Rir pode ser a cura para muitos problemas
E se rir for menos fruto do humor do que da nossa necessidade de nos relacionarmos uns com os outros? E se o riso puder curar quase todas as doenças no futuro? Os caminhos da ciência à procura do que nos faz rir e do que rir nos faz são surpreendentes e… muito divertidos.
O riso é comum a todos os seres humanos, independentemente da geografia que habitam, da religião que praticam ou de tantos outros aspetos que tendemos a encontrar para nos diferenciarmos uns dos outros. Ninguém nos ensina a rir e, no entanto, fazemo-lo quase todos da mesma forma ou, pelo menos, de forma parecida: abrimos a boca, movemos o corpo todo, às vezes estremecemos de forma incontrolável.
Bem, é verdade, há risos tão estranhos – como o de Denver na série La Casa de Papel – que se tornam uma assinatura da personalidade… Mas todos reconhecemos uma gargalhada como uma gargalhada, por mais estranha que nos pareça. E conseguimos até distinguir no contexto do real quando uma gargalhada é forçada de quando é genuína – na ficção, a coisa funciona de forma ligeiramente diferente.
O riso, do ponto de vista fisiológico, é uma expiração rápida, impulsionada pelo diafragma. Os linguistas afirmam que é talvez o som mais básico entre os humanos e que é possível inclusivamente rir sem som vocal – mas apenas quando ainda detemos algum controlo no impulso de rir… e isso não é coisa que aconteça em todos os risos.
Rir: como acontece e porquê
O riso parece ser espontâneo, fazer parte da condição humana e, no entanto, é uma das expressões da humanidade mais desconhecidas da ciência. A base neurológica do riso ainda está por desvendar.
Vários estudos apontam para a existência de diversas partes do cérebro envolvidas no riso, das quais se destaca o sistema límbico, que está relacionado com as emoções – é ali que sentimos o amor e a paixão e também o ódio. Porém, talvez o mais assombroso de tudo seja que a zona do cérebro onde estão localizadas faculdades como a tomada de decisão e o autocontrolo está desligada quando o riso espontâneo acontece.
É porque o lobo frontal está desligado que abrimos a boca e estremecemos sem parar enquanto vamos aumentando o volume do som vocálico, do ‘ah ah ah’ ou do ‘eh eh eh’! É uma surpresa. O riso parece estar mais ligado à criação de laços sociais do que ao humor.
O humor cria uma espécie de riso da inteligência que, como escrevia Henri Bergson, em 1889, “por mais espontâneo que [o] suponhamos, o riso pressupõe entendimento prévio”, ou seja, o humor precisa de um denominador comum entre as pessoas que o produzem e ouvem para que o riso aconteça.
O prémio Nobel da Literatura em 1927, que desenvolveu uma extensa obra filosófica, ocupava-se no final do século XIX do cómico, do humor, das razões culturais do riso, inscrevendo-se na tradição dos grandes pensadores que se dedicaram ao tema, a começar por Aristóteles, com a sua Poética.
Mas apesar de ignorar as conclusões que hoje a neurociência tira todos os dias, Bergson já dava pistas para a índole socializante do riso – disse ele que o riso pressupõe “cumplicidade com outros que riem, reais ou imaginários.”
Um instrumento social
Esta ideia de entendimento de grupo e, portanto, de fator sociabilizante acabará por ser confirmada por vários estudos das ciências positivas já no fim do século XX e neste princípio de século XXI. Sabe-se hoje que o riso é um instrumento social fundamental. Em média, um adulto ri 17 vezes por dia e poucas dessas vezes estão relacionadas com piadas (na verdade apenas uma em cada cinco).
Na Universidade de Maryland, nos EUA, já nos idos de 1990, cientistas como Robert Provine observaram 1200 pessoas no seu dia a dia e concluíram que 80% das vezes que essas pessoas se riram, fizeram-no a dizer frases tão banais como “Onde é que estiveste?” ou “Gostei muito de te conhecer!”. O riso funcionava quase sempre como um fator de união entre pessoas e outra prova do seu carácter social foi declarado no mesmo estudo, que afirma: “quando estamos em grupo, temos 30 vezes mais probabilidade de rir do que quando estamos sozinhos”.
Um vírus comportamental
Quando conhecemos e gostamos das pessoas que nos rodeiam, o riso espontâneo ainda é mais contagioso. O riso é tão social e correlacional que acaba por ser contagioso, tal e qual como uma doença.
