Nunca como hoje estivemos tão contactáveis, mas também nunca nos sentimos tão sozinhos.
Esta é uma verdade repetida vezes sem conta por pessoas de todas as idades e classes sociais. Mas ainda assim, para Ana Fernandes, professora catedrática de Sociologia, no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa, estamos longe de podermos dizer que vivemos na era da solidão.
O que acontece no presente é que “as condições sociais se alteraram face às sociedades tradicionais baseadas nas relações cara a cara e no interconhecimento. Se o padrão continuar a ser este no futuro, é possível que as relações sejam mais difíceis e maior o isolamento”.
Não confundir solidão e isolamento
Aqui é importante distinguir entre isolamento e solidão, pois são conceitos distintos. Segundo Madalena Lobo, CEO e psicóloga da Oficina da Psicologia, “o isolamento é algo objetivo, que pode ser observado em termos de dimensão da teia relacional de cada um e da regularidade com que as pessoas mantêm contactos com os outros. A geografia e os fatores relacionados com a vida ativa são fortes determinantes de um maior ou menor isolamento social” e este pode gerar a solidão.
Já a solidão “é um tema sentido, subjetivo, uma perceção individual. Rodeado de pessoas ou em isolamento físico, a solidão sentida por cada um apenas pode ser estimada pelo próprio”.
Mais autonomia, menos socialização
Na opinião de Daniel Sampaio, professor catedrático jubilado de Psiquiatria e Saúde Mental na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, são sobretudo as pessoas idosas que estão mais sozinhas “por várias razões: abandono por parte dos familiares, doenças físicas e mentais, conflitos relacionais…”
Por outro lado, não crê que “as pessoas jovens estejam mais sozinhas; hoje, contactam com todo o mundo”.
Já Ana Fernandes acredita que nas sociedades contemporâneas vivemos mais sós, mas também com maior autonomia face à família. “Mas viver mais sozinho não é, por si só, promotor de solidão”.
Para a socióloga, hoje em dia cada um de nós é “mais independente face aos outros, mais autónomo, e esta condição social pode acarretar dificuldades. Não temos tanta necessidade dos outros, a vida social proporciona um estilo de vida em que podemos viver sem familiares, amigos e colegas de trabalho”.
A era digital pode ser difícil
E será que a era digital em que vivemos, onde por vezes falta uma rede de vizinhos, família e amigos, contribui para o problema? Para a socióloga, não é pela era digital, mas sim “pelo estilo de vida e pela capacidade de podermos ter independência e autonomia.
Também as instituições se tornaram distantes e despersonalizadas. A vida urbana atomiza os indivíduos, que ficam espartilhados em diferentes universos relacionais. Digamos que temos condições para ficar mais isolados numa grande cidade, onde as distâncias são difíceis e a organização dos tempos estereotipada”.
Na sua opinião, sem estratégias que promovam “a proximidade, o convívio e as relações vamos cair em isolamento com facilidade”.
Daniel Sampaio realça que os telemóveis e as redes sociais “são agora importantes veículos de comunicação e nos mais novos facilitam a comunicação. No entanto, nos mais velhos, que dominam mal as novas tecnologias, podem servir de barreira entre as gerações”.
Este cenário atual é uma evolução contrária à nossa natureza, uma vez que somos uma espécie social com um cérebro social, como explica Madalena Lobo: “tudo em nós está preparado para precisarmos de outros seres humanos com o mesmo tipo de necessidade que temos de ar, comida ou água. Quando se instala o isolamento e a solidão, todas as dimensões da saúde física e psicológica se ressentem, das mais diversas formas. Por vezes, a solidão afeta o sono, fragmentando-o. E o sono afeta tudo o resto”, sublinha a psicóloga.
Os perigos da solidão
Apesar de a neurociência dizer que a solidão é um mal necessário para o cérebro recuperar de algo que não está bem – tal como a dor física é uma forma de aquele órgão dizer ao corpo que existe um problema –, é um risco deixar a situação arrastar-se até se instalarem problemas como a depressão e a ansiedade.
