Nos quatro cantos do mundo, são várias as formas de viver a quadra. Dos rituais mais complexos, que preenchem a agenda com atividades em família, aos mais simples e clássicos, as tradições já não são o que eram. Pelo menos para alguns.
Krasimira Petrova, investigadora búlgara de 47 anos, acredita que há um renascer das tradições, e esteja em Portugal, na Républica Checa ou na Bulgária, não abdica de cumprir à risca os rituais natalícios.
Natais sem fronteiras
Os preparativos para o Natal de Krasimira Petrova começam cerca de dois meses antes, quando compra o bilhete de avião Lisboa-Sófia.
Em Portugal há 17 anos, foram poucas as vezes que a investigadora auxiliar do departamento de química da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa passou o Natal em Almada, onde vive. Por norma, regressa à Bulgária poucos dias antes da consoada, para passar a quadra com o resto da família que, por estes dias se encontra dispersa pela Europa: o pai e a sogra vivem em Sófia, bem como o marido, que regressou a casa quando, sem trabalho em Portugal, conseguiu um posto na universidade; e o filho partiu em novembro para a Holanda, onde está a fazer doutoramento.
Mas mesmo quando passa o Natal em Portugal, a investigadora de 47 anos esforça-se por manter os rituais.
Manda a tradição búlgara que a meio de novembro os católicos iniciem o jejum. “Teoricamente, durante esse período, a alimentação não deve incluir carne ou peixe… seria o que hoje chamamos uma alimentação vegan. Tem a ver com a purificação do corpo antes do Natal”, explica Krasimira Petrova, para logo a seguir reconhecer que poucos cumprem o costume à risca.
O jejum só deverá ser quebrado a 6 de dezembro, dia de São Nicolau. “Nessa altura, faz-se uma celebração com peixe e a carpa é o mais tradicional – o mais comum é servir-se recheada com cebola e nozes. Em Portugal nunca encontrei carpa, mas tento sempre jantar um prato de peixe nesse dia”, explica a investigadora que, tendo feito o programa Erasmus na República Checa, recorda um episódio caricato a propósito de uma tradição semelhante.
“Pelo Natal costumam comer carpa, mas a regra é que comprem duas carpas vivas: uma é morta e cozinhada e a outra é devolvida viva ao rio. E isto causou um autêntico desastre ecológico em Praga! Quando lá estive a prática tinha sido proibida, mas as pessoas mais velhas continuavam a deitar os peixes no rio”, conta, divertida.
Nos lares búlgaros as celebrações continuam, com a decoração das casas. Não se faz o presépio e a árvore de Natal é decorada durante o mês de dezembro, não havendo um dia estipulado para o fazer.
Tal como cá, na Bulgária o Natal é uma festa de família, com reunião garantida a 24 e 25 de dezembro. Com uma diferença: até à meia-noite de dia 24 só são permitidas refeições sem produtos de origem animal e em cima da mesa devem estar um número ímpar de pratos, num mínimo de sete.
“Podem ser sete, nove, 11 ou quinze pratos vegan. Mas também contam as entradas, saladas, acompanhamentos, etc.”, explica Krasimira, que ainda lembra os pimentos recheados com feijão assados no forno, feitos pela avó.
Outros pratos típicos da Badni vecher (a véspera de Natal) são o sarmi (folhas de couve ou, em alternativa, de videira, recheadas com arroz, cebola e cogumelos), os trieshia (pickles de vegetais fermentados), vários pratos com abóbora, vinho e rakia, a aguardente búlgara.
“Mas o mais importante é o pão típico desta altura, que é feito em casa e no interior do qual é colocada uma moeda. Algumas famílias até têm uma moeda que usam especificamente nesta altura”, explica Krasimira.
Na realidade, o pão assume o papel de protagonista ao longo de toda a noite: assim que a família está reunida, acende-se uma vela que é colocada em cima do pão. “Depois, no início do jantar, o mais velho da casa parte o pão: deixa um pedaço para Nossa Senhora, outro para a casa e distribui o resto por todas as pessoas à mesa. Acredita-se que a pessoa a quem calhar a moeda vai ter muita sorte no ano seguinte”, conta Krasimira.
Os rituais associados à prosperidade são vários nesta noite, já que por baixo da mesa deve estar uma cesta com trigo, alho, cebola e milho seco como forma de desejar fartura para os próximos 12 meses, uma tradição que tanto o pai como a sogra de Krasimira ainda seguem.
“O modo como é seguida a tradição difere de família para família. Antes de 1990, era tudo feito só com a família chegada e de forma discreta, mas atualmente há um renascer das tradições”, explica a investigadora, que tenta seguir as regras, mesmo quando está em Portugal.
“Há dois anos, fui à loja russa comprar as folhas de couve para fazer o sarmi e a senhora que foi atendida antes de mim levou o último frasco! Tive de fazer com folhas de videira”, recorda, entre o irritado e o divertido.
Em Almada ou em Sófia os presentes são trocados à meia-noite de dia 24, “ou quando as crianças começam a adormecer”. No sul da Bulgária, a tradição manda que não se levante a mesa e que todos os presentes deixem em cima da toalha as moedas que tenham nos bolsos.
“Quem lava a loiça é o primeiro que se levantar no dia 25, que também tem direito a ficar com o dinheiro. Quase sempre são as crianças, o que aumenta ainda mais a confusão!”, conta Krasimira, cuja família, originária do Norte do país, não segue esta tradição.
Por norma, a investigadora passa a noite de 24 em casa da sogra e almoça com o pai no dia de Natal, o Koleda. Com o fim do jejum, os pratos com ingredientes de origem animal voltam à mesa: banitsa – massa folhada com queijo feta, sarmi, mas desta vez recheado com carne e kapama, um prato de forno em que são colocados em camadas, num recipiente de barro, couve e diferentes tipos de carne e enchidos. “Fica muito bom!”, garante Krasimira.