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Crónica. A importância dos limites na relação

Crónica. A importância dos limites na relação

Talvez o lugar mais desafiante de uma relação passe pela necessidade de assumir a nossa voz e de colocar os nossos limites face às exigências das relações.

Por Jun. 12. 2024

Um amor saudável necessita de duas pessoas diferentes e separadas entre si, num lugar de interdependência em que estas duas pessoas necessitam uma da outra, mas não se abandonam na sua individualidade. Contudo, todos sabemos que navegar uma relação poderá tornar-se, em diversos momentos, tremendamente desafiante. Requer a capacidade constante de comunicação, de honestidade, de intimidade, de autorregulação, mas também a capacidade de definir limites saudáveis.

O que significa estabelecer limites saudáveis?

Os nossos limites são as fronteiras que estabelecemos com as outras pessoas, de modo a podermos atender às nossas necessidades físicas e emocionais, ao que pensamos, ao que precisamos, ao que sentimos ou mesmo até ao que sonhamos.

Na verdade, é como se se tratasse de uma linha clara que demarca um espaço com limites próprios, distinguido de forma transparente entre nós e a outra pessoa. Os nossos limites pessoais remetem, então, para algo importante e necessário para nós, remetem na sua essência para o que de mais autêntico existe em nós, como os nossos valores e até identidade.

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Tudo na vida é um diálogo e uma relação e, por isso mesmo, em cada situação que experienciamos, em que comunicamos e vivemos com uma outra pessoa, é importante partir do princípio que nesse contexto existe sempre o nosso espaço pessoal, o espaço pessoal da outra pessoa e um espaço comum onde nos encontramos como resultado da comunicação e da interação que estamos a estabelecer nesse momento com o outro.

Neste sentido, os nossos limites posicionam a forma como entendemos onde começa e onde termina o nosso espaço na relação com outro e vice-versa. Os nossos limites pessoais tratam-se, então, de escolhas conscientes que fazemos para nós, de como poderemos melhor preservar o que nos é importante, de como percebemos que as relações com os outros deverão ser no nosso entender e de como poderemos não nos abandonar e perder enquanto estamos no espaço mútuo daquela relação/interação.

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Não se tratam por isso de ameaças, nem de ultimatos. No contexto de uma relação amorosa, trata-se de amar o outro bem, mas sem nos perdermos de quem somos verdadeiramente. O espaço de complementaridade numa relação é importante, assim como o espaço da individualidade. Contudo, quando o espaço da individualidade desaparece, significa que também desaparece quem somos, passando a relacionarmo-nos num espaço de invisibilidade e abandono de nós mesmos, com claras consequências para a nossa saúde mental, bem como para a saúde da relação.

Deste modo, a capacidade de colocar limites pessoais surge bastante associada à nossa autoestima, verificando-se que as pessoas que apresentam uma autoestima mais elevada tendem a apresentar a capacidade de estabelecer limites pessoais fortes e coesos.

Talvez um dos principais pontos a considerar sobre a colocação de limites numa relação é que estes criam saúde emocional e relacional e que, identicamente, são colocados por pessoas com saúde emocional e relacional. Neste sentido, estamos a falar de algo absolutamente essencial para navegar qualquer que seja a relação com qualidade.

Uma relação segura e conectada não passa por abrir mão da nossa expressão de individualidade para manter a conjugalidade
Sílvia Courinho, psicóloga

Por outro lado, quando desenvolvemos uma identidade sólida de nós mesmos, de nos ouvirmos, de nos conhecermos, adquirimos uma maior noção e consciência de quem somos, das nossas emoções e dos nossos limites, e passamos a comunicar e a dar-nos a conhecer ao outro, colocando a nossa voz.

Nestes momentos, estabelecer limites poderá tornar-se um verdadeiro desafio e até assustador, na medida em que implica sermos verdadeiros e honestos, sem percebermos como o outro nos poderá receber perante a diferença do nosso posicionamento, da nossa perspetiva e do nosso sentir. Até porque, ao longo da vida, somos muitas vezes confrontados com a ideia de que é a nossa semelhança com o outro que nos permite ser compatíveis, que nos permite viver uma relação de forma satisfatória ou mesmo conduzir a menor tensão e conflito na mesma, experienciando a diferença entre nós e o outro como problemática, embaraçosa, perigosa ou geradora de divergências, e conduzindo à inexistência de harmonia.

