O aborto espontâneo é mais comum do que se imagina. Como pode acontecer no início da gravidez, pode ser confundido com a menstruação, anunciam os últimos estudos.
Mas como hoje em dia as mulheres estão mais informadas, acabam por ficar mais sensíveis a este problema, detetando-o com mais frequência.
De acordo com José Cunha, diretor clínico da AVA Clinic e especialista em ginecologia e obstetrícia, “cerca de 15% das mulheres que engravidam podem ter um aborto espontâneo”. Além disso, “75% a 80% destes abortos ocorrem até à 12ª semana de gestação, sendo que as perdas no 2º trimestre constituem os restantes 20%-25%”.
“Como o aborto espontâneo é uma das maiores adversidades da vida reprodutiva de um casal, deve exigir um acompanhamento médico particular e, por vezes, apoio psicológico e emocional, porque são frequentes os sentimentos de tristeza e culpa associados a este acontecimento”, defende.
O que é o aborto espontâneo?
Consiste numa perda da gravidez antes das 22 semanas de gestação ou na perda de um feto com peso inferior a 500 gramas, define José Cunha.
Causas deste tipo de aborto
Segundo o especialista, há várias causas que podem dar origem a um aborto espontâneo. São elas:
• Anomalias cromossómicas ou genéticas no embrião (responsáveis por 60%-65% dos casos do primeiro trimestre, aumentando com a idade da mulher);
• Infeções (Toxoplasmose, Sífilis, Citomegalovírus, Rubéola);
• Alterações anatómicas no útero (5%):
• Malformações congénitas (útero bicorno ou septado);
• Fibromiomas/sinéquias e polipos uterinos ;
• Incompetência cervical ou do colo uterino (causa de aborto do 2º trimestre e pode ser prevenido com uma operação denominada “Cerclage” cervical)
• Alterações endócrinas/metabólicas (hipotiroidismo, diabetes, hiperprolactinémia, síndrome dos ovários poliquísticos);
• Causas imunológicas/trombofilias (doenças que provocam alterações da coagulação do sangue);
• Fatores ambientais/agentes químicos (radiação, exposição ocupacional a produtos químicos, poluição, álcool, tabaco…)
• Causas masculinas (aumento da fragmentação do DNA dos espermatozoides que aumenta com a idade, consumo de tabaco, drogas e alguns medicamentos)
• Inexplicadas (cerca de 15%)
Quais são os fatores de risco?
“Os fatores de risco estão intimamente ligados às causas”, enfatiza José Cunha. Mas os mais importantes são:
• Idade materna (em especial a partir dos 35 anos).
Entre os 30-34 anos, a taxa de aborto espontâneo é de 15%; dos 35-39 anos, sobe para 25%. Entre os 40-44 anos, a taxa pode atingir os 50%. Se a mulher tiver 45 anos ou mais, então a possibilidade de vir a ter um aborto espontâneo sobe para 75%-80%;
• Idade paterna (em especial acima dos 40 anos).
“Ninguém pensa na idade do homem, mas esta também tem influencia”, garante o especialista. Sobre este assunto, o médico ainda vai mais longe, e exemplifica. “Se o homem tem 40 anos e a mulher mais de 30, o risco de aborto pode aumentar quase três vezes, em comparação com um casal em que os dois têm menos de 30 anos”.
• História de abortos anteriores;
• Se a grávida tem queixas sugestivas de ameaça de aborto;
• A existência duma placenta prévia;
• Risco de parto prematuro;
• Obesidade;
• Doença endócrina/metabólica mal controlada (ex: doença da tiroideia, diabetes);
• Doença crónica mal controlada (ex: hipertensão arterial);
• Trombofilias (causa de abortos de repetição);
• Consumo regular de tabaco, álcool e drogas.
Sintomas aos quais deve ficar atenta
Segundo José Cunha, os principais sinais e sintomas de que a mulher está a sofrer um aborto espontâneo é o “sangramento vaginal acompanhado ou não de dor na região pélvica, e ainda a expulsão de produtos de conceção (tecidos e material coagulado) e a abertura do colo uterino”.
