Ao longo do tempo, vamos ouvindo, aqui e ali, várias teorias sobre comida e restaurantes, que nos deixam, por vezes, de pé atrás em relação a alguns espaços. Mas será que se justifica?
Perguntámos a quem conhece intimamente a área e trazemos-lhe as respostas.
A boa comida é o único aspeto importante para o sucesso de um restaurante.
MITO
“A boa comida é o aspeto mais importante e é para isso que todos trabalhamos todos os dias, mas não é o único. A comida tem de marcar a diferença pelas melhores razões e estas, para nós, estão sempre ligadas ao desperdício zero.
Temos feito muito trabalho de pesquisa e desenvolvimento nesta área, mas tudo o resto conta: o serviço, a decoração, a música, o ambiente… Sempre pensámos no Fava Tonka como um todo em que todos os pormenores contam.
Só assim conseguimos oferecer uma experiência única e fazer com que os clientes voltem”, realça Nuno Castro, chef do restaurante vegetariano de Leça da Palmeira.
Os empregados não têm de conhecer todo o menu.
MITO
“Claro que têm de conhecer o menu e têm de saber explicá-lo aos clientes. O serviço de sala é uma continuidade da cozinha; a mensagem tem de ser a mesma e tem de ser bem passada.
A sala tem de provar, saber o que está a servir e, sobretudo, saber o que está dentro daquele prato e como foi feito.
A cozinha do Fava Tonka é aparentemente simples, mas existem muitos passos e muitas horas de preparação até o prato chegar à mesa. Só assim os clientes poderão perceber que um prato aparentemente simples, como o gaspacho, legumes da horta e tosta de queijo da ilha levou muitas horas a preparar.
Claro que não explicamos o prato com todos os pormenores ao cliente, mas, se for alguém interessado, o serviço de sala deverá ter capacidade para o fazer”, garante Nuno Castro, chef do Fava Tonka.
O marisco só pode ser comido nos meses com ‘r’.
MITO
“Agora é um mito. O que levou a esta ideia foram os problemas de conservação que havia em tempos, devido ao aumento de temperatura. Hoje, com o desenvolvimento da refrigeração, esse problema não se coloca.
O verão é uma altura em que há mais toxinas e os bivalves são muito sensíveis, mas com o desenvolvimento da ciência e das leis, podem-se comer em qualquer altura”, garante Miguel Nunes, proprietário da Nunes Real Marisqueira.
Não se deve comer peixe à segunda-feira.
MITO
“É um mito criado na altura em que não havia grandes condições de conservação, não havia frigoríficos nem os equipamentos que hoje existem para manter o peixe em perfeitas condições”, refere Miguel Nunes, proprietário da Nunes Real Marisqueira, em Lisboa.
As estrelas Michelin são um garante de qualidade
VERDADE
“As estrelas Michelin são um reconhecimento não só da qualidade da comida, mas também do serviço, da equipa de sala, dos vinhos, do ambiente…
Há um grande trabalho envolvido que deve ser destacado, por isso, os restaurantes que se esforçam por estar a alto nível valorizam tanto a possibilidade de receber uma estrela”, descreve Filipe Carvalho, chef executivo do Fifty Seconds Martin Berasategui, o restaurante da Torre Vasco da Gama, em Lisboa, que ostenta uma estrela Michelin.
Mariana Pinheiro, diretora do restaurante Casa da Calçada, em Amarante, que tem uma estrela Michelin, mas que está encerrado para obras, e agora lidera o Real by Casa da Calçada, no Porto afirma que estas “são atribuídas por inspetores qualificados, conhecedores profundos da arte de cozinha e bem servir, portanto estas estão associadas a níveis de qualidade de comida e serviço elevados.
Depois, como em todos os restaurantes, é um balanço entre expectativa de experiência do cliente, gosto pessoal e relação qualidade-preço”.
Restaurantes de alta-gastronomia só servem porções pequenas.
MITO
“Na alta-gastronomia, trabalhamos com menus de degustação com vários pratos, dos aperitivos aos petits fours; são uma oportunidade de o cliente experimentar diferentes técnicas, produtos e sabores ao longo de uma refeição.
