Sempre que chega o fim de semana, Catarina Sousa ruma a Portimão com a cabeça cheia de planos para fazer render cada segundo junto do namorado. Invariavelmente, depois de dois dias intensos, regressa novamente a Lisboa onde trabalha numa empresa de telecomunicações.
Durante a semana, falam diariamente por SMS e as vídeochamadas noturnas também são frequentes. Há um ano que vivem assim, à distância, um namoro iniciado em 2020 sem sentirem que a separação semanal cause mossa na relação.
“O facto de falarmos e nos vermos todos os dias atenua a sensação de distância. Estamos sempre a par do que se passa na vida um do outro e no fim de semana aproveitamos ao máximo”, justifica.
O fenómeno da separação geográfica está longe de ser novo, claro. Emigração por motivos económicos e guerras sempre estiveram na origem de afastamentos familiares.
Os amores de verão são outro exemplo clássico a originar relações à distância e, mais recentemente, os confinamentos motivados pela pandemia de covid-19 também separaram geograficamente alguns casais.
Mas, se antigamente só podiam contar com as cartas manuscritas ou o telefone para comunicar, agora o Whatsapp, o Zoom ou Facetime alcançam a magia da proximidade como nunca.
A globalização até pode empurrar cada vez mais casais para cidades e países diferentes, contudo também traz as ferramentas que permitem atenuar a saudade facilmente.
Possível, porém, difícil
Ninguém disse que era fácil. Um inquérito recente feito por uma empresa de brinquedos sexuais norte-americana, a Sexual Alpha, estimava em apenas 31% as relações de longa distância bem-sucedidas com os parceiros a voltarem a reunir-se com sucesso.
“As relações à distância geram com frequência angústia e muitas pessoas sentem-se inseguras quanto à capacidade de gerir a saudade e a incerteza relativa à sobrevivência da relação”, nota a psicóloga e terapeuta de casal Catarina Lucas.
“Manterem-se presentes na vida um do outro, confiar, não permitir que a insegurança ou ciúme se intrometam, manter a capacidade de fazer planos em conjunto e até manter uma sexualidade ativa são alguns dos maiores desafios desta configuração afetiva.”
“Quando há filhos, é sempre mais difícil, pois compensar a ausência de um dos pais é uma tarefa hercúlea. A distância pode criar ausência e dano no desenvolvimento infantil e na vinculação. Gerir o dia a dia também tende a tornar-se mais difícil. Contudo, é importante avaliar o bem-estar da família como um todo e analisar as vantagens e desvantagens de continuar distante; se isso for uma decisão própria e não algo imposto e imutável, pode funcionar”, nota.
*Curiosidade
A possibilidade de traição ou de novo interesse afetivo por parte do parceiro é uma das inseguranças mais óbvias quando pensamos em viver longe da pessoa amada. No entanto, alguns inquéritos estimam que a taxa de infidelidade das relações à distância é similar à das presenciais (cerca de 22%).
Um sonho comum
Alimentar o sonho de um futuro juntos parece ser outro ingrediente-chave da equação. “É preciso continuar a sonhar e planear o momento em que se poderá estar junto a tempo inteiro. Um casal que deixa de sonhar e desejar isso pode ver a sua relação em risco. Há situações em que um dos elementos do casal alimenta a esperança de que o outro venha para perto, contudo, esse nunca foi o desejo da outra pessoa e a relação acaba após anos de vivência à distância”, alerta a psicóloga.
Mesmo quando os dois sonham com uma vida em comum, a resiliência face às dificuldades pode ser a chave.
Catarina Sousa e o parceiro aprenderam a viver desta forma. “Já pensámos várias vezes quanto tempo mais será viável continuarmos assim. Por um lado, a minha empresa não tem teletrabalho e o emprego dele, na área política, também não é compatível com uma vida noutro local. Estamos num impasse. Por enquanto, funciona, mas, se quisermos constituir família, sabemos que será inviável. Está tudo em aberto e temos esperança de que as circunstâncias possam mudar”, partilha.
Uma das vantagens das relações à distância é a melhoria da qualidade da comunicação, que tende a tornar-se mais consistente e profunda
Quando estar longe faz bem
Nem tudo são desvantagens. Parece até haver bastantes pontos positivos em relações com casas e rotinas separadas. Para alguns casais, com relações mais desgastadas, por exemplo, a distância temperada com reencontros frequentes pode ser um bálsamo.
Segundo um estudo, divulgado no Journal of Communication, pessoas com relacionamentos à distância tendem até a criar mais intimidade do que as que vivem próximas. Uma das razões é a melhoria da qualidade da comunicação, que nestes casos tende a tornar-se mais consistente e profunda, sem o peso das discussões triviais.
Miguel Fontinha conta-nos essa experiência. “Estive separado da minha atual mulher durante dois anos, em que nos víamos apenas de 15 em 15 dias. Namorávamos, eu estava em Bruxelas a trabalhar e ela em Portugal. Falávamos diariamente e fazíamos videochamadas. A saudade ia crescendo e o reencontro era entusiasmante. Ela acabou por ir viver comigo, pois a determinada altura sentíamos que a relação tinha de evoluir ou iria acabar. Hoje, com uma relação já consolidada, talvez fosse mais fácil manter a distância. Atualmente, vivemos juntos e temos um filho, mas paradoxalmente muitas vezes sinto que comunicamos muito menos e há mais desgaste na relação”, partilha.
Como realça Catarina Lucas, “a separação física permite que cada um dos parceiros cultive mais autonomia e liberdade no dia a dia e pode ser usada para potenciar a relação, tirando partido da saudade e alimentando o desejo de estar juntos. Afinal, quanto mais difícil a concretização da relação, mais desejada a mesma se torna”, lembra.
Talvez o segredo esteja em tirar vantagem da nossa configuração. Trazer um pouco de distância a uma relação cansada pode equivaler a sair da rotina. No caso de estarmos longe, desfrutar dos prazeres da antecipação do encontro e da liberdade acrescida.