Como é feito o diagnóstico?
“Quando a mulher apresenta estes sinais e sintomas deve procurar com alguma urgência cuidados médicos”, alerta o médico. E informa que o diagnóstico deve ser sempre confirmado por ecografia pélvica e/ou pela avaliação quantitativa da subunidade beta da gonadotrofina coriónica (teste sanguíneo de gravidez).
A ecografia vai determinar se se trata apenas de uma ameaça de aborto, mas com gravidez evolutiva, ou de uma situação de aborto retido ou de uma gestação anembrionária. Estes últimos, s\ao casos em que a gravidez não é evolutiva.
“O exame ecográfico pélvico permite ainda determinar se na realidade ocorreu o aborto que pode ter sido incompleto ou completo”, continua.
Nos dois casos de gravidez não evolutiva e na situação de aborto incompleto, José Cunha explica ainda terá que se induzir a expulsão uterina do produto de conceção ou dos restos com terapêutica médica ou com recurso a aspiração/curetagem uterina.
Ameaça de aborto
“Na ameaça de aborto, a mulher apresenta sangramento vaginal sem dilatação do colo, podendo ter ou não dores pélvicas”, informa.
E explica que, nesta situação, é comum o aconselhamento de alguns cuidados e, nalguns casos (sobretudo num 2º ou 3º aborto), a administração de substâncias terapêuticas:
• Repouso;
• Abstinência sexual;
• Progesterona;
• Magnésio;
• Aspirina 100.
“Mas é importante referir que até hoje nenhum estudo científico de qualidade demonstrou a eficácia dos cuidados e dos medicamentos referidos, na diminuição do risco de aborto”, alerta.
Seja como for, o ginecologista diz que “não existindo contraindicações para o uso destas medidas, um número significativo de médicos continua a aplicá-las na sua prática clínica”.
O mito do exercício físico
O mito mais conhecido relacionado com o aborto espontâneo é o exercício físico. Ainda há quem fique até à 20ª semana de gestação sem se exercitar.
Mas José Cunha explica que, “se a mulher não tiver nenhuma contra-indicação, pode e deve fazer exercício físico adequado ao seu caso e não precisa de ter receio”.
“Claro que a gravidez, para uma mulher que é sedentária, não é a altura ideal para começar a fazer desportos como ténis, corrida de longa duração e musculação. O mais importante é bom senso e moderação”, explica José Cunha.
Existem estudos que demonstraram que o exercício físico intenso (ex. ténis, corrida de longa duração, etc) nos primeiros 5 a 7 dias após a formação do embrião, aumenta o número de abortos espontâneos no 1º trimestre, relembra o ginecologista. Este é o período que corresponde à implantação do embrião no útero.
“Como tal, parece existir alguma evidência científica que desaconselha a prática de exercício físico intenso nesta fase (5 a 7 dias após o período fértil da mulher)”.
A partir desta fase inicial, já é recomendado, por exemplo, natação, hidroginástica, caminhada, exercícios posturais e para fortalecer a musculatura pélvica e preparar o parto (no 2º e 3º trimestres).
“Se a mulher já pratica habitualmente atividade física (natação, corrida, aeróbica, ioga) pode manter essa atividade sem aumentar a intensidade, mas se surgirem queixas (cansaço, dores, náuseas) deve parar ou reduzir o exercício“, aconselha o ginecologista.
Contrariando este mito, foi publicado um estudo realizado na Universidade de Columbia que demonstrou que as mulheres que se exercitam durante a gravidez parecem ter 40% menos hipóteses de ter um aborto espontâneo.
O médico ressalva, contudo, que são de evitar desportos que envolvam impacto ou risco de queda e colisão, como equitação, judo, karaté, boxe, esqui, levantamento de pesos, entre outros.
Fontes: Tuasaude.com.
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