Como lidar com o irmão mais velho e mais novo, segundo uma especialista
Os conflitos e a competição fraternais são tão naturais como o amor e são uma escola para a vida, uma espécie de laboratório social que nos prepara para o que acontece fora de casa.
Quem tem irmãos sabe que a rivalidade e os conflitos são comuns. Por melhor que se deem, há sempre discussões, pontos de vista diferentes, necessidades distintas e algum ciúme.
“A relação entre irmãos é o primeiro laboratório das relações com os pares. Se tudo correr bem, é a relação mais longa da nossa vida.
Por um lado, dá-nos ferramentas para a vida social, pois podemos testar a cooperação, colaboração, competição, competências de negociação, exercício de poder e até a submissão.
Por outro, é ter um ou mais companheiros para a vida, um apoio e um suporte que vão estar sempre lá”, começa por explicar Diana Cruz, psicóloga e terapeuta familiar.
Diferentes fases
O nascimento de um irmão é um marco e a relação fraterna passa por várias fases, o que está relacionado com a definição de personalidade de cada um.
“O irmão mais velho tem de aprender a partilhar o amor, o tempo, a atenção e a lidar com o ciúme. Portanto, a primeira competição entre irmãos é a emocional.
Por sua vez, os mais novos chegam a uma estrutura que já está montada, já nascem a ter de partilhar tudo, além de já terem o caminho aberto para muita coisa, pois geralmente os pais são menos rígidos, porque já têm experiência educativa.
Estas diferentes condições vão influenciar a definição de personalidade e moldar a interação com os outros”, esclarece a psicóloga.
A terapeuta familiar realça ainda que, “quando são pequenos, detestam-se, porque cada um só tolera fazer o que gosta e veem os irmãos como empecilhos que roubam tempo, atenção e recursos.
Na adolescência, há um maior companheirismo e passa-se para uma fase de encobrimento. Na idade adulta, a tensão natural do crescimento dissipa-se, há normalmente um relacionamento estável e percebe-se que a relação que se tem com os irmãos é a mais segura de todas.
Os grandes conflitos só voltam a acontecer quando os pais morrem”.
Fantasma do preferido
Os conflitos fraternais, diz Diana Cruz, “são perfeitamente naturais”. “Não são mais do que a experimentação da competição, e fazê-lo em casa faz parte da estruturação da personalidade”.
Isso vai definir a forma como lidamos com os outros, como definimos os limites do respeito, como exercemos o poder, lidamos com as hierarquias, colaboramos e competimos. Tudo coisas essenciais para o nosso comportamento social e para aprendermos a resolver conflitos e a perceber que as nossas atitudes têm consequências.
Os conflitos mais comuns, explica a psióloga, estão associados à ideia do “’ele ou ela pode e eu não’, ou seja, de que as regras são mais apertadas para um dos irmãos do que para o outro.
Na base desse sentimento, continua a terapeuta familiar, “está o fantasma de que os pais gostam mais de um filho do que do outro; é o medo de haver um preferido, ou seja, o ‘ciuminho’”.
Intervenção parental
De que forma é que os pais devem interferir nos conflitos entre irmãos é a pergunta que se coloca.
“Há coisas em que simplesmente não se deve intervir e há pais que têm muito pouca tolerância para ouvir os filhos a discutir e metem-se.
Claro que não vamos deixar partir braços e pernas, mas há ali um nível de conflito que tem de ser resolvido entre eles. O limite são as regras da casa e os valores instituídos que devem servir para todos”, salienta Diana Cruz.
Portanto, a intervenção parental só deve acontecer no momento em que se percebe que há uma escalada.
“Quando os pais se metem é para acabar com aquilo de uma vez e não tomar partidos”, ensina a terapeuta. É fundamental dar espaço para criarem uma relação que não é mediada pelos adultos.
Não às comparações
Outra regra fundamental para os pais é abolir as comparações entre os irmãos.
“Isso também vale para os primos, filhos dos amigos e das vizinhas. A comparação vai sempre depreciar alguém, até porque, normalmente, não se diz ‘tu és ótimo a matemática e tu a tocar guitarra’. A mensagem é sempre ‘eu preferia mais que tu fosses como aquele’”, refere Diana Cruz.
Quando se comparam os irmãos, há sempre um que vai sentir que não é suficiente e que não é valorizado.
“Isso depois vai ser reproduzido quando, em adultos, criarem a sua própria estrutura familiar, nas amizades e até no trabalho.
Muitas vezes os pais fazem comparações para estimular, mas a mensagem não passa dessa forma. O que eles ouvem é que o outro é mais do que eles e que estão a defraudar as expectativas dos pais, apesar de aqueles só quererem dizer que, se aquela pessoa consegue, eles também”, realça a psicóloga.
Diana Cruz diz ainda que é importante que os irmãos mais velhos não sejam colocados como cuidadores dos mais novos.
“Claro que podem e devem ajudar, mas não devem deixar de fazer as suas coisas, até porque isso cria mágoas, como vejo em consulta, e prevarica a relação entre irmãos.
Os mais novos podem ficar dependentes dos mais velhos e estes ficam com dificuldade de se descolar de um papel quase parental. Aí vamos ter um irmão a mandar no outro e as hierarquias confundem-se”, explica a psicóloga e terapeuta familiar.
Guerras em adultos
A herança é um dos temas que gera conflitos entre irmãos adultos.
“Muitas vezes, tenta-se explicar isso com o efeito que os recursos económicos têm em nós, mas acho que há também um fator emocional e de destabilização.
A morte dos pais é a queda do tronco da família e, mesmo que não percebamos isso, a maneira de criar uma nova estrutura familiar é voltar às tricas de infância. Podem ainda ser resquícios dos ciúmes causados pela ideia de que os pais gostavam mais de um filho do que do outro”, revela a psicóloga Diana Cruz.
A terapeuta familiar garante que isto acontece mesmo entre irmãos que se dão bem e a solução é pô-los a falar.
“Normalmente, acabam sempre por fazer referência ao amor, ao ciúme, à sensação de terem sido preteridos, à competição… e percebe-se que não estão a falar de bens materiais, mas estão a dirigir tudo para algo que se pode contabilizar que são aqueles”.