeia, notícia da intenção de consagrar uma distribuição igualitária dos tempos passados com os progenitores. E só a petição da APIPDF, que chegou às 10 mil assinaturas, veio pressionar a Assembleia da República nesse sentido.
Ricardo Sinões, o primeiro peticionante da petição e presidente da direção da APIPDF, afirmava ao Diário de Notícias, em junho de 2018, que “a lei portuguesa é neutral, e não exclui a residência alternada”. Mas acrescentava também querer alterar as sentenças de aquilo a que chamava de “uma corrente dominante” de juízes que prefere o sistema de residência única em casa da mãe e visitas quinzenais do pai.
Ao mesmo jornal dizia ainda “mudarmos a lei vai passar a mensagem de que ambos os pais são importantes na vida da criança. Também vai contribuir para que os homens assumam mais tarefas domésticas e aqui contribui também para a igualdade de género. Vai passar mensagem àqueles que estão juntos, e não só aos que estão separados.”
Ana Santos, 37 anos, é professora numa escola secundária no Concelho de Sintra e é defensora acérrima da guarda partilhada como sistema prioritário na regulação do poder paternal. “Tenho três filhos, um do meu primeiro casamento, outro do primeiro casamento do meu marido, e a terceira em comum,” diz.
As crianças vivem em regime de residência alternada: “estipulámos a mesma semana para termos todos os miúdos connosco, para que eles criem laços de irmãos, e na seguinte vão dois para casa dos respetivos pais, só a mais nova é que mora sempre na mesma casa.” A rotatividade entre morada da mãe e morada do pai foi a melhor forma para que “os miúdos tenham a possibilidade de sentir o mesmo afeto por todos, pela nossa família nuclear e pela dos outros pais.”
Apesar do discurso harmonioso de hoje, Ana Santos remete-se ao passado da sua família para preferir uma lei que imponha uma partilha obrigatória de responsabilidades e direitos sobre a criança em caso de divórcio dos pais. “Passámos muito no caso do Pedrinho,” o filho do marido, “e chegámos a pensar requerer a custódia exclusiva. A mãe dele fazía-nos a vida negra e ele sabia que era utilizado pela mãe como arma de arremesso…”
Ana conta que as visitas eram estipuladas apenas pela mãe, que detinha a custódia, e que utilizou as mesmas para exigir ao pai uma pensão de alimentos superior, enquanto renegociavam a custódia do menor. “No período mais crítico do processo do poder paternal, ela chegou a ameaçar o meu marido que o ia denunciar por abuso sexual dela e do filho. Quando o meu marido desligou o telefone estava para morrer. Sabia que se esta acusação chegasse a tribunal nunca mais via o filho.”
Para Ana Santos e o marido valeu a intervenção dos advogados. “Hoje sabemos que foi a advogada dela que lhe disse para não ir por esse caminho que só ía fazer mal ao filho. Felizmente, havia alguém decente e com bom-senso.” É por esta história pessoal que Ana defende a presunção legal de guarda partilhada. Sabe que o marido foi manipulado e que a presunção “ía permitir que, em casos de acusações tão graves, as crianças continuassem a ver os pais enquanto o processo decorria.”
E quando as acusações se revelam verdadeiras, noutra famílias? “Pois, percebo o perigo,”responde Ana, “mas acho uma anormalidade que os filhos sejam afastados dos pais com base em denúncias falsas.”
Imediatamente a seguir à apresentação da petição APIPDF , a plataforma Capazes redigiu uma carta aberta aos grupos parlamentares rapidamente assinada por colectivos defensores dos direitos das mulheres e por personalidades portuguesas. O texto defende a manutenção da lei tal como está: “A nossa posição é de que a lei portuguesa não necessita de alterações neste ponto concreto, dado que já permite o modelo da residência alternada, se assim for pretendido pela família.”
Além disso, a carta levanta o véu sobre o problema que a presunção jurídica da guarda partilhada pode colocar: sendo o regime preferencial, corre-se o risco de enviar crianças para casa de progenitores agressores antes dos processos de abuso sexual ou de violência física e/ou doméstica estarem concluídos.
A descordenação entre os processos que correm nos tribunais de família e os processos crime por agressão reiterada, violência doméstica ou sexual e a disparidade dos tempos médios de julgamento do poder parental e dos crimes citados são argumentos dos coletivos e das vozes individuais que se manifestam contra a presunção jurídica da residência alternada.
