A maioria dos progenitores quer que os filhos se tornem boas pessoas, ou seja, que tratem os outros com respeito e dignidade”. Quem o diz é Melinda Wenner Moyer, premiada jornalista científica. O problema é, nas palavras da mesma, que “os exemplos que rodeiam os mais pequenos nem sempre são os melhores. Não sei como é em Portugal, mas, nos Estados Unidos da América, temos muitos maus exemplos, muitos deles vindos da política, e eu não quero que os meus filhos aprendam com eles”.
Foram estas duas premissas que a fizeram escrever o livro Como Educar Filhos Para Não Serem Idiotas (Ideias de Ler). O objetivo é ajudar os outros pais, partindo de evidências científicas.
“Apesar de haver formas de lidar com as situações mais construtivas do que outras, não há só uma maneira de o fazer, e os pais devem acreditar nos seus julgamentos e instintos. Errar também é normal. Não há pais perfeitos”, diz-nos em conversa telefónica, durante a qual frisa diversas vezes que o diálogo é sempre a melhor via, mesmo quando os pais não sabem a resposta.
“Quando isso acontece, o que faço é ser sincera e dizer que preciso de um momento para me informar, o que não prejudica em nada os nossos filhos. Pelo contrário, mostra que não sabemos tudo e isso também é positivo”, explica.
Bons e assertivos
“Antes, achava que tinha de fazer com que os meus filhos fossem felizes e tivessem sucesso. Hoje, quando os vejo a crescer neste mundo maldoso e cruel, só quero ter a certeza de que os educo para serem bondosos e simpáticos e que não sejam racistas, sexistas, violentos, mentirosos nem malcriados”, afirma Melinda Wenner Moyer.
Atenção, isto não significa que serão menos felizes ou malsucedidos.
Estudos citados no livro já mencionado mostram que as pessoas (incluindo as crianças) que são mais amáveis e generosas para os outros sentem-se mais felizes e que “a generosidade e a prestimosidade são traços que distinguem, frequentemente, os extremamente bem-sucedidos dos meramente medianos”.
Uma outra noção errada, refere a nossa entrevistada, é que, se educarmos os nossos filhos para serem bondosos, eles não serão assertivos ou não irão lutar por si próprios.
“Se educarmos crianças para serem boas, saberão defender-se a si próprios e aos outros; uma coisa não tem de sacrificar a outra. Perante injustiças, vão levantar a voz se assim tiver de ser. Se respeitarmos os outros, também nos respeitamos a nós próprios”, garante a jornalista.
Os filhos aprendem muito conversando com os pais e observando o seu comportamento
Educar em 4 passos
Estratégias para os pais estimularem a generosidade, a honestidade e o respeito.
1. Fale sobre e valide sentimentos. Os seus, os de outras pessoas e os dos seus filhos. Una as ações dos seus filhos aos efeitos que podem ter sobre as outras pessoas;
2. Deixe que os seus filhos ajudem em casa e encoraje-os a doar tempo e recursos para causas com significado;
3. Explicite as expectativas que tem para o comportamento dos seus filhos. Debata-as em família, crie as regras da casa;
4. Seja também um modelo de bondade.
Fonte: Como Educar Os Seus Filhos Para Não Serem Idiotas, Melinda Wenner Moyer, Ideias de Ler
O papel dos pais
É verdade que não são só os pais que “moldam” o comportamento das crianças. Os pares, os professores, a genética e as experiências pelas quais passam também têm uma palavra a dizer.
No entanto, Melinda Wenner Moyer não tem dúvidas de que os pais têm um grande impacto no comportamento dos filhos e foi isso mesmo que a ciência lhe mostrou.
“Eles aprendem muito com as conversas que temos com eles e observando o nosso comportamento”, realça. À medida que crescem, sobretudo na adolescência, os amigos podem fazer uma grande diferença no seu comportamento.
“Mas aí os pais também desempenham um papel preponderante. Devem falar sobre amizade, sobre o que é ser bom amigo, falando das suas próprias amizades. Isto ajuda não só a perceberem o que devem esperar de um bom amigo, mas também a sê-lo para os outros“, explica a nossa entrevistada.
Um papão chamado Internet
Se há tema que preocupa os pais é a exposição à Internet e às redes sociais, até porque por lá prolifera um discurso de ódio preocupante.
“Os pais andam um pouco nervosos com essa questão, mas o ponto de partida é perceber como é que os jovens as usam, porque também têm aspetos positivos”, partilha connosco Melinda Wenner Moyer.
“Um inquérito realizado nos Estados Unidos da América concluiu que, quando os jovens usam a Internet para partilhar algo sobre eles e para estarem em contacto com os amigos, sente-me mais perto destes e mais felizes. No entanto, quando as usam para ver o que os outros estão a fazer, sentem-se tristes e deprimidos“, acrescenta.
Aos pais, a jornalista científica diz que não vale a pena proibir ou restringir, até porque, se não a usarem em casa, usá-la-ão noutros locais.
“As pesquisas mostram que se a proibirmos, estamos a impedir os nossos filhos de desenvolverem capacidades das quais precisam. Temos, sim, de falar sobre tecnologia e privacidade, fazer uma espécie de mentoria. Ao mesmo tempo, temos de aprender com eles e com as aplicações e jogos que costumam usar”, afirma.