Aliás, em 1962 foi documentada na Tanzânia uma epidemia de riso. O caso, que ficou conhecido como omuneepo (doença do riso em suáili, a língua local), começou com três alunas de um colégio interno a rirem desalmadamente e atingiu centenas de pessoas dias depois, levando ao encerramento de escolas e serviços públicos naquele país.
Será que o riso pode ser visto como uma espécie de vírus comportamental? Terão todas aquelas pessoas desligado o lobo frontal para serem contagiadas pelo riso dos outros?
Espelho meu, espelho teu
Embora em menor escala, já todos tivemos episódios em que começámos a rir só de olhar para alguém a rir. Talvez determinadas gargalhadas sejam cómicas ou talvez o nosso corpo responda a um estímulo que está para lá do nosso alcance racional de entendimento, tal e qual como quando bocejam à nossa frente e somos tomados por uma vontade irreprimível de bocejar.
Na verdade, nos dois casos são os neurónios espelho que entram em ação. Este tipo de neurónio é fundamental para quase todos os processos de aprendizagem das competências básicas do ser humano e há algumas evidências científicas que apontam para que esse tipo de neurónio localizado no córtex pré-motor esteja mais ativo durante a infância e vá ficando menos reativo à medida que a idade avança.
Será por isso que bebés e crianças são mais suscetíveis de serem contagiados pelo riso do que os adultos e aqui, claro, também o lobo frontal ou o treino do autocontrolo fazem a sua parte. Será por isso também que as cócegas têm mais efeito nas crianças do que nos adultos.
Os diferentes tipos de riso
Para Sophie Scott, que estuda Neurociências Cognitivas da Comunicação Humana na University College London, há dois tipos fundamentais de riso: o riso incontrolável ou involuntário, o mesmo tipo a que chamámos até agora espontâneo, e o riso que é comunicativo, ou seja, cuja introdução no discurso já tem um valor qualitativo sobre o discurso que está a ser proferido.
Numa TedTalk de 2015 intitulada Por que é que rimos?, a neurocientista chega a afirmar que o riso é tão primitivo que se parece com um chamamento animal e que não nasce do humor – é na necessidade de estabelecer relações de grupo que está na sua origem.
Scott também acredita, baseada nos estudos de atividade cerebral que desenvolve, que há duas origens neurológicas do riso e dois caminhos para que ele se materialize numa gargalhada. Os dois tipos chamam-se riso, mas a gargalhada espontânea é mais longa, é mais aguda e sobe a tons que não conseguimos reproduzir mesmo se quisermos, isto porque a caixa torácica se aperta involuntariamente, violentamente, sem controlo. No riso premeditado, nasalamos, exalamos o ar e controlamos em absoluto a sua duração.
Os seus subtipos
É claro que, depois desta grande divisão, é possível encontrar subtipos de riso. Há quem se ria de forma sarcástica quando está em vantagem sobre outra pessoa e anuncia essa posição de superioridade através do riso – mesmo que pareça antissocial, uma vez que estará a rir-se sozinha, está a mostrar aos demais o seu papel no grupo.
Há quem se ria durante uma discussão para fazer uma pausa, ganhar tempo e recuperar a compostura e os argumentos. Há quem ria de medo – ao ver um filme de terror ou numa situação real como ter um furo numa estrada deserta a meio da noite; tendemos a rir para nos descentrarmos do terror e aliviarmos esse sentimento.
As categorias
Apesar dos exemplos, que poderiam ser mais, o riso divide-se em duas grandes categorias: o espontâneo e o deliberado. A atividade cerebral ao ouvirmos os diferentes tipos de riso também é curiosamente diferente!
Quando ouvimos uma gargalhada involuntária, as áreas do nosso cérebro que são ativadas são as zonas dedicadas apenas ao ouvido, enquanto que, quando ouvimos um riso deliberado as zonas ativadas são as mesmas que registam atividade quando estamos a ouvir uma coisa sobre a qual temos de pensar. No entanto, afirma Sophie Scott, “o riso premeditado não é um riso falso e é um importante instrumento de sociabilização. O riso é sempre significativo”.
