O mais recente estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos, sobre o retrato atual das mulheres portuguesas, dá conta de que a desigualdade de género pode estar a contribuir para que Portugal tenha uma das mais baixas tavas de natalidade do mundo.
A investigação aponta para mulheres “demasiado cansadas”. E Teresa Fragoso, presidente da Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género, citada pelo Diário de Notícias, fala da necessidade de uma “masculinidade cuidadora”.
O pai é assim uma figura preponderante que pode inverter as estatísticas. Ele tem um papel fundamental durante a gravidez, o parto e o pós-parto, as três fases em que, convencionalmente, é a mulher que é posta à prova. Mas este desafio está longe de dever ser um exclusivo feminino.
Que importância tem o pai no bem-estar da mãe e do bebé, ainda antes do nascimento? Existe uma influência real comprovada? O que é que é preciso para o casal viver este período de grandes mudanças (e o que se segue) em harmonia? Foi o que perguntámos a três especialistas do Hospital CUF Descobertas: João Brissos, pediatra do Centro da Criança e do Adolescente, Inês Pessoa e Costa, psicóloga clínica no mesmo centro e Cristina Castel Branco, enfermeira responsável de Saúde Materna e Obstetrícia.
“É preciso empoderar os pais para esta fase”
Se antes o papel da mulher na sociedade era dedicar-se quase em exclusivo à maternidade, hoje os tempos são outros. O pai tem vindo a ganhar terreno nesta área, para deixar de ser mero espetador.
“O nascimento de um filho é uma experiência marcante e neste momento o pai passou de espectador a um interveniente ativo, o que exige a aquisição de competências para o fazer. Para isso, é preciso empoderar os pais para esta fase, capacitá-los por forma a desenvolverem uma confiança crescente para desempenharem o seu novo papel”, refere Cristina Castel Branco, enfermeira.
Também é preciso permitir este papel ativo do pai, tanto por parte das mães como de todos os intervenientes nas diferentes fases – antes, durante e após o nascimento. Até porque “o envolvimento e sentimento de paternidade vai-se criando” e pode não ser tão imediato quanto um relógio biológico materno, explica Inês Pessoa e Costa, psicóloga clínica.
“Há homens que se sentem pais mal sabem da notícia, há outros que o fazem quando veem o seu filho e ainda quem sinta a ligação à criança dias depois do nascimento. Não há certos nem errados”, comenta.
“O pai tem um papel fundamental na estabilidade emocional da companheira”
Esta questão de confiança vai além do próprio pai, para se refletir também na relação do casal e da dinâmica da família. Para o pediatra João Brissos, vivemos uma época de “um tremendo desequilíbrio no acompanhamento das crianças”, fruto das “exigências profissionais e sociais partilhadas por ambos os cuidadores”.
Não havendo ainda respostas claras para o verdadeiro papel do pai, o especialista acredita que este “poderá passar por tentar restabelecer o equilíbrio que deixou de existir no que diz respeito ao tempo passado com os filhos. As crianças precisam de tempo para estar com o pai e mãe”.
Para a psicóloga Inês Pessoa e Costa, não restam dúvidas de que “o pai tem um papel fundamental na estabilidade emocional da companheira, com especial impacto na fase do pós-parto”. Mas o apoio começa muito antes, na fase “pré-concecional, por forma a haver planeamento e tomada de decisões conjuntas”, adianta Cristina Castel Branco, enfermeira.
“Ele é o pilar da mulher/grávida/mãe neste processo de transição, de aquisição e interpretação de novos papéis – este é um momento de vulnerabilidade“, completa.
“Acompanhar as etapas da gravidez, presenciar as consultas, escolher o quarto, as roupas, sentir a barriga a crescer, os primeiros desafios nos cuidados ao bebé… são momentos importantes na construção do papel de ‘ser pai’ e companheiro”, esclarece a psicóloga.
“A presença do pai veio trazer segurança e apoio à grávida”
O que diz, então, a ciência sobre a real influência que o pai tem durante a gravidez e no desenvolvimento da criança? De acordo com um relatório de 2016 da American Academy of Pediatrics, “a presença do pai parece aumentar a probabilidade da mulher procurar cuidados pré-natais adequados, reduzir hábitos de risco (nomeadamente o tabagismo) e aumentar a probabilidade de aleitamento materno“, elucida João Brissos.
Mais: “no recém-nascido, o contacto físico precoce do pai parece ter um impacto positivo na tranquilidade da criança (redução dos períodos de choro, facilidade com que adormece…).”
Não é difícil perceber empiricamente que durante a gravidez e especialmente durante o parto e o pós-parto, o apoio à mulher é fundamental também para ela se sentir segura. “Este assumir do papel ativo de pai tem uma influência preponderante na grávida a nível de apoio físico e emocional, na segurança e na partilha das emoções, recordações a dois, na tomada de decisão, bem como na vinculação da tríade e, consequentemente, com impacto no desenvolvimento da criança”, refere Cristina Castel-Branco.
Este importante contributo do companheiro para o bem-estar da mulher estende-se também ao parto. Como explica a enfermeira, “com a hospitalização e medicalização do parto, a oportunidade e permissão da presença do pai veio trazer segurança e apoio à grávida”.
Falamos provavelmente da mais impactante experiência da maternidade e que ambos devem vivenciar. “O parto, mesmo com todo o acompanhamento e planeamento, é um momento recheado de imprevisibilidade, inesquecível, inexplicável, exigente e irreversível. É o momento do conhecimento/confronto do bebé real com o imaginário, o que leva à vivência entre o casal de momentos de insegurança, ansiedade, impotência, stresse, mas vividos a dois”, finaliza Cristina Castel-Branco.
“Ninguém nasce a saber ‘ser mãe’ ou ‘ser pai’, é algo que se aprende”
Ao longo de todo este período de preparação para a maternidade, é normal haver dúvidas, medos e muitos desafios. Até porque afinal,”ninguém nasce a saber ‘ser mãe’ ou ‘ser pai’, é algo que se aprende”, recorda Inês Pessoa e Costa.
As hormonas estão ao rubro, o corpo muda a um ritmo alucinante e a sociedade impõe à mulher para que esta se sinta privilegiada por gerar uma vida. É muito para assimilar, mas também para o pai. “É muito desafiante para todos os elementos do sistema familiar, dado que os papéis que existiam antes e estavam definidos estão em alteração. Existem muitas instabilidades hormonais na mulher, mil dúvidas, questões e inseguranças (sobretudo quando é o primeiro filho), muitas opiniões dos familiares, um cansaço gigante, tudo isto acompanhado pela pressão social de que ser mãe e pai deve ser ‘um estado de graça’”, alerta a psicóloga.
“A comunicação no casal é fundamental. Falar, saber ouvir, experimentar cedências, apoiar mais do que criticar, compreender as indecisões, impor limites aos ‘de fora’, tomar decisões em conjunto e, essencialmente, dar prioridade ao sentimento de bem-estar e tranquilidade”, adianta.
Vale a pena ler o testemunho de coragem de Inês Fontora, que aos 40 anos decidiu ter um filho sozinha.