Os perigos dos ecrãs para os mais novos
Quão saudáveis são os aparelhos eletrónicos para as crianças? Hugo de Castro Faria, Coordenador do Centro da Criança e do Adolescente do Hospital CUF Descobertas, explica tudo sobre este tema.
Não diabolizo os ecrãs, sejam de telemóvel ou computador. Também fazem parte da minha vida e da minha família, mas é fundamental estimular a reflexão e dar informação relevante para as decisões dos pais sobre a sua utilização. Ora leia.
Há poucos temas tão difíceis de abordar em consulta de pediatria como os “ecrãs” – uma preocupação dos pediatras e dos pais, conscientes da dificuldade real que existe na limitação do tempo que se passa à frente de um qualquer ecrã, numa sociedade onde são tão omnipresentes.
A forma orgulhosa como os pais descrevem as capacidades quase “inatas” do seu bebé nas primeiras interações com o telemóvel contrasta com a preocupação e a frustração dos pais de adolescentes e crianças mais velhas ao referir a dificuldade que sentem em retirar os filhos da frente do computador, da consola de videojogos ou do telemóvel – e ao descrever como a relação dos filhos com os ecrãs é disruptiva e perturbadora das relações familiares e da vida diária em família.
Não procuro diabolizar os ecrãs, que também fazem parte da minha vida e da minha família, mas é fundamental estimular uma reflexão e dar informação relevante que possam contribuir para as decisões de cada pai sobre a sua utilização.
Ecrãs e crianças pequenas
Uma preocupação crescente é a sua utilização por bebés pequenos. Nos primeiros anos de vida, a interação com adultos é fundamental para a aprendizagem da linguagem e da comunicação.
Este período é crucial uma vez que o cérebro está “receptivo” a esta aprendizagem e à criação das conexões de comunicações que persistem para o resto da vida.
O tempo passado à frente do ecrã retira oportunidades preciosas de interação. Diversos estudos recentes relacionam a sua utilização antes dos dois anos com um maior risco de atraso de linguagem.
Mesmo vídeos considerados “didáticos” não têm qualquer benefício e mantêm o risco. Por muito bom que seja o conteúdo, continua a ser uma visualização unidirecional, sem interação. E sabemos hoje que a interação, a comunicação com dois sentidos, é fundamental para o desenvolvimento da linguagem.
Como os ecrãs afetam a concentração
Outra competência fundamental no desenvolvimento das nossas crianças é a atenção e a concentração, que exigem estímulos do mundo exterior e tempo para serem integrados e processados.
Quando as crianças ouvem uma história lida por um adulto existe este tempo para o processamento e a integração de sons, imagens e palavras.
Por outro lado, o débito elevado de imagens e mensagens dos ecrãs impede este desenvolvimento das competências de atenção e foco.
Lembro-me bem, na minha infância, de momentos em que me senti aborrecido. Momentos em que não tinha estímulo externo imediato e em que tinha que usar a minha imaginação para criar brincadeiras, mundos imaginários ou em que me perdia nos meus pensamentos e sonhos.
Dentro de determinados limites, estes momentos são importantes. São momentos livres de estímulo, que obrigam as crianças a lidar consigo próprias, com as frustrações, estimulando a criatividade, o autoconhecimento e o controlo de impulsos.
Os ecrãs estão a invadir estes momentos e a retirar mais estas oportunidades de crescimento.
Consequências do tempo de ecrã
Diversos estudos mostram também que um elevado “tempo de ecrã” reduz a capacidade da criança de interpretar “caras” e emoções transmitidas pelo rosto humano, dificultando o desenvolvimento de diversas competências sociais como a empatia.
É bem sabido que reduz a atividade física. Este é um dos maiores problemas de saúde pública do presente e do futuro, sendo urgente incentivar as nossas crianças a sair do sofá e a dar mais tempo a atividades que envolvam movimento e exercício físico.
A chamada geração Z – nascidos no final década de 90 – foi a primeira a passar pela adolescência com a omnipresença dos smartphones. Estes trouxeram às nossas vidas o acesso à internet 24 horas por semana e alteraram os hábitos cognitivos e sociais dos seus utilizadores de forma drástica.
Esta geração e a sua relação com o smartphone foi recentemente estudada pela ONG “Sapien Labs” num estudo que foi publicado este mês – “Age of first Smartphone/Tablet and mental wellbeing outcomes”.
O referido estudo relacionou a idade em que os jovens tiveram o seu primeiro telemóvel ou tablet com vários indicadores de bem-estar mental e emocional na atualidade, uma vez que são já adultos jovens.
Revelou, por exemplo, que o bem-estar mental melhora significativamente quanto maior for a idade na obtenção do telemóvel. Este aumento é mais acentuado nas mulheres.
Mostrou, também, que problemas mentais como pensamentos suicidas, agressividade com os outros e a sensação de estar “desligado da realidade”, reduzem-se significativamente com uma maior idade em que se tem o primeiro telemóvel.
Conclusões
A tecnologia não é uma opção, é uma realidade incontornável, mas podemos modelar e supervisionar a sua utilização pelos nossos filhos.
Como disse, devemos evitar a utilização de ecrãs nos primeiros dois anos de vida e, depois, podemos permitir utilização mas apenas durante curtos períodos, com conteúdos bem selecionados, com qualidade didática – e acompanhados por adultos que possam ajudar a interpretar.
Após os 6 anos, podemos permitir um aumento de utilização, mas deixando claro quais os momentos e o tempo. É fundamental que os pais se mantenham atentos e façam parte da experiência “online” dos filhos, protegendo e incentivando que existam momentos livres de utilização. Uma educação para a utilização segura da internet e dos videojogos é mandatória.
Ao longo da adolescência a autonomia é crescente mas a vigilância tem que se manter e as regras de utilização devem ser relembradas. Em qualquer idade, os pais têm que se lembrar que o exemplo é um componente crucial da educação e, no que diz respeito aos ecrãs, é particularmente importante. O exemplo vem de cima.
Se dúvidas existirem, não hesite em abordá-las com o pediatra.