Afinal para que é que rimos? A neurocientista afirma que o riso é um importante regulador de emoções de grupo. Diz ela, referindo-se até aos momentos tristes ou dolorosos, como funerais, em que aparece alguém a tentar fazer rir os outros que esse é, talvez, o riso mais importante para a coesão do grupo. Diz ela que “se nos podemos rir disto juntas, podemos avançar juntas para o futuro”. Rir, para a investigadora, é um comportamento ancestral para nos fazer sentir melhor”.
Na saúde e na doença
Pode o riso funcionar como um regulador de dor? Pode. Está mais do que comprovado por estudos como os de Scott e de Provine que o riso transmite ao cérebro substâncias de prazer e essas vão contrariar os alertas de dor. O “comportamento ancestral para nos fazer sentir melhor” também tem efeito em situações de dor física aguda.
O riso, em determinadas situações, funciona como uma espécie de analgésico para o corpo. E se rir puder ter um efeito terapêutico em doenças graves e mesmo terminais?
Em 1979, Norman Cousins escreveu o livro Anatomia de Uma Doença, em que defende a existência de um poder curativo do corpo e que este reside sobretudo no riso. Atenção! Cousins não era nem foi um guru new age. Era um médico já conceituado, professor da Escola de Medicina da Universidade de Los Angeles e consultor e editor de revistas científicas. No livro, Cousins afirma repetidas vezes que as atitudes mentais dos pacientes têm muito a ver com o desfecho da doença e ilustra com exemplos retirados de relatórios clínicos.
A cura improvável
Anatomia de Uma Doença é um livro baseado na própria experiência de Norman Cousins enquanto doente. Em 1964, o médico viu-se a braços com uma infeção generalizada que lhe paralisou os movimentos e o levou a um estado crítico com um prognóstico terminal – “as minhas hipóteses de sobreviver eram uma em 500”.
Norman Cousins, que percebeu estar a ser vítima do extremo cansaço e do stresse da semana anterior àquela em que se revelou a doença, elaborou com o seu médico assistente um plano para dar emoções positivas ao corpo, o que se iria refletir num aumento de segregação de hormonas.
O plano passava por sair do hospital e ir para um ambiente mais confortável, para sentir amor e fé na cura e… vontade de rir, “enganando” o cérebro com sinais de felicidade e bem-estar. Para rir, o médico escolheu ver sem parar episódios de Candid Camera (uma série que passaria em Portugal nos anos 80) e filmes dos Irmãos Marx projetados na parede de sua casa, com as cortinas corridas.
Rir na saúde e na doença
“Funcionou,” relata o médico no livro Anatomia de Uma Doença. “Fiz a feliz descoberta de que dez minutos de gargalhada genuína tinham um efeito anestésico e me davam pelo menos duas horas de sono sem dor. Quando o efeito de acabar com a dor desaparecia, ligávamos novamente o projetor de imagens em movimento e, não raro, levava a outro intervalo de sono sem dor. Às vezes, a enfermeira lia para mim uma série de livros de humor.”
Os níveis da infeção foram diminuindo e o médico acabaria por se curar com este método, repondo os valores hormonais normais sem recurso a medicação.
Até hoje, por todo o mundo, vários estudos comprovam o que Cousins descobriu com o próprio corpo e fazem-no não apenas em doenças agudas como em doenças crónicas e até em medicina preventiva. Em 2015, por exemplo, um estudo conduzido pela Universidade de Seul, na Coreia do Sul, chegou à conclusão que as mulheres que riem são mais saudáveis. O estudo considerou uma amostra de mulheres de meia idade, pôs metade desse grupo a rir todos os dias em aulas de terapia do riso e, em consequência, os seus níveis de serotonina aumentaram consideravelmente face à outra metade.
A abundância de serotonina, uma substância segregada pelo nosso corpo que eleva as sensações de bem-estar e de calma, teve reflexos visíveis no corpo das mulheres que se riam: diminuiu a pressão arterial e o risco de AVC. A terapia do riso está agora a ser introduzida em vários sistemas terapêuticos por todo o mundo, sendo utilizada tanto como preventivo como paliativo para doentes de cancro, Alzheimer ou até em hemodiálise, com reflexos imediatos no bem-estar dos doentes.
