Relações e família

Porque é que é tão importante ensinarmos os nossos filhos a sentir?

“Se as crianças aprenderem a expressar e a gerir as suas emoções na infância, vão crescer mais capazes e saudáveis”. Duas psicólogas clínicas explicam porque devemos ajudar no desenvolvimento da inteligência emocional nas crianças (e deixam algumas dicas).

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importante ensinar crianças a sentir
Escrito por
Nov. 07, 2018

Por entre a rotina do dia a dia, não raras vezes esquecemo-nos de olhar para dentro de nós e de sentir. E sempre que nos esquecemos de sentir, não damos voz ao coração. A consequência? Não ensinamos as crianças a sentir.

E, porque é que nos preocupa que as nossas crianças não aprendam a sentir? Porque sempre que não aprendem a sentir, estão a colocar um travão ao seu pleno desenvolvimento e a reunir condições propícias ao adoecer psicológico. Muitas vezes, por receio, acabamos por afastar as emoções de nós e do dia a dia das nossas crianças.

desenho infantil com emoções

© Thinkstock

 

Assim, em primeiro lugar, é importante desmistificar a ideia de que há emoções positivas e negativas. Na verdade, não há emoções negativas! Todas as emoções cumprem uma função, todas nos transmitem alguma informação que é importante para restabelecermos o equilíbrio do nosso organismo.

Nenhuma emoção deve ser reprimida

Não há dúvida que é extremamente perigoso reprimirmos as emoções, seja de um adulto ou de uma criança. Por exemplo, rejeitar ou dizer a uma criança para não sentir raiva ou medo, pois, quando o fazemos, ensinamos a criança a ignorar o seu mal-estar e desconforto. A realidade é que, não é porque a ignoramos que a emoção irá desaparecer, assim, o essencial é ensinar a criança a perceber o que está a sentir e a reunir recursos para o gerir.

Dizer a uma criança ‘deixa de chorar’, não ajuda, só reprime a emoção, devemos deixar chorar e libertar a emoção, no fundo, exercer uma função de suporte à dor da criança, seja ela qual for

Por exemplo, quando uma criança chega triste, ou com medo a casa e dizemos ‘não chores’, ‘não tenhas medo’, formamos uma força de bloqueio a essas emoções e não permitimos a sua expressão. Muitas vezes, fazemo-lo para aliviar os sofrimento imediato, como se de um penso rápido se tratasse.

Embora, no imediato pareça funcionar, a longo prazo, só torna a criança numa espécie de “bomba relógio”, acabando por explodir, mais tarde ou mais cedo, com vários efeitos especiais, característicos das crises de raiva ou de traços depressivos, por exemplo.

Dizer a uma criança ‘deixa de chorar’, não ajuda, só reprime a emoção. Devemos deixar chorar e libertar a emoção, no fundo, exercer uma função de suporte à dor da criança, seja ela qual for. Não se deve controlar uma emoção antes da sua expressão, é inequívoco que a identificação e expressão da emoção é crucial para a sua gestão.

Dá-se muito pouca importância às emoções no meio escolar, sobressaindo as letras e os números

O papel dos pais e dos educadores

Por entre o crescimento de cada criança, os pais são fundamentais no desenvolvimento da sua inteligência emocional. Esta pode e deve ser estimulada desde o nascimento, pelas interações entre o bebé e as figuras paternas e, à medida que as crianças vão crescendo, através da qualidade das suas interações.

É inquestionável que no dia a dia temos um terreno fértil para o desenvolvimento da inteligência emocional, pelo que, se diariamente, aplicarmos uma linguagem com emoções, temos uma óptima alavanca para uma criança se desenvolver emocionalmente. Desta forma, os pais estão na primeira linha enquanto educadores emocionais dos seus filhos.

pais e filhos a rir

© Thinkstock

 

Claro que, a criança tem sempre dentro si uma montanha russa de emoções, passa grande parte do seu dia na escola, logo a escola assume sempre um espaço fundamental na descoberta das emoções da criança. No entanto, muitas das vezes, dá-se muito pouca importância as emoções no meio escolar, sobressaindo as letras e os números.

Não, não é verdade que o mimo estraga as crianças. Nunca uma criança ficou estragada por ter mimo a mais, ou por ter amor a mais!

Não é que as letras e os números não sejam importantes, é claro que são. Mas uma criança não consegue aprender, se acabou de chegar do intervalo e gozaram com ela o tempo todo, ou se chegou de casa, e assistiu a uma discussão entre os seus pais.

Assim, e antes de podermos pensar em ajudar a criança a gerir emoções mais concretas como, por exemplo, o medo ou raiva, há pilares fundamentais que pais e educadores devem seguir, para gerar um caminho propício ao desenvolvimento da inteligência emocional e ao bem-estar de uma criança.

5 pilares para desenvolver a inteligência emocional das crianças

1. Dar muito amor e mimo

O principal ingrediente para uma criança ser feliz é o amor. O amor seguro e incondicional, o afeto e o mimo. Não, não é verdade que o mimo estraga as crianças. Nunca uma criança ficou estragada por ter mimo a mais, ou por ter amor a mais!