Mas mesmo nos casos em que não se verificam atos violentos, os detratores da petição afirmam que a maioria das famílias consegue chegar a um acordo sobre o poder parental, recaindo normalmente sobre a mãe, pelo que essa presunção é obsoleta.
Clara Sottomayor, Juíza Conselheira do Supremo Tribunal, defende no livro Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais nos Casos de Divórcio (Bertrand, 2014) que “a atribuição da guarda à pessoa de referência, que cuidou das crianças desde o nascimento” deve ser a regra.
Se o texto da petição da APIPDF defende que a família tradicional está em mudança e que os homens assumem cada vez mais responsabilidades de cuidado dos filhos, os dados estatísticos ainda denunciam uma realidade distinta: as mulheres portuguesas trabalham, em média, mais duas horas por dia em tarefas não remuneradas do que os homens, ou seja, no cuidado da casa e dos filhos, de acordo com o Inquérito Nacional aos Usos do Tempo de Homens e de Mulheres (2006).
Sílvia Alves, 45 anos, dona de um salão de estética, separou-se do pai da filha há dez anos e refere que era justamente a divisão do cuidado da criança, com 5 anos na altura, que tornaria impossível qualquer acordo de guarda partilhada entre ambos.
A figura legal nem sequer foi ponderada e, de comum acordo, decidiram que a menina ficaria à guarda da mãe tendo o pai livre acesso à filha. A custódia assim estipulada entre ambos foi homologada pelo Tribunal de Família de Castelo Branco. “Pensei que seria mais simples se nos fossemos organizando à medida das necessidades de cada um.”
Só que, relata Sílvia, o regime de visitas livre passou rapidamente a ser “a organização da vida da miúda de acordo com as disponibilidades do pai,” e concretiza: “nos fins-de-semana que tínhamos combinado ele ficar com a filha, avisava à última da hora que não vinha. Quando a levava, eu tinha de fazer almoços e jantares para os dois, e mandar em caixas, ou então a minha filha não comia nada de jeito. E chegou a deixá-la em casa da mãe dele um fim-de-semana… só lá foi levá-la e buscá-la.”
Sílvia conta também que por regime de visitas livre o ex-marido entendia “aparecer em minha casa quando lhe apetecesse,” sem avisar. A pretexto de passar mais tempo com a filha tocava à campainha à noite, desregulava os sonos à criança, “transtornava-nos rotinas e tentava meter-se na minha vida”.
Foi nessa altura que Sílvia voltou ao tribunal para pedir um regime de visitas estipuladas. “A advogada dele ainda me acusou que eu queria um aumento da pensão de alimentos. Como ele nunca a tinha pago e resolvi negociar com isso, mas ao contrário: eu prescindia desse valor para ajudar a criar a nossa filha e ele passava a só aparecer conforme fosse estipulado pelo tribunal. O meu advogado ainda achou que eu fazia mal, mas foi a melhor coisa que fiz. Não devo nada a ninguém.”
Hoje a filha de Sílvia tem 15 anos e uma relação saudável com ambos os progenitores. A mãe não se arrepende de nada. “Entre a minha experiência e as histórias que oiço no salão, que não são de há 10 anos, são de agora, acho uma vergonha que queiram dar direitos iguais a mães e pais, numa situação de divórcio. A maioria dos homens ainda não sabe cuidar dos filhos, nem quer. Nem quando estão casados com as mães das crianças querem saber! A guarda partilhada obrigatória é um disparate e há-de haver muita criança que passa a ser negligenciada sem necessidade nenhuma. A minha, quando quis, passou a ver o pai com mais frequência. Agora, que é quase adulta, pode combinar o que quiser com o pai. Mas a educação e o cuidado fui eu que o dei. Se fosse o pai, não sei o que seria.”
A presunção de guarda partilhada em caso de divórcio ainda vai fazer correr muita tinta. Também a Ordem dos Advogados foi convocada para se pronunciar sobre a matéria pela APIPDF e o parecer deverá sair em breve. Caberá à Assembleia da República rever a lei, o que acontecerá provavelmente em 2019.
Nota: os nomes das mulheres que nos deram estes testemunhos foram alterados para preservação da identidade dos filhos.
Qual a sua opinião sobre o tema da residência alternada dos filhos de pais separados? Leia ainda os testemunhos de duas mães com opiniões distintas sobre educar os filhos com ou sem acesso a aparelhos eletrónicos.