De há uns tempos para cá, a palavra autocuidado é cada vez mais repetida e deveria estar bem interiorizada dentro de nós, mas será que está? Comecemos pela definição: “De forma resumida, autocuidado é qualquer ação que façamos de forma consciente, deliberada e intencional que reverta a favor da nossa saúde e do nosso bem-estar global”, afirma Helena Paixão, psicóloga.
Parece simples, não é? Contudo, na verdade, ainda descuramos muito o autocuidado. Isto acontece, porque, como diz a também autora do livro O poder do autocuidado (Nuvem de Ideias), vivemos “numa sociedade de ruído, de exigência, de cansaço em que a nossa atenção está constantemente a ser disputada por variadíssimos estímulos, parece que andamos quase sempre em estados de agitação e em contrarrelógio, o que impacta de forma negativa o nosso bem-estar e saúde, nomeadamente a mental, mas também pode dar origem a doença física”.
Além disso, continua a nossa entrevistada, “vivemos também numa sociedade na qual não somos muito educados para cuidar de nós e de olharmos para dentro. Somos, desde cedo, muito mais educados a olhar para fora, a agradar ao outro, a cuidar do outro e a ajudar o outro”. E não é que não o devamos fazer, mas é importante não nos esquecermos de nós próprios, até porque não é apenas positivo para nós, “mas todas as pessoas à nossa volta vão beneficiar”, afirma a psicóloga, que acrescenta que “autocuidado não é de todo egoísmo, nem um luxo. Cuidarmo-nos é autoconhecimento, é amor-próprio, é aumentarmos a nossa disponibilidade mental e emocional, não só para nós próprios como para os outros, para os nossos lhos, para os nossos pais, para a nossa profissão, para para todos os que estão ao nosso redor”.
Tudo começa na infância
Aprender tudo isto desde a mais tenra idade seria o ideal. “Se eu tivesse uma varinha de condão, uma das coisas que eu fazia de imediato era introduzir nas escolas uma disciplina de literacia emocional desde a primeira infância. Já existe em algumas, mas é muito residual”, garante Helena Paixão.
Na sociedade atual que potencia a exaustão, um dos problemas é a dificuldade de dizer não e estabelecer limites, e profissionalmente isso leva ao burnout. Como lembra a psicóloga, “Portugal é o país europeu com o maior risco de desenvolver este problema e o autocuidado permite-nos preveni-lo, pois deixamos de estar em piloto automático e começamos a observarmo-nos e a valorizarmos o nosso bem-estar ou mal-estar”.
Cuidar de nós sim, mas isso não significa que tenhamos de estar sempre felizes. “Isso não é possível, nem saudável”, afirma a nossa entrevistada, até porque se assim fosse não daríamos valor aos momentos bons. “Vivermos uma vida consciente permite- nos estar realmente mais presente no aqui e no agora, usufruir das coisas boas e prazerosas, conseguir gerir os desafios de uma forma mais saudável e eficaz e, acima de tudo, com mais resiliência e flexibilidade. Tudo recursos muito valiosos e protetores da nossa saúde mental”, salienta Helena Paixão.
De seguida, conheça os dez passos que a vão ajudar no autocuidado.
1. Autoconhecimento
O primeiro passo para o autocuidado é conhecermo-nos melhor. Temos de começar por “identificar as nossas forças de carácter e também as nossas zonas de vulnerabilidade, que todos, sem exceção, temos. Devemos perceber as defesas e couraças que fomos desenvolvendo ao longo do nosso crescimento, porque, se não nos conhecermos genuinamente, vamos ter mais dificuldade em amarmo-nos e em cuidarmo-nos”, diz Helena Paixão.
Às vezes só conhecemos partes do que somos e ficamos reduzidos a isso. “Quem tem uma parte ansiosa não se pode ver apenas como alguém muito stressado; tem de ver também o seu lado gentil, o lado divertido a parte proativa…”
2. Autocompaixão
Muitas vezes somos muito duros e severos connosco próprios e a autocompaixão é o contrário disso. “É a capacidade de sermos mais gentis e amorosos connosco mesmos”, explica a psicóloga. Na realidade, continua a especialista em Psicologia, “nós tendemos a ser muito mais compreensivos e empáticos com um amigo do que a sentir autoempatia ou autocompaixão e a acolher a nossa dor. Por exemplo, se cometemos um erro, o diálogo interno é mais negativo. Usamos expressões como ‘que estupidez’: ‘lá estou eu outra vez a fazer isto’; ‘sou sempre assim, faço sempre isto mal’; ‘não consigo’”.
A autocompaixão permite-nos reconhecer um erro e a desenvolvermos um diálogo interno mais saudável e mais empático: ‘Cometi este erro, não queria, de facto, mas o que é que eu posso retirar desta situação para não repetir o erro?’. Como diz Helena Paixão, a autocompaixão tem estes dois lados: o primeiro, que é fundamental, é o acolher a dor, o desconforto, o erro e a ansiedade, com um diálogo interno mais gentil e amoroso; o segundo é que nos impulsiona para a frente e nos faz pensar no que podemos fazer de diferente numa próxima vez”.