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Sermos honestos e autênticos é, na verdade, essencial para a nossa vida e saúde mental, mas pode transformar-se por vezes num profundo ato de rebeldia e audácia! Este movimento implica a não aceitação do outro, a crítica, o julgamento, a incompreensão e o tão temível abandono. E por isso mesmo conduz-nos tantas vezes ao conformismo, ao silêncio, a uma adaptação a algo em não acreditamos ou não concordamos.

Contudo, e porque o preço a pagar implica o nosso bem-estar, a nossa integridade e autenticidade, o caminho mais fácil não é de todo, necessariamente, o caminho mais são! Os nossos limites são uma expressão do que ilumina a nossa alma, são o que nos permite amar sem nos perdermos, definir as regras de como desejamos ser tratados e respeitados, de como queremos ser e existir naquela relação (seja qual for o tipo).

O estabelecimento de limites saudáveis numa relação não deverá pressupor um conjunto de regras rígidas e inflexíveis

No entanto, poderá ser importante referir que os nossos limites poderão mudar dependendo do nosso estado emocional, da forma como nos vamos sentindo ligados à pessoa com quem estamos a interagir, do lugar em que se encontra aquela relação ao longo do seu ciclo de vida, do nível de stress e tensão que experienciamos, ou mesmo diante do facto das nossas necessidades não estarem a ser respondidas conforme necessitamos.

Os nossos limites poderão manifestar-se em múltiplas áreas – física, emocional, material, sexual, intelectual e ambiental – e poderão ser diferentes consoante os diferentes papéis que vivenciamos (ex.: conjugalidade, parentalidade, amizade, profissional, etc).

Por outro lado, o estabelecimento de limites saudáveis numa relação não deverá pressupor um conjunto de regras rígidas e inflexíveis. É necessário estarmos conscientes do que necessitamos e do que consentimos ou não, contudo, os limites que estabelecemos poderão ser linhas permeáveis e flexíveis, tornando toda a dinâmica relacional mais equilibrada, na qual ambos os elementos sentir-se-ão considerados, vistos e escutados.

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Desta forma, estabelecer limites saudáveis poderá passar por:

  1. Preservar as nossas necessidades, os nossos problemas ou questões, emoções, responsabilidades, prioridades, sonhos e tempo, aumentando a nossa autoconsciência;
  2. Consciencializarmo-nos do que conseguimos fazer, ser ou estar, não devendo aceitar mais do que conseguimos dar conta em cada momento. Não somos super-heróis ou homens e mulheres elásticos!;
  3. Ter consciência do nosso espaço individual, da nossa liberdade e direitos;
  4. Observar quais são as pessoas, gestos, palavras, comportamentos, situações que não nos fazem sentir bem, respeitados ou considerados, em que os nossos direitos e necessidades são ultrapassados ou mesmo violados;
  5. Colocar a nossa voz e dizer Nãopoderá ser das palavras mais importantes e necessárias para preservar e conter a nossa saúde mental e integridade.

Como estabelecer limites saudáveis?

Os nossos limites permitem a nossa preservação. Contudo, poderão implicar comunicação; diálogo face ao que aceitamos ou não, ao que gostamos ou não, ao que permitimos ou não.

Os limites que colocamos poderão nem sempre ser verbais, poderão ser físicos quando optamos por nos distanciar de uma relação que se revelou tóxica, por exemplo. Contudo, muitas vezes poderão requerer a necessidade da nossa voz, que nos mostremos, e nesses momentos poderemos comunicar desta maneira:

  1. Eu sinto ____________ (emoção).
  2. Quando ____________ (observação).
  3. Porque _____________ (o meu valor/princípio).
  4. Eu preciso de ________ (o meu limite).

Por exemplo, “Sinto-me irritada por perceber que na nossa relação nem sempre existe espaço para a nossa individualidade, algo que para mim sempre foi importante existir e ser preservado. Permite-me, desta forma, cuidar de outras relações que são igualmente importantes para mim, nomeadamente a relação comigo mesma, e por isso preciso que respeites esta minha necessidade”.