O mimo e o amor funcionam como o combustível que nos faz mover, não só em criança, mas ao longo de toda a nossa vida. É o amor que nos prende à vida, e só quando o amor nos segura, podemos alcançar a felicidade, a segurança e o bem-estar. Mostre ao seu filho o quanto gosta dele e o quanto ele é importante. A criança irá, gradualmente, sentir-se amada, valorizada e segura de si.

2. Introduzir regras e limites claros

Só com limites claros a criança cresce segura de si. É importante estabelecer balizas sem resvalar para um lado de ‘general autoritário’, sem que os pais pareçam mais assustados do que seguros. Os limites – embora na fase inicial uma criança os rejeite – atribuem-lhe segurança e robustez.

Os limites devem ser claros pois, com o crescimento, surge a necessidade de a criança descobrir o mundo à sua volta. E, não raras vezes, essa descoberta faz com  que comece a surgir o ‘não quero’ e ‘não faço’; é normal e saudável que uma criança descubra o ‘não’ e lhe dê uso.

Aos pais, cabe traçar-lhe o caminho e definir-lhe os limites, mostrar que se preocupam com ela, por isso, há limites que não permitirão que sejam ultrapassados. A congruência (ainda que, com espaço para contraditório) das regras, a disponibilidade dos pais para direcionar e apoiar a criança a gerir as contrariedades e dificuldades vão promover a capacidade de a criança expressar as emoções e de as gerir nas situações de frustração.

criança chateada

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3. Permitir a expressão e auxiliar a traduzir por palavras aquilo que a criança sente

A criança desenvolve-se gradualmente, capacidade de reconhecer as emoções e de lhe dar um nome acompanha o seu desenvolvimento. Mas, muitas vezes, a criança, além de imatura emocionalmente, é imatura verbalmente, tendo dificuldade em expressar por palavras aquilo que sente. Expressa-se com birras, com choro e agressividade.

Cabe aos pais e educadores da criança dar nome e atribuir significado às suas emoções, sentimentos e comportamentos. É importante explicar à criança que sabe que ela está com raiva, porque teve de ir jantar sem acabar o jogo de tablet, por exemplo.

Assim a criança vai, aos poucos, aprender a comunicar o que se passa dentro de si pela palavra. Dê espaço à criança para se expressar abertamente sobre os seus sentimentos e ajude-a a verbalizar o que está a sentir.

Se as crianças aprenderem a expressar e a gerir as suas emoções na infância, vão inequivocamente crescer mais capazes e emocionalmente saudáveis

4. Falar de si e das suas emoções

É fundamental que os pais consigam falar sobre si próprios e sobre as suas emoções. Muitas vezes os pais estão tristes com uma situação familiar e limitam-se a dizer à criança que estão cansados.

Nunca negue a sua tristeza, ou frustração com alguma situação. Falar sobre si, cria uma ponte de cumplicidade com a criança, ajuda-a a identificar as emoções no outro, a desenvolver a empatia e abre uma janela para que a criança fale sobre si própria. É imprescindível fomentar o diálogo familiar.

5. Olhe o mundo na perspetiva da criança

É fundamental que os pais se consigam colocar no lugar da criança, isto é, que consigam ver o mundo na perspetiva da criança. A maior parte dos conflitos são causadas porque cada um de nós tem uma perspectiva diferente sobre a mesma situação. Uma criança olha para o mundo de forma diferente de um adulto. Mas, muitas vezes, os pais estão tão emaranhados nas suas realidades, nas suas verdades, no seu casamento, no seu trabalho… e, esquecem-se de ver as coisas pelo lado da criança, tornam-se inflexíveis e rígidos. É importante flexibilizar e colocarmo-nos no lugar de cada criança.

Se queremos uma criança emocionalmente mais robusta e mais inteligente, temos de começar por permitir que ela expresse as suas emoções, o que inequivocamente contribui para a sua saúde emocional. Caso contrário, as emoções contidas e o mal-estar, começam por inundar aos poucos a criança até que se gera a sua expressão de forma desadequada, quer para a criança, quer para a família.

Se as crianças aprenderem a expressar e a gerir as suas emoções na infância, vão inequivocamente crescer mais capazes e emocionalmente saudáveis. Isto é, ao ensinarmos uma criança a reconhecer e gerir as suas emoções, proporcionamos-lhe um terreno fértil para crescer em sintonia consigo própria, com a família e com o mundo à sua volta, de forma saudável e tranquila.

Texto de Cátia Lopo e Sara Almeida, psicólogas clínicas e fundadoras da Escola do Sentir. Este projeto nasceu para fazer face às fragilidades que existem ao nível da Educação Emocional, em Portugal. Tem como missão, facilitar estratégias às crianças, às famílias e aos educadores que irão permitir uma expressão e gestão adequada das emoções. Saiba mais sobre a Escola do Sentir através do site, Facebook ou Instagram.

 


 

Sabia que a inteligência emocional das crianças está diretamente ligada à sua felicidade?

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