3. Praticar mindfulness
A prática de meditação “permite-nos estimularmos e treinarmos o nosso músculo da atenção para o momento presente, para o aqui e o agora, precisamente para abrandar um bocadinho a agitação, o corre-corre, não só exterior mas também interior, que ocorre na nossa mente”, explica a psicóloga. Passamos, demasiado tempo a pensar no futuro, “temos tendência a estar sempre a preocuparmo-nos com alguma coisa que não aconteceu” e a olhar para passado, ou seja, “para o que deveríamos ter dito ou feito”. “Isso pode gerar ansiedade”, explica a psicóloga, “e impede-nos de viver o presente”.
O minfulness ajuda-nos “a aproveitar e a desfrutar mais dos momentos bons, pois ajuda-nos a estar realmente presentes. Simultaneamente, quando surgem desafios, conseguirmos geri-los também com outra clareza e consciência. Conseguimos aceder a recursos internos mais saudáveis, de resiliência e de foco”, diz Helena Paixão.
4. Comunicação consciente
Para Helena Paixão, a comunicação consciente é muito importante, sobretudo na dimensão familiar e também na profissional. Devemos, por isso, “cultivar mais a comunicação assertiva e abrir os canais de comunicação, porque tudo isto vai ajudar-nos a utilizar recursos de autocuidado”.
A cultura profissional atual potencia muito situações de exaustão física e psicológica, “portanto, algumas práticas de respiração e micropausas conscientes ao longo do dia podem ajudar-nos a termos mais segurança e liberdade para também nos expressarmos melhor. Isto é algo que tem de ser cultivado”, afirma.
5. Equilíbrio entre a vida pessoal e profissional
No livro O poder do autocuidado, Helena Paixão escreve que, ao equilibrar estes dois campos, prevenimos a ansiedade, o stresse, a depressão, o burnout e outros problemas de saúde que daí advêm. Descansar permite que o corpo e mente recuperem das solicitações laborais, contribuindo para aumentar a energia e vitalidade. Além disso, fomenta a produtividade e criatividade para o desempenho da nossa profissão.
6. Sono, exercício físico e alimentação
É um trio de peso e, como refere Helena Paixão, a adoção de práticas e hábitos mais saudáveis é fundamental para cuidarmos de nós. “Dormirmos bem, praticarmos exercício físico e termos uma alimentação equilibrada são três pilares muito importantes, daí que devamos mobilizar recursos para o fazermos”, ensina a psicóloga.
7. Vida social
Como diz Helena Paixão, não é saudável estarmos excessivamente isolados. “É bom estarmos connosco e termos tempo de qualidade só connosco, mas é fundamental também termos a capacidade de cultivar relações interpessoais saudáveis.” O autocuidado social implica empatia, tempo para socializar e escuta ativa, mas também estabelecimento de limites e afastar as pessoas tóxicas que possam estar em nosso redor.
No livro O poder do autocuidado, a psicóloga pede especial atenção para as pessoas que julgam e criticam recorrentemente, que manipulam e que têm comportamentos abusivos e que ultrapassam os nossos limites.
8. Tempo para nós
Dedicarmo-nos momentos é essencial e, com esse tempo, podemos fomentar hábitos que são fonte regeneradora de bem-estar, de prazer e de lazer. “Há uma dimensão que nós, enquanto adultos, vamos esquecendo de cultivar, que é precisamente a do prazer e da diversão. As coisas que nos divirtem, que nos dão prazer, que gerem bem-estar, que nos façam sorrir e brilhar os olhos são muito importantes para o nosso autocuidado”.
Mas atenção, avisa, Helena Paixão, “o autocuidado é algo que é pessoal e intransmissível. Aquilo que funciona para uma pessoa pode não funcionar para outra. Mais uma vez é o autoconhecimento que nos vai dizer o que devemos fazer nesse tempo que temos só para nós”.
9. Não ter medo de ficar de fora
A psicóloga conta-nos que na sua prática clínica muitas pessoas relatam a sensação de sentirem estar constantemente a perder alguma coisa e, portanto, estão sempre a correr contra essa sensação. “É o fear of missing out. Parece que temos de estar sempre absolutamente incríveis e a mostrar as nossas vidas espetaculares nas redes sociais. O que eu noto é que muitas vezes, sem querer, vamos deixando de gerir isso de forma consciente. Ficamos reféns de tudo aquilo que vamos vendo e depois vamos alimentando esse tal ideal de perfeição. O que devemos lembrar é que temos vidas perfeitamente imperfeitas”, sublinha Helena Paixão.
10. Apostar no journaling
Também conhecido por escrita terapêutica, o journaling é uma forma de expressar os pensamentos, emoções e experiências que é benéfica para o bem-estar mental e emocional. No seu livro, Helena Paixão diz que os grandes benefícios são diminuir a ansiedade e o stresse, ampliar o autoconhecimento, ajudar a resolver os problemas, expandir a criatividade, aumentar a autodisciplina e estimular a gratidão.
Já pratica alguma destas dicas de autocuidado? Caso a resposta seja “sim”, fique a conhecer mais estas.