Quem não gosta, quando se apaixona, de receber atenção, mimos, presentes e juras de amor eterno, dia a dia, hora a hora e até minuto a minuto? Tudo isto faz parte do encantamento inicial. Porém, o perigo surge quando o excesso de ‘romantismo’ é levado ao extremo por um dos elementos do casal e conduz o outro ao sufoco.
É aqui que entra o conceito de love bombing, um termo que foi usado pela primeira vez pela psicóloga e investigadora Margaret Singer, em 1996, na obra Cults in Our Midst (em tradução livre Cultos no Nosso Meio).
A investigadora usou esta terminologia para se referir à relação de ‘poder’ exercida pelos líderes religiosos sobre as pessoas que tentavam converter, através de uma estratégia de manipulação.
O termo foi, depois, evoluindo para outras áreas e começou a ser aplicado aos relacionamentos amorosos.
Excesso de atenção
O cenário é mais ou menos este: imagine que conhece alguém nas redes sociais, ou através de amigos em comum, num bar, num concerto ou até no trabalho e que marcam um primeiro encontro.
Ao segundo, já trocam mensagens e, ao terceiro, a pessoa que acabou de conhecer já está a enviar mensagens de hora a hora, a querer saber onde está, com quem está.
Num caso de love bombing, o bomber – aquele que bombardeia o outro – afirma, em pouco tempo, estar apaixonado, que já não pode viver sem a outra pessoa, que sente que são almas gémeas e pressiona no sentido de um compromisso.
Envia presentes caros e flores constantemente, para casa ou para o trabalho, com o intuito de conquistar a sua confiança e faz declarações públicas de amor, geralmente nas redes sociais.
Começa, aos poucos, a exigir resposta imediata às mensagens, tornando-se avassalador, quase um bully, e deseja ter atenção exclusiva, afastando, em poucos meses, os amigos e familiares da outra pessoa. E é aqui que a bandeira vermelha (red flags) começa a ser içada.
Sinal de alerta
Estaremos então perante uma pessoa demasiado apaixonada ou um manipulador, com um comportamento patológico, narcisista e obsessivo? De facto, os especialistas avisam: se se sentir desconfortável, então o perigo pode estar à espreita.
Ainda que nem todo o comportamento de love bombing seja sinal de transtorno narcisista, em geral encobre uma personalidade frágil de alguém que necessita estar em controlo e que geralmente procura um parceiro com baixa autoestima que possa manusear.
Este conceito não se refere a meros gestos românticos, habituais entre casais apaixonados, mas à tentativa de influenciar e manipular a outra pessoa com excesso de atenção e afeto. É um combinar de gestos, palavras e ações potenciadas sobretudo pelas atuais tecnologias.
As primeiras red flags
Não é fácil perceber logo que se está num relacionamento com um(a) love bomber, mas fique atenta caso…
1. Seja constantemente posta num pedestal;
2. Seja bombardeada com chamadas telefónicas e mensagens constantemente;
3. O(a) parceiro(a) queira sempre saber onde e com quem está e exija uma resposta imediata;
4. A outra pessoa fique chateada quando tenta impor limites;
5. Receba presentes caros e planos de viagens com muita frequência;
6. Sinta pressão para compromisso ou fazer planos futuros;
7. O outro use termos como: almas gémeas, a(o) melhor do mundo, perfeita(o), etc.;
8. A outra pessoa rebaixe pessoas de relacionamentos anteriores, fazendo comparações;
9. O(a) parceiro(a) comece a afastar os seus amigos e familiares;
10. Se sinta obrigada a retribuir o enorme afeto que recebe;
11. A outra pessoa comece a desvalorizá-la, com palavras depreciativas.
Fonte: adaptado de artigos e livros de Alex Miles, Dale Archer, Kelly McNelis e Geraldine Piorkwoski.
Manipulação total
O conceituado psiquiatra americano Dale Archer escreve no site Psychology Today que isto acontece agora com maior frequência porque as pessoas necessitam cada vez mais de atenção.
O mesmo especialista refere que um verdadeiro bomber manipulador não se dá logo a conhecer, entra com cautela, vai dando sinais, mas mascara-se de bom ouvinte, de melhor amigo, cria dependência e aos poucos vai introduzindo a ideia de que “somos almas gémeas, vamos ter um futuro brilhante juntos e nada nos vai separar”.
Este tipo de personalidade não pede opinião, leva a sua vítima a pensar que é indispensável e fica zangado quando o outro não faz o que quer.
A pessoa que recebe toda esta atenção começa a sentir-se inferior, em dívida e sente que deve retribuir. Começa, assim, a ser manipulada e, como já foi seduzida, não consegue, muitas vezes libertar-se da relação.
Fenómeno potenciado pelas redes sociais
Diana Gaspar, psicóloga e certificada em coaching e Programação Neurolinguística, autora do livro Atrai Pessoas Fantásticas para a Tua Vida (Manuscrito), refere que é difícil perceber o que é realmente patologia e o que é normativo nas relações.
Questiona-se se este tipo de situações será mesmo patológico ou começa a ser o resultado da sociedade atual, que vive em função das tecnologias e da Internet. Refere que estamos todos mais vulneráveis, com maior necessidade de afetos, e que este é também um dos efeitos da pandemia.
“Pessoas mais carentes ficam mais vulneráveis e mais dependentes da comunicação online. As expressões de afetividade são diferentes neste canal, têm maior probabilidade de ser empoladas”, explica.
Os próprios relacionamentos estão hoje alterados pois há uma constante partilha de localização, de troca de informação, que torna mais difícil identificar os limites.
Quem tem tendência para controlar o outro encontra nas tecnologias um terreno muito fértil para o fazer. “O grande desafio é encontrar os limites dentro da relação, pois esta requer oxigénio para sobreviver”, explica.
Normalizar o anormal
Sobre o love bombing, Diana Gaspar refere que é preciso saber quando o controlo é excessivo, quando há desconforto na relação e quando se devem estabelecer limites, não aceitando a manipulação.
“Hoje assumimos como normais certas formas de controlo e manipulação. Se os filhos são educados a partilhar, de hora a hora, com os pais a sua localização, vão achar isso normal numa relação amorosa. A forma como estamos a educar os nossos adolescentes também está a fornecer sementes para este tipo de comportamento”, alerta.
Cada vez mais os jovens sentem carências que os levam a sentir medo da perda, do abandono, da solidão, aumentando a dependência nas relações.
“Olhamos mais para o ecrã do telemóvel do que para o rosto do outro. As relações estão virtualizadas, à distância de um clique. É assim mais fácil controlar o outro, garantir que se encanta por mim e que fica comigo”, diz.