A idade da adolescência: os desafios que os pais (e filhos) enfrentam
Numa altura em que os jovens se querem demarcar da infância, as mudanças físicas e emocionais típicas desta fase são um turbilhão, que agora é cada vez mais vivido em frente de um ecrã. Aos pais aconselha-se atenção, amor e muito diálogo.
Os anos que separam a infância da idade adulta, ou seja, os da adolescência, são sempre desafiantes para os próprios e para os pais. O corpo muda como nunca e as emoções não lhe ficam atrás. Muitos fecham-se numa concha e só se abrem com os seus pares; outros desdenham da autoridade dos progenitores; outros imitam os seus ídolos sem pensar.
O desejo de os adolescentes se demarcarem da infância e de uma maior independência faz parte e, como diz Sandra Helena, psicóloga infantojuvenil da Clínica Psinove, “não significa a rutura familiar, mas a transformação de vínculos infantis de relacionamento por um mais adulto e mais independente”.
Este processo “pode ser doloroso tanto para pais como para adolescentes”, acrescenta a psicóloga. No entanto, a convivência saudável é possível e “deriva, sobretudo, do conceito de partilha. Uma educação para a partilha de tarefas, de diálogo, de emoções, de quotidianos favorece a confiança e o sentimento de pertença que são fundamentais, quer para a perceção de segurança quer para a construção de uma identidade individual mais sólida”, assegura Maria José Núncio, professora de Sociologia do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa.
Em transformação
Na última década, temos assistido a várias transformações na nossa sociedade que interferem também na adolescência.
“A primeira tem a ver com as redes sociais e o seu uso massivo, sobretudo por esta faixa etária. Determinaram um novo padrão de comunicação, com novos códigos de linguagem; um novo padrão relacional, em que as relações se tornam mais íntimas com a mediação do ecrã do que em presença; um novo padrão na construção identitária própria da adolescência, cada vez mais exposta num mesmo tempo a influências e modelos muito distintos, o que traz o perigo de acentuar alguma espécie de difusão (e confusão) identitária própria da adolescência”, defende Maria José Núncio.
Associadas àquelas estão “a pressão e massificação do consumo, que parecem também ter acentuado uma das características próprias da adolescência – o imediatismo. Os adolescentes, quer em matéria de informação, quer de consumo, desenvolvem-se num registo de descartabilidade e de instantâneo”, explica a socióloga.
Mas esta não foi a única transformação. Outra “tem a ver com a distinção marcada de fases na adolescência, com o conceito de pré-adolescentes a ganhar muito terreno, designadamente, por constituírem um público-alvo apelativo em matéria de apelos ao consumo”, realça a professora de Sociologia.
A pós-adolescência
Por outro lado, observamos também o adiar do término da adolescência a tal ponto que a própria organização Mundial da Saúde começou, recentemente, a evocar o termo para se referir à faixa etária dos 15 aos 24 anos.
Isto é resultado, de acordo com Sandra Helena, “da maior exigência de estudos e especialização nas áreas escolhidas para ingressar no mundo do trabalho”. Além disso, os pais são mais protetores e têm menos filhos por agregado.
A “permanência até idades mais tardias em casa dos pais e em situação de dependência económica faz com que muitos indivíduos que, do ponto de vista demográfico, se consideram jovens adultos vivam como adolescentes sem que o sejam realmente, na medida em que têm uma autonomia ambígua: independência em termos de comportamentos e dependência económica. Compõem aquilo que se poderia designar como pós-adolescentes”, explica Maria José Núncio.
Uma identidade em construção
A construção da identidade é um aspeto que marca a adolescência. Esta, segundo a socióloga, “é o tempo da demarcação relativamente àquela que é a identidade da infância, em larga medida definida pelos pais ou figuras cuidadoras, e a tentativa de construção de uma identidade própria”.
Maria José Núncio diz tentativa, “porque se trata de um processo evolutivo, em que são fundamentais as referências e os modelos. O que distingue a situação atual daquela vivida em épocas precedentes tem a ver com a muito maior facilidade de exposição a referências e modelos muito distintos através do espaço virtual. E quanto maior a ‘escolha’ em matéria de referências, mais difícil se torna ‘escolher’, o que leva a uma maior desorientação e confusão identitária”.
Nesse turbilhão, conta ainda a pressão dos pares e a vontade de integração, “que constitui um elemento essencial neste processo de construção da identidade e aumentou exponencialmente porque se, anteriormente, os pares se circunscreviam àqueles com os quais havia proximidade física, hoje, são também toda uma enorme comunidade virtual de amigos e conhecidos cujo julgamento (mediado pelo ecrã) pode ser muito cruel e gerador de dúvidas e incertezas”, descreve Maria José Núncio.