Quando Sandra (nome fictício) se divorciou, há quatro anos, o filho do casal, Tiago (nome fictício), tinha apenas 6 anos. A pensar no que era melhor para a criança, os pais decidiram optar pela guarda partilhada com residência alternada.
“Este foi um assunto que surgiu naturalmente entre os dois, já que o pai era tão presente na educação do Tiago quanto eu e não fazia sentido que fosse de outra forma”, explica Sandra. Assim, a criança ficou a viver uma semana com o pai e uma semana com a mãe, mantendo, dentro do possível, as mesmas rotinas diárias de quando vivia com os dois progenitores.
“Como achei que uma semana longe do meu filho era muito tempo, combinámos que as noites de terça para quarta seriam passadas em casa daquele que não estivesse com o Tiago nessa semana”, afirma. Também decidiram em conjunto que iriam jantar fora os três duas vezes por ano – no Dia da Criança e no aniversário do filho – e há flexibilidade de cada um em função das suas necessidades profissionais.
Conseguiram organizar-se de forma consistente e os eventuais castigos passam de uma casa para a outra, as regras e horários são os mesmos e, por isso, o sistema de residência alternada tem funcionado para todos, sobretudo para o filho.
O que precisa de saber sobre a residência alternada
Esta opção tem resultado porque o ex-casal se entende e pensa sobretudo no bem-estar do filho. Agora, será que funcionará igualmente bem para todos os casais divorciados se o sistema de residência alternada for a regra a aplicar?
Esta é uma dúvida partilhada por vários psicólogos quando questionados sobre os projetos-lei avançados pelo PS, PAN e CDS, que deram entrada no Parlamento para discussão, mas que não serão debatidos nesta legislatura por falta de agenda, segundo resposta oficial.
Isto faz com que tenham de ser apresentados novos projetos-lei na próxima legislatura. As propostas feitas colocavam a residência alternada das crianças como solução preferencial – ou seja, passará a ser a norma – nos casos de divórcio.
O que prevê o projeto-lei
Esta figura já existia na lei, associada à guarda conjunta dos menores, mas não era até aqui aplicada de forma prioritária. A sugestão partiu de uma petição lançada pela Associação Portuguesa para a Igualdade Parental e Direitos dos Filhos que reclamava, que, por defeito, os tribunais deliberassem, em todos os casos de regulação do poder paternal, a favor da residência alternada.
A proposta de lei prevê que os filhos habitem com os dois progenitores em períodos de tempo que não têm de ser exatamente proporcionais e que podem ir de 33 a 50%.
A Associação para a Igualdade Parental alega que, segundo uma sondagem realizada pela Netsonda em 2018, cerca de 70% dos portugueses defendem esta opção como a melhor para as crianças. E cita diversos estudos no mundo que mostram que este modelo diminui os conflitos e melhora a qualidade de vida dos miúdos, pois ambos os pais estão envolvidos na sua educação.
O Conselho da Europa recomendou aos Estados-Membros a transposição deste regime em 2015. França, Holanda, Suécia e Bélgica já legislaram nesse sentido.
Em Portugal, o Conselho Superior da Magistratura e a Procuradoria-Geral da República defendem esta transposição, mas, entretanto, várias vozes se levantaram contra este regime, entre as quais a Ordem dos Advogados e associações de apoio à vítima, como a APAV. Portanto, esta alteração é tudo menos consensual.
Será benéfico para todas as crianças?
Magda Gabriel, psicóloga clínica e especialista em Psicologia Clínica e da Saúde, vê esta alteração com algumas reservas.
Concorda com o facto de que atualmente a norma de a criança ficar com um dos progenitores, geralmente a mãe, é penalizadora para a criança, que deixa de conviver com o outro, que fica apenas com o direito a visitas quinzenais.
Mas tornar regra a residência alternada pode não ser a melhor decisão para todos. “Penso que terá de haver cautela e a situação deve ser avaliada caso a caso. Teremos de analisar se realmente é o melhor para a criança”, refere.
Magda Gabriel afirma que para a resolução ser a mais acertada deveria haver psicólogos a auxiliar a decisão dos tribunais, com um acompanhamento personalizado.
Uma coisa é certa, este regime é sem dúvida benéfico para os pais, que obviamente poderão partilhar e acompanhar mais de perto a vida dos filhos. Mas será que as crianças preferem realmente andar de casa em casa?
No caso das crianças mais pequenas, habituam-se rapidamente, mas se forem adolescentes, terão a mesma vontade de deixar a casa habitual, os amigos da rua, as suas rotinas? São tudo questões que esta solução levanta e que terão de ser muito bem ponderadas.
“Entendo que há muitas coisas a serem ponderadas e por isso é importante fazer as perguntas certas, para que os juízes possam tomar as decisões certas”, afirma Magda Gabriel, especialista em Psicologia Clínica e da Saúde.
Para funcionar, são precisos divórcios amigáveis
De uma coisa não há dúvida: este regime só funcionará bem no caso dos pais que se entendem, que estão em sintonia. E esta é a parte mais difícil. Os divórcios – neste momento já atingem cerca de 70% do total de casamentos em Portugal, uma das taxas mais altas da União Europeia – são, na maioria dos casos, processos muitos dolorosos, com situações mal resolvidas e rancores mútuos, que podem colocar as crianças no meio do confronto.
Horários diferentes nas duas casas, hábitos igualmente díspares – numa come sempre a sopa, noutra só come se quiser, por exemplo – poderão trazer alguns distúrbios emocionais ou mesmo uma tendência para a manipulação.
E mais: uma semana em casa da mãe, a ouvir críticas em relação ao pai ou à forma como faz as coisas e outra semana em casa do pai, igualmente a ouvir as mesmas queixas poderá trazer alguns transtornos a esta geração de crianças, já apelidada de ‘mochileiros’.