O caminho para a felicidade
Rir faz bem ao corpo. E à mente? Claro! Também no departamento da saúde mental, existem vários estudos que afirmam que rir é a melhor terapêutica para lidar com a competição desenfreada, a pressão do sucesso e do consumo e as difíceis relações laborais. Lê-se no estudo Benefícios Terapêuticos do Riso na Saúde Mental, de Yim J., professor na Universidade de Sahmyook, na Coreia, que “o riso ajuda a superar do stresse” e que “a terapia do riso é um tipo de terapia cognitivo-comportamental que pode transformar as relações físicas, psicológicas e sociais saudáveis, melhorando a qualidade de vida.
A terapia do riso, como tratamento alternativo não farmacológico, tem um efeito positivo na saúde mental e no sistema imunológico.” A razão é aparentemente simples e hormonal: o riso diminui a secreção das hormonas reativas ao stresse como o cortisol e a epinefrina; o riso aumenta os níveis de noradrenalina, dopamina e serotonina, que são baixos quando a depressão se instala; as endorfinas segregadas pelo riso podem ajudar quando as pessoas se sentem desconfortáveis ou deprimidas; o riso aumenta a função cardiovascular, fortalecendo os sistemas imunológico e endócrino.
Já que não é um fármaco, o riso mostra ser o aliado perfeito da psicologia e da psicoterapia. Pedro Brás, fundador da Clínica da Mente, acaba de lançar o livro Feliz para Sempre, em que oferece a sua visão sobre os seis pilares para a construção da felicidade. E se o riso não faz parte integrante do processo que descreve no livro, explica numa entrevista por e-mail que “o riso e o sorriso são manifestações físicas do bem-estar e do divertimento. Quem é feliz sente-se bem e com mais vontade de se divertir,” ou seja, neste caso, o riso é visto como expressão do bem-estar físico e da plenitude interior.
A influência do riso
É inevitável pensar no efeito bola de neve – quanto mais feliz for, mais me rio e, quanto mais me rir, mais feliz vou ser. Pedro Brás continua: “É sabido que o corpo é influenciado pela mente, mas também que a mente é influenciada pelo corpo. Assim, compreende-se como as terapias do riso têm uma influência tão positiva no nosso estado mental. Quando as pessoas alteram a sua postura corporal, a mente reage da mesma forma. Quando nos rimos, mesmo que seja provocado, entramos num estado de bem-estar e de harmonia. A mente concentra-se no riso e no bem-estar que este provoca, substituindo esses sentimentos por outros que nos estavam a perturbar”.
É por isso que o autor de Feliz para Sempre confia no adágio popular: rir é o melhor remédio e por isso foi a ele beber inspiração para o seu trabalho de sensibilização contra a medicalização excessiva com antidepressivos e ansiolíticos. “Tenho uma frase parecida que utilizo muitas vezes: ‘Sorrir pode não ser um medicamento, mas é mesmo o melhor remédio’.”
Para o psicoterapeuta, o que ele faz é “um tratamento que procura as causas da infelicidade das pessoas e, no final, quando as ajuda a superar as suas dificuldades, o primeiro sinal que se vê à distância é o sorriso de quem encontrou a sua paz e bem-estar.” O riso vem logo a seguir.
Quando o riso é patológico
Imagine agora que não consegue parar de rir ou que o faz sem nenhum estímulo externo, nenhuma ideia interior, nada que consiga identificar como gatilho dessa gargalhada… estará a ficar maluca? Não necessariamente, mas pode muito bem estar a desenvolver uma doença neurológica que se chama pseudobulbar. Calma. Não é assim tão simples de a apanhar.
A paralisia pseudobulbar é diagnosticada quando há um conjunto de perturbações como a desarticulação do discurso, a nasalização da voz e a dificuldade na deglutição, acompanhados por episódios de choro e de riso incontroláveis que aparecem sem razão e rapidamente se tornam espasmos.
A paralisia pseudobulbar é provocada por lesões isquémicas múltiplas, isto é, pela falta de irrigação sanguínea de pequeníssimas porções do cérebro localizadas no bulbo raquidiano. O que é interessante nesta doença é que ela é a prova cabal de que o riso existe desde que existem humanos e que é uma função vital.
Como é que esta afirmação pode ser sustentada? É que é no bulbo raquidiano, uma pequena parte do sistema nervoso que faz a ligação do cérebro com a medula, que são controladas funções tão fundamentais como respirar, bater o coração ou piscar os olhos. Quando o riso é afetado por uma lesão nesta ínfima porção do cérebro, podemos especular que o riso é tão essencial como o batimento cardíaco.
