Relações e família

"Esta relação esgota-me!" Sintomas do burnout relacional

Momentos bons e mais desafiantes fazem parte de qualquer relação de casal. Contudo, são cada vez mais os casais que relatam sentirem-se absolutamente esgotados emocional, física e mentalmente no contexto da sua relação. Será que uma relação amorosa tem a capacidade de nos conduzir a um esgotamento?

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© pexels
Sílvia Coutinho, psicóloga
Escrito por
Abr. 17, 2025

Estamos mais comummente habituados a ouvir falar de burnout no contexto profissional. O burnout refere-se a sentimentos de exaustão mental, física e emocional, conduzindo a sentimentos de desligamento, desesperança, tristeza, stresse, sensação reduzida de realização e concretização.

Advém frequentemente como resultado do envolvimento excessivo ou intenso em responsabilidades que se revelam emocionalmente exigentes, com relações profissionais com a chefia ou mesmo colegas de fraca qualidade, baixa autonomia profissional, ausência de suporte, elevada intensidade de stresse e exigências, liderança questionável ou salário desajustado face às enormes responsabilidades.

Contudo, o mesmo sentimento de exaustão que sentimos após um longo e stressante dia de trabalho, ou seja, diante das nossas relações profissionais, poderemos sentir de forma equivalente noutras relações que fazem parte da nossa vida: na parentalidade com os filhos e igualmente na nossa relação amorosa.

Torna-se ainda mais desafiante quando percebemos que os diferentes tipos de burnout poderão assumir um importante impacto entre si. Ou seja, a experiência de burnout poderá assumir um efeito de contágio, influenciando áreas distintas da nossa vida. Quando experienciamos um momento de grande stresse, por exemplo, relacional, este poderá impactar igualmente a nossa vida profissional.

As diferentes áreas da nossa vida não se mantém isentas como se não existisse uma interdependência entre as diferentes partes de nós enquanto pessoas.

Por outro lado, quando um dos elementos experiencia sensação de esgotamento diante da área profissional, é muito frequente o nível de stresse afetar igualmente a sua pessoa parceira. O burnout parece não ser um problema unidimensional, podendo contagiar diferentes aspetos da nossa vida. Na verdade, começamos a compreender mais do que nunca que a qualidade das nossas relações (profissionais, parental, de casal) influencia a qualidade da nossa vida (o nosso nível de bem-estar, a nossa satisfação com a vida de um modo geral, a nossa saúde mental e física).

O burnout do casal

O início de uma relação é usualmente marcado por momentos de enorme paixão e entusiasmo. Queremos estar sempre com a outra pessoa, sentimo-nos mais vivos e felizes do que nunca! Sonhamos acordados e vamos construindo, passo a passo, a equipa que procuramos ser ao longo do tempo.

Contudo, à medida que os relacionamentos progridem e vão-se tornando mais confortáveis e estáveis, os sentimentos de entusiasmo, adrenalina e gosto perante a equipa que são poderão diminuir ou mesmo desaparecer em muitos casos.

Ao longo do ciclo de vida do casal são muitos os momentos de crise que os elementos poderão experienciar.

Momentos de crise

A família (na perspetiva sistémica, como um sistema vivo em evolução contínua) em que os dois elementos do casal se tornam vai experienciando um desenvolvimento progressivo e complexo, mediante um conjunto de transformações (ou crises) que vão acontecendo ao longo de algumas etapas específicas:

