Relações sem compromisso: até que ponto é que são saudáveis?
Os relacionamentos sem compromisso são comuns, mas só são positivos quando ambas as partes estão confortáveis. Quando não acontece, o fim é quase sempre a solução.
“Mais do que não querer um compromisso, não queríamos etiquetas na nossa relação, até porque quando nos conhecemos estávamos em processos de recrutamento para ir trabalhar para o estrangeiro, que ficaram adiados devido à pandemia. Os meses foram passando e a ‘não relação’ foi continuando, mas sem nunca assumirmos um namoro perante ninguém, nem mesmo para nós próprios”, conta Sofia, consultora.
À pergunta o que faltava para darem o passo seguinte, responde “talvez o recear que um compromisso estragasse o que tínhamos ou simplesmente o medo de falharmos. Vínhamos os dois de relacionamentos sérios e o envolvimento das famílias tinha tornado a separação ainda mais difícil”.
Certo é que, quando finalmente a ‘não relação’ acabou, Sofia sofreu com o afastamento ditado por uma mudança de país.
Esta é a história de Sofia, que, durante mais de um ano, manteve uma relação sem perspetivas de futuro, com a qual muitas outras pessoas se identificarão.
O ser humano procura afeto e validação nas várias relações
Uma realidade de hoje
Em tempos como os de hoje, de aplicações de encontros, flirts ocasionais e em que se põe cada vez mais em causa a monogamia, as relações sem compromisso são comuns, mas só são boas para quem vive bem com elas.
Para quem, por sua vez, deseja arduamente que se tornem um compromisso, os benefícios são claramente ultrapassados pelas desvantagens. Em qualquer um dos casos, pôr um ponto final nesses não relacionamentos tem muito que se lhe diga e pode ser difícil.
Como nos explica Catarina Lucas, psicóloga especialista em Sexologia e Terapia de Casal, tal acontece porque “as relações amorosas são um dos mais significativos relacionamentos que estabelecemos com outra pessoa, mesmo quando não se configuram como uma relação de compromisso. O ser humano procura afeto e validação nos vários tipos de relação que estabelece e, mesmo em relações de não compromisso, vamos procurando e obtendo isso”.
Como tal, não é de estranhar que, continua a especialista, “dependendo daquilo que recebemos nestas relações, assim como dos sentimentos que estabelecemos, terminar uma relação destas pode ser tão ou mais difícil do que terminar qualquer outra relação de namoro, casamento ou compromisso. Além disso, poderemos também criar expectativas, pelo que pôr um ponto final torna-se muito difícil. Em casos extremos, poderemos ainda falar de relações de dependência e vulnerabilidade emocionais que nos levam a ficar”.
Isto ou nada?
Quando é que as pessoas devem pôr um ponto final nas ‘não relações’? “Quando deixam de ser gratificantes, quando causam sofrimento, quando deixam de corresponder àquilo que desejamos ou quando sentimos que precisamos de algo diferente ou com maior comprometimento”, responde Catarina Lucas.
A especialista em Sexologia e Terapia de Casal acrescenta ainda que o mesmo deve acontecer “quando estamos neste tipo de relação não por ser aquilo que desejamos, mas porque é o desejo da outra pessoa. Muitas vezes, acabamos por ficar nestas relações por sentirmos que a outra pessoa não deseja comprometer-se, mas também não estamos dispostos a perdê-la”.
Quisemos, então, saber por que motivo é que as pessoas insistem em relações sem compromisso, quando na maior parte das vezes se sentem infelizes com as mesmas.
Catarina Lucas é perentória na sua opinião: “De forma muito simples e direta, porque sentimos frequentemente que mais vale esse tipo de relação do que nenhuma, que mais vale ter ‘aquela’ pessoa desta forma do que de nenhuma”.
Analisando esse comportamento, a também autora do livro Vida a Dois (Influência) assegura que “muitas vezes é um indicador de baixa autoestima e de um pensamento de desvalorização, como se não fôssemos suficientemente válidos para que alguém queira estar connosco sob a forma de um compromisso (seja ele qual for)”.
O ghosting gera no outro um sentimento de rejeição
Fim digno
Em muitos desses ‘não relacionamentos’, o fim chega sem aviso prévio, ou seja, a outra pessoa simplesmente desaparece de forma repentina e deixa de contactar a outra, fenómeno que é conhecido como ghosting e que é sempre negativo.
Como diz Catarina Lucas, “o dano que este comportamento provoca é grande, pois gera no outro um sentimento de rejeição, de desrespeito e de falta de valor. Todavia, as relações atuais são muitas vezes superficiais e a empatia está em desuso. Mesmo que seja um termo cada vez mais na moda, a verdade é que o praticamos cada vez menos. Somos cada vez mais autocentrados e individualistas e pouco preocupados com aqueles que nos rodeiam, logo, queremos resolver o nosso problema, mas nem sempre nos preocupamos com o impacto que isso terá no outro”.
Terminar um ‘não relacionamento’, para Catarina Lucas, deve seguir as mesmas regras de uma relação onde havia compromisso. Deve acabar “da mesma forma que qualquer outra relação amorosa, conversando com o outro, de preferência pessoalmente, numa atitude empática e mais centrada nos nossos motivos e não num apontar de dedo ao outro”.
Razões pelas quais pode ter dificuldades em assumir compromissos
- Valores e crenças: Cada pessoa tem diferentes formas de encarar a vida.
- Histórico das relações passadas: Se as experiências amorosas vividas anteriormente não correram da melhor forma, pode haver receio em assumir um novo compromisso.
- Medo: O receio de falhar pode fazer com que algumas pessoas prefiram nem tentar ter um relacionamento assumido.
- Incapacidade para tomar decisões: Há quem tenha dificuldade no processo de tomada de decisão em várias áreas da vida, incluindo as relações.
- Questões familiares: Dificuldade em gerir assuntos familiares também podem impedir compromissos.
- Manter a liberdade: Há quem simplesmente não queira abdicar da liberdade.
- Novas dinâmicas sociais: A sociedade está em mudança e isso faz com que se olhe para os relacionamentos de forma diferente.
- Taxas de insucesso nas relações: A taxa de divórcio e de separações é alta, por isso, há quem se questione se valerá a pena assumir um compromisso.