Os fundamentos do amor
Por falar em coração, Robert W. Levenson, formado em Psicologia Clínica e doutorado em Psicologia da Comunidade, tem dedicado a sua investigação ao amor entre casais duradouros.
Os primeiros trabalhos que publicou, na década de 70, tinham como objeto o efeito da respiração controlada no ritmo cardíaco e no bem-estar psicológico. Mas a pesquisa do psicólogo foi sendo encaminhada para temas de correlação afetiva.
Hoje, no Departamento de Psicologia e Personalidade que dirige na Universidade de Berkley, EUA, investiga sobretudo o amor, as relações longas, as razões e os sinais dos casamentos felizes. Num estudo em que acompanhou cerca de 200 casais ao longo de 20 anos, Levenson descobriu que os pares que riem juntos duram mais tempo.
Uma das chaves para o sucesso conjugal parece ser a capacidade que alguns casais demonstraram ao rirem durante as discussões que eram provocadas em laboratório. O estudo de Levenson colocava os casais numa sala e propunha-lhes, por exemplo, que descrevessem as características mais irritantes do outro na sua presença.
Quando o emissor ou o recetor da mensagem conseguiam rir-se durante estas conversas que poderiam tornar-se mais tensas, isso, normalmente, significava que a relação estava numa boa fase. Um “detesto que não sejas capaz de encontrar nada sozinho” soa na nossa cabeça de uma forma completamente diferente se for dito num tom neutro ou se tiver uma pequena gargalhada no fim. O riso aparece nos casamentos, outra vez, como um regulador emocional.
Sexo e riso, mais próximos do que imaginamos
Já sabemos que o riso é um regulador de interações sociais. E se, numa linha de pensamento evolucionista, o riso for um traço de personalidade que favorece a reprodução? Convenhamos, quando uma revista feminina nos interpela com um questionário sobre o que valorizamos mais num potencial parceiro amoroso, o sentido de humor vem logo à cabeça.
Será possível que, desde a alvorada dos tempos, o homem que nos faz rir leve a melhor sobre o rapaz musculado e bronzeado na hora de copular? Gil Greengross, professor de psicologia na Universidade de Aberystwyth, no Reino Unido, e que assina a deliciosa coluna Humor Sapiens na revista Psichology Today, acredita que há uma razão evolucionista para a seleção sexual dos parceiros através do humor e também para as diferenças entre características que homens e mulheres priorizam quando pensam teoricamente num parceiro para a vida.
“A teoria da seleção sexual,” explica Greengross, “afirma que, nas espécies que se reproduzem sexualmente, o sexo que investe mais na descendência será mais seletivo ao escolher um parceiro”. Para o psicólogo, as mulheres, por terem gravidezes prolongadas a nove meses a que se acresce o tempo de aleitamento e por terem um período reprodutivo menor em comparação ao dos homens e, portanto, um número potencial menor de filhos, são mais seletivas do que eles quando escolhem um parceiro sexual.
O que é que as mulheres querem?
“Essa assimetria no cuidado parental levou a uma forte competição intrassexual entre os homens que tentavam impressionar as mulheres com quem pretendiam acasalar.”
Greengross defende que tanto no tempo dos homens das cavernas como nos dias que correm, “uma das características mais desejadas quando as mulheres estão a selecionar um parceiro é a inteligência. Ser inteligente é muito valioso porque as pessoas inteligentes são mais propensas a terem sucesso na vida e ganharem recursos e status elevados. Em ambientes ancestrais (ou nas sociedades de caçadores-coletores de hoje), isto pode traduzir-se em ser um bom caçador. Hoje, a inteligência pode manifestar-se de muitas maneiras e o humor é uma delas”.
Neste departamento (na cama), as diferenças de género parecem verificar-se também durante o ato sexual. E o riso durante a cópula parece ser muito mais frequente entre as mulheres do que entre os homens, pelo menos assim nos diz o doutor Google.
Se juntarmos as palavras ‘mulheres + sexo + riso’, obtemos 190 milhões de resultados instantâneos, mas, se trocarmos a primeira palavra por homens, as referências baixam significativamente para os 100 milhões e, curiosamente, as primeiras entradas desta última pesquisa têm também mulher no título.