Daniel Sampaio defende mesmo que a solidão é um “fator de risco para a doença física e mental. O nosso cérebro precisa de ser sempre estimulado. O envelhecimento pode conduzir a um cérebro com atrofia que, se não for estimulado, poderá ficar com menor capacidade cognitiva, sobretudo a nível da memória”.
Um estudo liderado por Gillian A. Matthews, investigadora do Simons Center for the Social Brain, nos Estados Unidos da América, descobriu que a solidão afeta não só o equilíbrio emocional, como altera o funcionamento cerebral.
As pessoas mais solitárias têm problemas cognitivos, de concentração e de memória. Porquê? Os investigadores descobriram que o isolamento social afeta a ativação de dopamina e serotonina, responsáveis pelas sensações de bem-estar enviadas para o cérebro.
A genética conta
Segundo pesquisas conduzidas por John Cacioppo, fundador e diretor do Centro para a Neurociência Cognitiva e Social, na Universidade de Chicago, e um dos maiores peritos em solidão nos Estados Unidos, a solidão pode estar intimamente relacionada com aspetos genéticos e com o ADN. Segundo este investigador, as pessoas que se definem como solitários crónicos têm padrões distintos de atividade genética, a maioria envolvendo o sistema imunitário.
John Cacioppo alerta ainda para o facto de pessoas com falta de autoestima acreditarem que não são merecedoras da atenção dos outros. Isso pode levar a um isolamento e solidão crónicos, que têm uma série de efeitos negativos na saúde física e mental, como os referidos atrás.
A socióloga Ana Fernandes lembra que “o sentimento de solidão tem uma dimensão de sofrimento pela ausência de afeto e proximidade do outro ou de alguém que nos aconchegue o espírito. Este, sim, pode levar à tristeza estrutural e à depressão.”
A psicóloga Madalena Lobo não tem dúvida ao afirmar que “a solidão e o isolamento social encurtam significativamente a expectativa de vida, com um risco de mortalidade que supera muitos dos riscos mais conhecidos, como a obesidade. Nos meios científicos, já há quem fale numa epidemia de solidão e recomenda-se que esta seja avaliada como parte integrante das consultas de check-up”.
7 dicas para lidar com a solidão
1. Coloque as relações familiares e sociais no topo das suas prioridades;
2. Organize a agenda de forma a deixar um espaço diário dedicado ao convívio e contacto social, seja um almoço com amigos, um jantar de família, um telefonema a um familiar distante ou encontros com amigos aos fins de semana;
3. Tenha em mente que as relações se cultivam no dia a dia, tal como as plantas. Se regar as suas plantas apenas de dois em dois meses é difícil que se mantenham de boa saúde;
4. Estabeleça um lugar e um tempo para todos os níveis de intimidade: família, amigos do peito, bons amigos, amigos das saídas à noite e até meros conhecidos. Todos estas relações são importantes para si e merecem a sua atenção.
Não fique por aqui…
5. Procure situações em que a interação social seja importante, sobretudo se o tempo não for muito. Por exemplo, em vez de ir ao cinema, prefira um jantar com amigos. O tempo é um recurso escasso. Use-o da melhor forma
6. A ciência já demonstrou que a generosidade, a gratidão e o apoio aos outros são fundamentais para uma boa saúde física e psicológica. Além disso, promovem boas relações interpessoais.
7. Fale e partilhe o que para si é importante. A reserva até pode ser recomendável em certos círculos sociais. Porém, há círculos mais íntimos em que falar sobre o que nos deixa acordados à noite é importante para o bem-estar.
Fonte: Madalena Lobo, CEO e psicóloga da Oficina da Psicologia.
Já alguma vez se sentiu sozinha? O contrário também acontece. Há quem não consiga estar só, descubra porque é que isto acontece.