Há 20 anos, Manuela Gomes mudou-se de armas e bagagens para uma cidade a mais de 500 quilómetros da sua. A razão para a mudança foi só uma: o amor.
Apaixonou-se e, um ano depois, o namoro à distância já não era suficiente. Resolveram casar-se e a mudança aconteceu.
“Não me arrependo. No entanto, os relacionamentos não são um conto de fadas e, claro, que já me questionei várias vezes se fiz a escolha certa. Sobretudo, porque acho que em termos profissionais poderia ter tido mais sucesso se tivesse ficado no Porto, mas também me poderia arrepender de não ter dado aquele passo”, partilha connosco.
Amar é, entre outras coisas, fazer cedências, mas até que ponto se deve mudar pelo maior de todos os sentimentos? Joana Namorado, psicóloga e cofundadora e diretora clínica da Kindology dá-nos a resposta.
Acrescentar valor
“Mudar por amor é uma escolha pessoal e não deve comprometer a identidade ou os valores fundamentais de alguém”, começa por explicar a psicóloga clínica.
Para esta especialista, “é importante estabelecer limites saudáveis para garantir que a mudança seja positiva e construtiva. Algumas pessoas podem tornar-se demasiado flexíveis para garantir que o amor acontece. E é aí que, eventualmente, ao fim de algum tempo, tudo se desmorona”.
Mudar de cidade, de país ou de continente, mudar de emprego, mudar as rotinas e alguns hábitos pessoais é compreensível quando se pensa em construir uma vida a dois. Viver em casal implica sempre uma adaptação a uma nova realidade.
“Agora, será que conseguimos mudar em permanência o que nos caracteriza de forma profunda, o que está escrito no ADN, para agradar a alguém?”, questiona a psicóloga.
“Diz-se que, para encontrar o amor, em vez de procurarmos alguém, devemos antes fazer o que nos torna felizes. E, num desses momentos felizes, o amor acontece. Isto significa que o amor surge para acrescentar valor, para somar. Uma eventual necessidade de adaptação dos princípios e dos valores morais significa transformar estruturalmente a nossa essência”, acrescenta a diretora clínica da Kindology.
Desequilíbrios preocupantes
Há circunstâncias em que mudar é importante e até decisivo para o sucesso da relação.
“Compreendemos que há um lado melhor. E aí dá-se uma mudança natural que aceitamos de forma intrínseca e se torna parte de nós. Se, por outro lado, tivermos de impor a mudança, dificilmente conseguiremos viver com ela, porque estaremos constantemente a forçar um desvio daquilo que é o nosso percurso natural”, afirma Joana Namorado.
Nessa situação, corremos o risco de nos anularmos e deixarmos de ser fiéis a nós próprios. Portanto, de acordo com a psicóloga, “é essencial encontrar um equilíbrio entre fazer cedências por amor e preservar a própria individualidade“.
“Manter uma comunicação aberta e honesta com o parceiro é crucial. Aliás, é imperativo que ambos sejam colocados sempre em pé de igualdade e que, em caso de mudança, esta seja percebida como um ato que implica os dois elementos, sem dívida ou necessidade de compensação”.
Por outras palavras, ambos os membros do casal devem ter sempre em consideração que uma relação, qualquer que seja, requer cedências de parte a parte.
“Quando um dos elementos do casal é rígido no que às cedências diz respeito, torna-se difícil estabelecer uma relação equilibrada. Acontece que, por amor, um dos elementos pode ser mais flexível, tanto que pode gerar um desequilíbrio na personalidade e, justamente, deixar de ser fiel a si próprio, o que rapidamente escala para um problema de saúde mental e se revela na comunicação, no humor, no cuidado com o corpo, na motivação e numa série de outras consequências”, sublinha a diretora clínica da Kindology.