No entanto, a resposta para a pergunta “por que é que rimos durante o sexo?” é muito semelhante à descrição do riso espontâneo: rimos durante o sexo como forma de nos ligarmos ao outro, ativando o sistema límbico e desligando o lobo frontal onde está localizada a faculdade do autocontrolo. Isto significa que quem ri durante o coito ou o orgasmo está, muito provavelmente, no auge do prazer. Por isso, se for o seu caso, não se acanhe, ria à vontade!
Então e o humor?
Já sabemos que apenas uma em cada cinco vezes que rimos é resultado de humor. Foi Robert Provine que estabeleceu esse rácio depois de anos e anos a investigar os hábitos de riso dos americanos. E essa descoberta faz pensar que o humor (e sobretudo o humor verbal) não é assim tão importante para o riso. Mas será que essa proporção numérica quer dizer que nos rimos muito ou pouco de piadas e jogos de linguagem?
O dia normal de um português começa dentro do carro, a saltar de estação em estação de rádio, com alguma dificuldade em escolher qual das frequências ouvir: há horas certas para ouvir as notícias e depois seguem-se maratonas de risadas dentro das quatro paredes móveis. Nas filas de trânsito, é muito fácil observar quem está a ouvir a Antena 3, a Comercial ou a RFM. As rádios mais ouvidas do País apostam numa programação matinal cheia de grandes nomes do humor nacional para captar audiências.
Os que nos fazem rir
É preciso fazer a lista? Nilton, Nuno Markl, Vasco Palmeirim, Joana Marques… e Ricardo Araújo já anunciou o regresso às manhãs da rádio em janeiro. O humor dito é tão importante que até as seríssimas rádios de informação têm vários minutos dedicados à comédia em horário nobre – a Antena 1 tem sempre um bloco matinal com Maria Rueff; na TSF, ouve-se o António Raminhos logo a seguir ao bloco informativo das oito da manhã. O dia prossegue e há sempre alguém que diz uma piada no elevador, que conta uma história que faz rir junto à máquina do café, que se engana no que queria dizer e reforça isso até ter graça na secretária, que faz um simples, mas eficaz trocadilho ao abrir a porta.
No regresso a casa, está o Fernando Alvim na rádio, a televisão de sinal aberto tem humor logo a seguir ao prime time e o cabo está cheio de programas cómicos e séries para rir… Até a estoica National Geographic não desiste do programa Ciência da Estupidez – na verdade está já preparada uma nova temporada deste programa que demonstra as leis da física através da observação de quedas espalhafatosas e que é apresentada por um humorista.
O riso da TV e não só
A série de divulgação científica através do riso volta à televisão portuguesa a 28 de novembro. Talvez os portugueses se riam acima da média americana e a verdade é que humoristas do lado de lá do Atlântico constatam com espanto que este é um país que há muito largou os espartilhos do fado. No início da segunda digressão de Gregório Duvivier em Portugal, o ator brasileiro afirmava numa entrevista que: “Realmente as pessoas riem mais do que aquilo que eu esperava (…) Vocês são é festeiros e sorridentes. As pessoas riem muito e são muito calorosas (…). É bom as pessoas rirem de si mesmas (…). Vocês são muito autoirónicos. Há uma risada portuguesa muito engraçada que é uma risada de si mesmo. Vocês sabem rir de vocês próprios, tanto é que os portugueses adoram fazer piada com o País”. É verdade. Hoje é impossível imaginar a vida no Portugal contemporâneo sem humor.
Os filmes antigos e as comédias vanguardistas
O humor verbal fez parte da cultura e do dia a dia, teve lugares próprios de exposição e nunca foi classista. O humor teve palcos privilegiados junto de reis e perto do povo – as comédias de Gil Vicente eram tão apreciadas na corte como nas ruas; foi temido pelo poder político e pela Igreja durante o fim da monarquia e na 1ª República – basta pensar nos cartoons de Bordallo Pinheiro; foi usado para controlar as massas no Estado Novo – A Aldeia da Roupa Branca ou O Leão da Estrela são só dois exemplos de uma série de filmes geniais, mas comprometidos com a ideologia política vigente.
É impossível imaginarmos Portugal sem o humor. Em todas as épocas se escreveu com o intuito de fazer rir. E os processos mentais do riso são tão conhecidos de todos que talvez só isso explique que os textos de antigamente nos continuem a arrancar gargalhadas.
O que é que a faz rir? Conheça ainda o livro a Equação da Felicidade, que nasceu da perda de um filho.