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Os perigos dos ecrãs para os mais novos

Os perigos dos ecrãs para os mais novos

Quão saudáveis são os aparelhos eletrónicos para as crianças? Hugo de Castro Faria, Coordenador do Centro da Criança e do Adolescente do Hospital CUF Descobertas, explica tudo sobre este tema.

Por Jun. 20. 2023

Não diabolizo os ecrãs, sejam de telemóvel ou computador. Também fazem parte da minha vida e da minha família, mas é fundamental estimular a reflexão e dar informação relevante para as decisões dos pais sobre a sua utilização. Ora leia.

Há poucos temas tão difíceis de abordar em consulta de pediatria como os “ecrãs” – uma preocupação dos pediatras e dos pais, conscientes da dificuldade real que existe na limitação do tempo que se passa à frente de um qualquer ecrã, numa sociedade onde são tão omnipresentes.

A forma orgulhosa como os pais descrevem as capacidades quase “inatas” do seu bebé nas primeiras interações com o telemóvel contrasta com a preocupação e a frustração dos pais de adolescentes e crianças mais velhas ao referir a dificuldade que sentem em retirar os filhos da frente do computador, da consola de videojogos ou do telemóvel – e ao descrever como a relação dos filhos com os ecrãs é disruptiva e perturbadora das relações familiares e da vida diária em família.

Não procuro diabolizar os ecrãs, que também fazem parte da minha vida e da minha família, mas é fundamental estimular uma reflexão e dar informação relevante que possam contribuir para as decisões de cada pai sobre a sua utilização.

A tecnologia não é uma opção, é uma realidade incontornável, mas podemos modelar e supervisionar a sua utilização pelos nossos filhos
Hugo de Castro Faria, Coordenador do Centro da Criança e do Adolescente do Hospital CUF Descobertas

Ecrãs e crianças pequenas

Uma preocupação crescente é a sua utilização por bebés pequenos. Nos primeiros anos de vida, a interação com adultos é fundamental para a aprendizagem da linguagem e da comunicação.

Este período é crucial uma vez que o cérebro está “receptivo” a esta aprendizagem e à criação das conexões de comunicações que persistem para o resto da vida.

O tempo passado à frente do ecrã retira oportunidades preciosas de interação. Diversos estudos recentes relacionam a sua utilização antes dos dois anos com um maior risco de atraso de linguagem.

Mesmo vídeos considerados “didáticos” não têm qualquer benefício e mantêm o risco. Por muito bom que seja o conteúdo, continua a ser uma visualização unidirecional, sem interação. E sabemos hoje que a interação, a comunicação com dois sentidos, é fundamental para o desenvolvimento da linguagem.

Como os ecrãs afetam a concentração

Outra competência fundamental no desenvolvimento das nossas crianças é a atenção e a concentração, que exigem estímulos do mundo exterior e tempo para serem integrados e processados.

Quando as crianças ouvem uma história lida por um adulto existe este tempo para o processamento e a integração de sons, imagens e palavras.

Por outro lado, o débito elevado de imagens e mensagens dos ecrãs impede este desenvolvimento das competências de atenção e foco.

Lembro-me bem, na minha infância, de momentos em que me senti aborrecido. Momentos em que não tinha estímulo externo imediato e em que tinha que usar a minha imaginação para criar brincadeiras, mundos imaginários ou em que me perdia nos meus pensamentos e sonhos.

Dentro de determinados limites, estes momentos são importantes. São momentos livres de estímulo, que obrigam as crianças a lidar consigo próprias, com as frustrações, estimulando a criatividade, o autoconhecimento e o controlo de impulsos.

Os ecrãs estão a invadir estes momentos e a retirar mais estas oportunidades de crescimento.

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Consequências do tempo de ecrã

Diversos estudos mostram também que um elevado “tempo de ecrã” reduz a capacidade da criança de interpretar “caras” e emoções transmitidas pelo rosto humano, dificultando o desenvolvimento de diversas competências sociais como a empatia.

É bem sabido que reduz a atividade física. Este é um dos maiores problemas de saúde pública do presente e do futuro, sendo urgente incentivar as nossas crianças a sair do sofá e a dar mais tempo a atividades que envolvam movimento e exercício físico.

A chamada geração Z – nascidos no final década de 90 – foi a primeira a passar pela adolescência com a omnipresença dos smartphones. Estes trouxeram às nossas vidas o acesso à internet 24 horas por semana e alteraram os hábitos cognitivos e sociais dos seus utilizadores de forma drástica.

Esta geração e a sua relação com o smartphone foi recentemente estudada pela ONG “Sapien Labs” num estudo que foi publicado este mês  – “Age of first Smartphone/Tablet and mental wellbeing outcomes”.

O referido estudo relacionou a idade em que os jovens tiveram o seu primeiro telemóvel ou tablet com vários indicadores de bem-estar mental e emocional na atualidade, uma vez que são já adultos jovens.

Revelou, por exemplo, que o bem-estar mental melhora significativamente quanto maior for a idade na obtenção do telemóvel. Este aumento é mais acentuado nas mulheres.

Mostrou, também, que problemas mentais como pensamentos suicidas, agressividade com os outros e a sensação de estar “desligado da realidade”, reduzem-se significativamente com uma maior idade em que se tem o primeiro telemóvel.

Conclusões

A tecnologia não é uma opção, é uma realidade incontornável, mas podemos modelar e supervisionar a sua utilização pelos nossos filhos.

Como disse, devemos evitar a utilização de ecrãs nos primeiros dois anos de vida e, depois, podemos permitir utilização mas apenas durante curtos períodos, com conteúdos bem selecionados, com qualidade didática – e acompanhados por adultos que possam ajudar a interpretar.

Após os 6 anos, podemos permitir um aumento de utilização, mas deixando claro quais os momentos e o tempo. É fundamental que os pais se mantenham atentos e façam parte da experiência “online” dos filhos, protegendo e incentivando que existam momentos livres de utilização. Uma educação para a utilização segura da internet e dos videojogos é mandatória.

Ao longo da adolescência a autonomia é crescente mas a vigilância tem que se manter e as regras de utilização devem ser relembradas. Em qualquer idade, os pais têm que se lembrar que o exemplo é um componente crucial da educação e, no que diz respeito aos ecrãs, é particularmente importante. O exemplo vem de cima.

Se dúvidas existirem, não hesite em abordá-las com o pediatra.