Os menus são pensados para que o cliente desfrute de todos os pratos, com quantidades equilibradas e para que fique satisfeito. Quando o cliente opta por comer à carta, as porções são ajustadas para conseguir a mesma satisfação com aquele prato”, explica Filipe Carvalho, chef executivo do Fifty Seconds Martin Berasategui.
É possível arranjar mesa num restaurante
DEPENDE
“Sim, é possível, basta ir num horário menos comum. Pela minha experiência, mesmo nos restaurantes que estão sempre cheios, há uma hora mais calma do dia.
Quando é mesmo obrigatório fazer reserva, então, ainda que tenhamos de esperar um ano, acaba por fazer sentido aguardar”, defende Pedro Sousa, chef do restaurante O Jardim, em Lisboa.
Mariana Pinheiro, diretora do restaurante Real by Casa da Calçada, no Porto, diz que “as reservas antecipadas são o melhor truque para garantir mesa, mesmo em restaurantes que estão sempre cheios.
Mesmo que fique em lista de espera por não existir disponibilidade no momento, há sempre cancelamentos. As políticas de atribuição de mesa variam de restaurante para restaurante.
É quase uma aritmética cuidadosamente gerida pelas entidades, em que se contemplam reservas, horários atribuídos, fluidez de serviço e equipa a trabalhar. No Real, quando dizemos que estamos cheios, já esgotámos todas as possibilidades possíveis e imagináveis.”
Os chefs mais conhecidos nunca estão na cozinha.
DEPENDE
“Varia de projeto para projeto. Alguns chefs têm mais do que um espaço a seu cargo e é impossível estarem em todos ao mesmo tempo. O mais comum, diria, é esses chefs estarem a assumir a posição que, na gíria, intitulamos por roda.
Basicamente, estão na zona de empratamento, a garantir que as suas ideias, técnicas e sabores são transportados para o prato que vai sair da cozinha”, sublinha Mariana Pinheiro, diretora do restaurante Real by Casa da Calçada.
Os primeiros turnos num restaurante são melhores que os posteriores.
MITO
“Não quero acreditar nisso. Aliás, digo sempre à minha equipa que o cliente número um e o número 100 devem ser tratados de igual forma, com o mesmo sorriso e com o mesmo serviço ou, se possível, até melhor, visto já estamos ‘com o aquecimento feito’.
Esse mito foi perdendo atualidade ao longo dos tempos e ainda bem”, realça Pedro Sousa, chef do restaurante O Jardim.
Mariana Pinheiro, diretora do restaurante Real by Casa da Calçada, confessa que “os primeiros turnos permitem ter uma refeição com menos barulho e existe mais flexibilidade para alterar a mesa que lhe foi atribuída se não for do agrado”.
Mas, “a nível de serviço, é expectável que não existam diferenças significativas entre turnos”, frisa.
Restaurantes com fila à porta são sempre bons.
MITO
“A fila não é sinónimo de qualidade. Normalmente, é um bom indicador, no entanto, a procura pode ser apenas motivada por um preço apelativo, tendências, falta de oferta nas proximidades ou má gestão de reservas“, refere Mariana Pinheiro, diretora do restaurante Real by Casa da Calçada.
Pedro Sousa, chef do restaurante O Jardim, diz que não: “De todo. Infelizmente, ainda há poucos meses estive em Paris e fui a um restaurante que me havia sido recomendado e que tinha uma fila de mais de 2 quilómetros à porta. Esperei para entrar e posso dizer que foi uma perda de tempo”.
Não vale a pena dar um vinho a provar, pois a maioria das pessoas não tem conhecimentos vínicos.
MITO
“O vinho deve ser sempre dado a provar ao cliente, independentemente dos seus conhecimentos vínicos. Só ele poderá avaliar se o vinho está de acordo com as suas expectativas para aquele momento.
Mesmo que tecnicamente o vinho não tenha nenhum defeito, o cliente com mais ou menos conhecimentos tem o direito a ter sua opinião sobre o vinho.
No final das contas, é ele que o vai beber e deve ter a melhor experiência possível”, refere Marc Pinto, sommelier do Fifty Seconds Martin Berasategui.