A nossa entrevistada refere que até aos 13 anos não devem ter acesso a redes sociais.
Quando a questionámos sobre o fascínio que os mais novos têm por youtubers e influencers, Melinda Wenner Moyer diz que “adoraria ter uma resposta para essa pergunta”.
Todavia, acredita que a pandemia tenha contribuído para aumentar esse deslumbramento, “visto que as crianças e jovens se viram impedidas de interagir com os seus pares, foi como desenvolvessem conexões com essas pessoas; apesar de ser um conhecimento unilateral”, explica.
3 temas incontornáveis na educação
Quando falamos de educar para a bondade, generosidade e respeito, há temas incontornáveis, caso do racismo, desigualdade de género e bullying.
1. Racismo, é preciso falar
“Nos Estados Unidos da América, os pais caucasianos não gostam muito de falar sobre racismo. Na maior parte dos casos, acham que, se evitarem o tema, os filhos não saberão o que é o racismo. Mas não poderiam estar mais errados”, explica.
“A ciência comprova que, desde a mais tenra idade, as crianças se apercebem das diferenças raciais e, se não falarmos disso, irão desenvolver preconceitos“, esclarece Melinda Wenner Moyer.
“As crianças apercebem-se, por exemplo, de que as pessoas brancas tendem a ter mais poder e isso pode levar a pensarem que isso acontece por serem melhores e mais inteligentes. É urgente interromper esses pensamentos“, exemplifica.
A solução passa por os pais dizerem que “as diferenças entre raças não advêm de uma diferença verdadeira ou debilidade, mas sim do racismo. Devem tentar criar oportunidades para falar do tema; pode ser a partir de livros, e não se escuse de responder às questões dos mais pequenos”, ensina a nossa entrevistada.
Se, perante uma pessoa de outra cor, os seus filhos fizerem um comentário a realçar o tom de pele, não reaja com um “não deves dizer isso”, mas sim com algo do género “sim, as pessoas têm cores de pele diferentes e isso é maravilhoso”, adiciona.
2. Desigualdade de género
Outro tema complexo é a desigualdade de género. “Mais uma vez, os mais pequenos apercebem-se que, apesar de estar a mudar, são os homens que ocupam maioritariamente os cargos de poder. Isso pode levá-los a pensar que o sexo masculino é mais inteligente do que o feminino, e cabe-nos a nós mostrar que não é assim”, esclarece a jornalista científica.
Neste campo, Melinda Wenner Moyer realça ainda que o facto de “vivermos numa sociedade que enfatiza o género – temos diferentes casas de banho, brinquedos e roupa para meninos e para meninas, as equipas desportivas estão divididas por sexo e, às vezes, até os professores dividem as turmas por grupos de meninos e de meninas – faz com que os mais novos concluam que meninos e meninas são tão diferentes que o mundo divide a sociedade dessa forma“.
Portanto, essa divisão faz crescer os preconceitos. “Novamente, é preciso conversar sobre o tema”, alerta.
“As famílias não podem continuar a enfatizar essa desigualdade. Não devem promover estereótipos sexistas, tais como as meninas podem ir ao ballet e os meninos não. É importante que meninos e meninas brinquem entre eles, só assim podem perceber que ambos não são tão diferentes como a sociedade pretende dar a entender”, ensina.
Muitas vezes os bullies nem se apercebem de que o que estão a fazer é prejudicial e doloroso
3. Parar o bullying
Outro tópico na ordem do dia é o bullying, e a jornalista sustenta que há muitas ideias erradas sobre o mesmo.
“Os pais acham que os seus filhos podem ser vítimas e não bullies. Pensamos que estes são sempre pessoas más e que sabem o que estão a fazer. Mas o que percebi nas investigações é que muitas crianças que são bullies são negligenciadas pelas famílias e querem mostrar-se poderosas entre os seu pares”, explica
“Outros fazem-no porque são empurrados pelos amigos. Além disso, qualquer criança pode ser um ou outro e muitas nem se apercebem de que o que estão a fazer é algo prejudicial e doloroso”, refere Melinda Wenner Moyer.
Diálogo é mais uma vez fundamental.
“Temos de falar com eles de forma a perceberem que as suas escolhas podem afetar negativamente os outros e que devem pensar sempre nas consequências dos seus atos. Já, quando as crianças são vítimas de bullying em contexto escolar, é fundamental envolver as escolas na solução para arranjar um plano seguro para a criança não ter medo de ir para as aulas”, remata a jornalista.
Como moldar o comportamento
• Quando os pais têm um estilo de parentalidade autoritativo (são calorosos e recetivos, mas também definem limites claro), os filhos prosperam;
• Em primeiro lugar, responda com disciplina positiva aos maus comportamentos dos seus filhos, ou seja, reconheça os sentimentos, procure informação e explique como os seus atos afetam os outros;
• Se os seus filhos continuam a portar-se mal recorra a táticas de disciplina leves, como os tempos de pausa, mas assegure-se de que está a utilizá-los corretamente;
• Aprenda a identificar os seus próprios gatilhos. Quando estiver quase a explodir, faça outra coisa.