O objetivo é perceber quais são as nossas necessidades, quais são as linhas que para nós não poderão ser ultrapassadas (para compreendermos quais são, poderemos estar atentos e escutar as nossas emoções. Elas falam por si quando nos sentimos aborrecidos, tristes, zangados, frustrados, ignorados, etc) e comunicar. Comunicar efetivamente o que sentimos, o que precisamos, e se a nossa pessoa parceira se sente disponível para o fazer ou responder.

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Neste diálogo tão necessário, não conseguiremos controlar a reação do outro. Apenas conseguimos controlar aquilo que está do nosso lado, em nós.

Por isso, para que este diálogo se possa tornar mais fácil, poderá ser importante não esquecer que do outro lado também está alguém que tem necessidades e desejos, e que necessita igualmente de ser escutado e respeitado. Deste modo, poderá ser importante trazer para cima da mesa da relação a dimensão de uma responsabilidade emocional e honestidade radical, assim como empatia e compaixão pelo nosso lugar e pelo lugar do outro.

Não obstante, quando o outro continua a ultrapassar a linha que já assinalámos e comunicámos ser vermelha, cabe a nós a decisão do que deverá acontecer. Poderá ser importante clarificar as consequências de uma transgressão contínua dos nossos limites, que esta significa desrespeito e que o respeito é um pilar de extrema importância para ser desconsiderado numa relação a dois!

As relações felizes e saudáveis têm limites

Em todas as nossas relações necessitamos de estabelecer limites. Na verdade, se desejamos realmente construir uma relação saudável e manter uma conexão coesa, teremos de nos arriscar com coragem e mostrarmo-nos, colocar a nossa voz e não ignorar aquilo que para nós é um valor que deverá ser preservado.

Contudo, numa relação saudável, como vimos, existem sempre duas pessoas com necessidades e formas de sentir distintas e, deste modo, o grande desafio relacional consistirá em preservar os espaços, as opiniões, as perspetivas e necessidades, por vezes também distintas, um do outro, e preservarmos com respeito este espaço de existência mútua.

Este lugar de diferença e de expressão de quem somos, queremos ou precisamos é talvez a mais bonita linguagem de amor, de respeito por nós e pelo outro. Permite-nos crescer e ao outro, possibilitando relacionamentos nutridos e fortalecidos de uma forma profunda e sólida, equilibrada, mas não estática.

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Livres, criativos e flexíveis, em que o sentido de interdependência (“eu preciso de ti, tu precisas de mim e não abandonamos o nosso sentido de pessoa na relação íntima e profunda que procuramos construir”) prevalece. Desta forma, uma relação consciente e conectada requer encontrar e construir um equilíbrio (em constante movimento) entre a nossa necessidade de conexão e a nossa necessidade de separação e de ser pessoa sólida.

O amor é uma chama que requer fogo, mas também oxigénio para arder. A construção deste equilíbrio a dois passará por um processo de consciência e intenção, requerendo uma comunicação clara sobre os nossos limites e necessidades, assim como uma negociação e renegociação sucessivas face às diferenças, criando (ou por vezes não) cedências refletidas entre os dois elementos.

Neste sentido, uma relação segura e conectada não passa por abrir mão da nossa expressão de individualidade para manter a conjugalidade, do mesmo modo que não passará por abdicar de uma relação para manter a individualidade.

Estes serão sempre dois impulsos e movimentos centrais para todos os seres humanos numa relação. Sem nos perdermos ou anularmos, conseguimos existir individualmente e ser verdadeiramente interdependentes. Para tal, a nossa voz e os nossos limites são o cimento essencial que permitirá construir esta casa de amor de forma mais sólida.

Psicóloga, terapeuta familiar e de casal, Sílvia Coutinho procura promover em terapia relações com maior conexão emocional, com famílias, casais e a nível individual. Adora refletir e escrever sobre as emoções mais profundas que todos sentimos quando nos relacionamos e acredita ser através destas relações, vividas de forma saudável, que conseguimos também individualmente potenciar o nosso bem-estar, equilíbrio e felicidade. É ainda autora do livro ‘O Poder da Relação‘.

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