De nacionalidade romena, mudou-se para Portugal, um país soalheiro e de pouca neve, há 14 anos. Desde então, o Natal passa-se bem, na companhia da família e amigos que todos os anos se juntam para manter vivas as tradições natalícias da Roménia. Dos cânticos aos pratos típicos romenos, o que continua a faltar é ver a neve a cair da janela.
Natal com saudades da neve
“Não há palavras que descrevam o Natal numa aldeia romena: é lindo, lindo, lindo!”. Ana Tallian não esconde o entusiasmo – e as saudades – quando recorda o Natal passado em casa.
Nos 14 anos em que vive em Portugal nunca conseguiu voltar à Roménia para celebrar a quadra: “Eu na Roménia era educadora infantil e cheguei a trabalhar como assistente social numa escola, mas cá sou empregada doméstica e trabalho com pessoas idosas que precisam sempre de mim nesta altura do ano”, explica a romena, de 51 anos.
Ainda assim, tenta manter no Cacém as tradições que aprendeu na aldeia da Transilvânia, junto da fronteira com a Ucrânia e a Hungria, onde vivia antes. “Para nós, quem dá os presentes no Natal é o menino Jesus. O mais próximo que temos do pai Natal é o São Nicolau, festejado a 6 de dezembro. No dia 5 à noite reunimo-nos com amigos e há alguém que se veste de São Nicolau, para trazer os presentes – normalmente é o meu filho. E o engraçado é que a pessoa também recebe uma lista com os vários pontos em que cada criança tem de melhorar o comportamento”, conta.
Na aldeia onde vivia, havia uma pessoa que era paga para se vestir de São Nicolau e fazia a distribuição por todas as crianças.
Manda a regra que a árvore de Natal – natural, nunca de plástico – seja enfeitada no dia 24, ao som dos colinde romanesti, os cânticos de Natal romenos. “Diz-se que é o menino Jesus quem traz e enfeita a árvore. Nas aldeias romenas, normalmente o padre vai a cada casa buscar as crianças e fica com elas uma a duas horas. Nesse tempo, os pais têm de ir buscar a árvore que têm escondida e fazer toda a decoração!”, conta Ana Taillin, a quem a conversa desperta as memórias de infância.
“Lembro-me de ser criança e de passar na rua e ver as luzes das árvores dentro das casas e de dizermos uns aos outros: ‘Olha, Ele já passou por aqui! E por aqui também!!’, o que ainda fazia aumentar mais a ansiedade para chegarmos a casa”, recorda.
Na Roménia, o Natal não é uma festa de família, mas das famílias e é assim que é festejado pela comunidade que vive na zona de Lisboa. “Na noite de dia 24 reunimo-nos na igreja – há uma igreja ortodoxa romena em Cascais e duas em Lisboa – e, no fim, se por exemplo estiverem cinco famílias na igreja, vamos até casa de uma; antes de entrarmos cantamos Colinde, comemos e bebemos um pouco e passamos à casa da outra família, até as cinco terem sido visitadas”, explica Ana.
Entre uma visita e outra, comem-se os pratos típicos da quadra, na maioria à base de carne de porco, e que incluem o searmale (couve recheada com carne), chouriço fumado cozido e costeletas de porco fumadas, servidos com mamaliga, uma papa de farinha de milho bastante grossa, com uma consistência semelhante à polenta italiana, e bolo de nozes.
“Os jovens por vezes também vão de casa em casa, a cantar os Colinde. O meu filho costuma fazer isso com os amigos romenos”, diz Ana. Uma tradição que gera algumas situações caricatas, já que as canções devem ser entoadas no exterior, antes de entrar em casa da pessoa visitada.
“Eu vivo num prédio, e eles ficam na escada a cantar, mas acho que os vizinhos percebem do que se trata, porque nunca disseram nada”, conta.
Para Ana, por muito que tente manter vivas as tradições, nada bate um Natal na Transilvânia. “Falta-me a neve e o cheiro do pinheiro e da lareira quando chego a casa”, lamenta.
No primeiro ano, o choque foi grande. “Pensei: isto assim não é Natal! Eu gosto muito de Portugal, mas sou romena”, diz, garantindo que entre os imigrantes o apego às tradições do país de origem acaba por ser ainda maior.
Ao contrário do que acontece atualmente em Portugal, de acordo com Ana, na Roménia a maioria das pessoas vai à igreja na noite de Natal. “À saída, juntam-se todos e vão de casa em casa a cantar. Com tudo branco, numa noite de Inverno com os Colinde que se ouvem por toda a aldeia… Não há palavras! É lindo!”.