  • casal/família sem filhos (estabelecimento de uma relação conjugal que se deseja mutuamente satisfatória);
  • casal/família com recém-nascido (o casal procura ajustar-se às exigências de desenvolvimento de uma criança que depende de si);
  • casal/família com crianças em idade pré-escolar (o casal procura adaptar-se às necessidades e interesses da criança, no sentido da sua estimulação e promoção desenvolvimento);
  • casal/família com crianças em idade escolar (o casal assume as responsabilidades com a criança em meio escolar ou o relacionamento com outras famílias);
  • casal/família com filhos adolescentes (o casal procura facilitar o equilíbrio entre a liberdade e responsabilidade, a partilha desta tarefa de forma alargada com a comunidade, estabelecimento de interesses pós-parentais);
  • casal/família com filhos jovens adultos (o casal permite a separação e o lançamento dos seus filhos para o mundo exterior, com rituais e assistência adequada; manutenção de uma base de suporte familiar);
  • casal/família na meia-idade (casal confronta-se com o ninho vazio; reconstrução da relação de casal, com redefinição das relações com as gerações mais velhas e mais novas);
  • casal/família em envelhecimento (casal confronta-se com a sua reforma, necessitando de aprender a lidar com as perdas e lutos, a viver sozinho, a lidar com o vazio e as ausências).

Além destas etapas que correspondem sempre a crises que o casal deverá aprender a superar, a melhor lidar, para ir reconstruindo no dia a dia o seu bem-estar, e em cada etapa a sua conexão emocional, o casal poderá ser confrontado com muitas outras situações e eventos que geram em si elevado stresse e cansaço.

O cansaço e exigência do dia a dia profissional, o processo exigente de educação dos filhos, a sobrecarga tantas vezes referida, nomeadamente por mulheres (o trabalho, a casa, a educação dos filhos, as tarefas e responsabilidades do dia a dia, para colocar uma casa e uma família a funcionar), e o absoluto sentimento de desamparo, solidão e ausência de suporte emocional na gestão de todos estes pesos são alguns exemplos.

Neste sentido, uma das principais causas do esgotamento do relacionamento consiste na desvalorização ou ausência de suporte emocional e físico por parte do parceiro intimo, assim como o stresse crónico. Ou seja, uma sensação consistente de se sentir pressionada e sobrecarregada por um longo período de tempo.

O stresse crónico (que advém do desamparo na relação ou mesmo de fatores externos contínuos) poderá assumir um profundo impacto na nossa saúde mental e física, mas também em como nos sentimos connosco próprias, com a nossa pessoa parceira e com a relação como um todo.

O burnout relacional é causado por uma combinação de:

  1. Um acumular de deceções quando a realidade não corresponde às nossas elevadas expectativas de amor;
  2. Ao stresse diário da vida quotidiana.

Casais cansados de andar na rodinha do ratinho e não sentirem uma mão entre si que ajuda, apoia, colabora; dois braços que abracem e se estendem como resposta a tão pesados desafios. Muitas vezes uma comunicação que pende para a crítica, para o sarcasmo, para o ataque e o contra-ataque, para a defensividade, para o silêncio cortante, que engole e aniquila o parceiro. Todos estes fatores contribuem, um a um, para as principais causas do burnout relacional dos casais.

Sintomas do burnout relacional

Alguns dos sintomas de burnout relacional dos casais, consistem em:

  • Cansaço;
  • Deceção com a pessoa parceira ou parceiro íntimo;
  • Sentir-se sem esperança;
  • Sentir-se encurralado, desamparado ou deprimido;
  • Sentir-se fraco ou doentio;
  • Sentir-se inseguro ou como um fracasso;
  • Dificuldades para dormir;
  • Sentimentos de querer desistir;
  • Distanciamento da pessoa parceira na relação/sentir-se desligada do outro.

Ao sentir alguns destes sintomas diante da relação, poderá ser importante comunicar com a pessoa parceira, partilhando os seus sentimentos e necessidades. Convidar o outro a escutar emoções difíceis e como a nossa pessoa parceira poderá ser uma importante fonte de ajuda, colaboração e amparo, é deveras essencial. Contudo, nem sempre eficaz!

Muitas vezes, os casais encontram-se neste lugar durante inúmeros anos, conduzindo a um labirinto de mágoa e ressentimento e, por consequência, à manutenção de posições rígidas diante de argumentos, tarefas, responsabilidades, numa permanente ausência de amparo e suporte. Ouvidos que deixam de escutar e dois corações que batem num total descompasso perante a vida conjugal. Uma equipa que muitas vezes deixa de existir, apenas convivendo paralelamente, lado a lado.

Porém, nada disto representa que o amor terminou ou que um elemento ou ambos desejem terminar a relação, mas sim no quanto a pessoa se sente emocionalmente exausta ou com falta de entusiasmo na mesma, cansada de debater os mesmos assuntos, as mesmas discussões, os mesmos argumentos, sem fim à vista ou, pelo menos, não resultando numa mudança construtiva perante os problemas que residem na relação.

Quando o nosso padrão de vinculação contribui para o burnout relacional

Por vezes, também a nossa personalidade, os nossos valores ou mesmo o nosso padrão de vinculação poderão contribuir significativamente para a sensação de exaustão relacional, nomeadamente quando resulta em formas de comunicação do casal disfuncionais ou destrutivas. O burnout relacional surge assim diante de um enorme fosso de distância física e emocional que vai separando cada vez mais o casal. Desta forma, indivíduos que revelam um padrão de vinculação inseguro tendem a relatar menor satisfação na relação, sentindo-se menos apoiados pela sua pessoa parceira.

Pessoa com padrão de vinculação inseguro ansioso: A pessoa que apresenta um padrão de vinculação inseguro ansioso poderá sentir-se sem suporte emocional ou mesmo não apreciado, quando a sua pessoa parceira não fomenta em si o cuidado, a atenção, o suporte ou a segurança que tanto necessita. Normalmente, este aspeto poderá decorrer de um profundo medo do abandono ou de insuficiência, gerando stresse e exaustão.

Pessoa com padrão de vinculação inseguro evitante: A pessoa que apresenta um padrão de vinculação inseguro evitante poderá sentir-se desvalorizada ou sem suporte emocional, quando a sua pessoa parceira não respeita a sua necessidade de independência e autonomia. Poderá ser particularmente stressante e esgotante para esta pessoa, quando a sua pessoa parceira procura promover a intimidade na relação além daquilo que lhe é confortável. Estas pessoas tendem a preferir permanecer independentes, evitando que os outros dependam de si, face ao seu enorme medo de intimidade.

Por outro lado, a ciência indica que os casais que comunicam melhor entre si, tendem a conseguir resolver melhor os seus problemas, as suas divergências, em vez de ficarem reféns e emaranhados na dificuldade dos desafios da sua vida ou da sua relação.

Pessoas com um padrão de vinculação inseguro tendem a percecionar a resolução de problemas como sendo mais difícil e a utilizar formas de comunicação não saudáveis. Ou seja, pessoas com padrões de vinculação inseguro (ansioso, evitante ou desorganizado), tendem a revelar maiores dificuldades de comunicação na relação, ficando presos a padrões disfuncionais de comunicação entre si (padrões de reatividade-reatividade; de reatividade-silêncio; de silêncio-silêncio), e que tendem a deixar ambos os elementos profundamente esgotados na sua dinâmica de interação e comunicação negativa.

O burnout relacional envolve sentir-se absolutamente drenado perante a relação e as suas formas de interação e comunicação ou mesmo quando não encontra suporte emocional na pessoa parceira para lidar com os desafios externos que invadem e engolem a relação.

Importa referir que a empatia, a gentileza, o suporte físico e emocional, a valorização do outro, o respeito perante as necessidades dos dois elementos, uma comunicação onde a escuta ativa seja uma realidade, são todas elas importantes recursos que permitem o casal sentir maior conexão emocional entre si, ao sentirem-se vistos, escutados e amparados na relação, funcionando por isso mesmo como escudo protetor perante o stresse e a exaustão que podem adoecer o vínculo.

É este o poder da relação. Se fecharmos os olhos àquilo que é essencial num vínculo, a relação poderá ter o poder de adoecer e levar-nos com ela. Se aprendermos a amar bem, a relação poderá ter o poder de nos curar, melhorar, permitir viver as grandes tempestades da vida, como um dia suave de primavera se tratasse.

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