Sabia que as alergias alimentares ocupam atualmente uma grande percentagem da atividade dos alergologistas? Em Portugal, são cada vez mais frequentes e graves, e há cada vez mais pessoas com alergia a múltiplos alimentos. Esta situação era excecional no passado.
O mais preocupante é que “estes casos são cada vez mais persistentes, prolongando-se ao longo de décadas, da idade pediátrica para a idade adulta”, alertam Mário Morais de Almeida e Filipe Benito Garcia, imunoalergologistas do Hospital CUF Descobertas.
“A alergia alimentar afetará cerca 5 ao 10% da população, em especial as alergias ao leite de vaca e ao ovo nas crianças”, informam estes especialistas. E frisam que as alergias alimentares podem surgir subitamente nas nossas vidas.
O pior é que afetam, limitam e condicionam as nossas escolhas. Por isso, os nossos entrevistados chamam a atenção para a importância da educação, como forma (indireta) de tratamento. “Em especial, atualmente, que as doenças alérgicas atingem as crianças de uma forma quase epidémica”.
Para ficar com uma ideia mais clara do que são as alergias alimentares, como as pode detetar e contornar, os alergologistas já citados esclarecem todas as dúvidas.
O que é a alergia alimentar?
A alergia a alimentos consiste numa reação imunológica anormal e exagerada, relacionada habitualmente com a ingestão de um alimento, Mas também pode ser por inalação ou contacto. “Um alérgico ao peixe ou a marisco pode não conseguir ir a um mercado de peixe ou estar num local onde estes estejam a ser cozinhados”, exemplifica Mário Morais de Almeida.
Segundo os especialistas, a alergia alimentar pode ocorrer em qualquer idade, embora seja mais frequente nas crianças em idade pré-escolar. Isto porque o sistema imunitário ainda está em desenvolvimento, procurando encontrar um equilíbrio entre sinais de tolerância e de alergia.
Como acontece a alergia alimentar?
“Geralmente existe uma sensibilização prévia ao alimento e, quando ocorre uma nova exposição, desencadeia-se a ativação de células imunitárias. Esta leva a uma verdadeira explosão de mediadores que são libertados imediatamente e outros que se vão produzir de novo, levando ao aparecimento de manifestações clínicas em vários órgãos e sistemas”, explica Filipe Benito Garcia.
Por isso, uma criança que bebeu um ou dois biberões na maternidade e que depois é só amamentada pela mãe durante meses, corre um risco maior de ser alérgica quando o leite de vaca for introduzido na sua alimentação. Isso explica por que é que os “hospitais amigos do bebé” evitam dar fórmulas lácteas nas primeiras horas de vida, promovendo o aleitamento materno precoce.
Quais os principais alimentos que causam alergias?
Os alergénios de origem animal mais frequentes são as proteínas do:
• leite de vaca
• ovo
• peixe
• crustáceos e dos moluscos
Atenção: neste grupo, são raros os sintomas associados a outros alimentos, como, por exemplo, às carnes.
Os alergénios de origem vegetal mais frequentes são:
• amendoim
• cereais como o trigo
• sementes
• frutos secos
• frutos frescos
• legumes
Nos primeiros anos de vida, os alimentos mais implicados são:
• leite e os seus derivados (40%)
• ovo (15%)
• peixe (12%)
• trigo (4%)
Nas crianças, a partir da idade escolar, são:
• mariscos (crustáceos e moluscos)
• frutos secos (11%)
• frutos frescos (6%)
• amendoim (8%)
• algumas sementes
Apesar de as alergias alimentares serem mais frequentes nas crianças (até 10%) no nosso país, podem ocorrer em todos os grupos etários. Mário Morais de Almeida e Filipe Benito Garcia informam que no adulto têm surgido casos crescentes de alergia ao salmão e outros peixes. Isto explica-se pelo consumo massivo de sushi na última década.
Para estes médicos também importa acabar com a ideia de que o morango, os citrinos, o chocolate, entre outros, provocam alergias com muita frequência. Não é verdade! “São causas muito raras de alergia e raríssimas de alergias graves”, sublinham.
“A alergia alimentar ao leite de vaca, ao ovo, ao trigo e à soja na infância tende a ser transitória e a resolver-se, na maioria dos casos espontaneamente, por aquisição de tolerância até aos 5 anos, embora haja cada vez maior tendência para os casos serem mais persistentes e graves”, informa Filipe Garcia.
E sublinha que a alergia ao amendoim, frutos secos, peixe e mariscos tende a continuar por toda a vida.
Sintomas de alergia alimentar
A alergia alimentar manifesta-se de forma ligeira a muito grave, por vezes fatal.
Na pele e nas mucosas, os sintomas são:
• urticária
• angioedema
• eczema
No aparelho gastrintestinal:
• vómitos
• diarreia
• cólicas
No aparelho respiratório:
• tosse
• rinite
• falta de ar
No aparelho cardiovascular:
• Taquicardia
• Colapso, podendo chegar até ao choque anafilático.
“É importante salientar que a alergia alimentar, nomeadamente às proteínas do leite de vaca, é a causa mais frequente de anafilaxia (reação alérgica mais grave) em idade pediátrica, ocorrendo muitas vezes pela ingestão de pequenas quantidades, ocultas em alimentos preparados (por ex: em fiambre, gelatina ou bolachas) ou em utensílios contaminados. Esta ingestão até pode estar associada a um risco de morte”, avisam os especialistas.
O que fazer perante os primeiros sintomas?
Segundo os especialistas, as alergias alimentares previnem-se.
• Evitar os alergénios implicados, mas garantindo um bom aporte nutricional;
• Saber o que fazer se ocorrer uma reação alérgica – que medicamentos tomar, em que sequência e quando é indicado usar uma caneta de adrenalina;
• Saber em que situações deve recorrer de imediato a um serviço de urgência;
• Falar com um alergologista para poder compreender melhor a história natural da doença e as opções para o seu controlo.
Como é feito o diagnóstico?
O diagnóstico da alergia alimentar exige uma história clínica detalhada do paciente. E ainda alguns exames, tais como análises de sangue ou testes cutâneos. Estes últimos são rápidos, seguros e podem ser realizados em qualquer idade.
Segundo Mário Morais de Almeida, consistem na aplicação sobre a superfície cutânea de uma gota de um extrato alergénico, sobre a qual se efetua uma leve picada com uma lanceta com 1 mm. Faz-se então a leitura do resultado ao fim de cerca de 15 minutos.
Os resultados dos testes cutâneos têm de ser sempre relacionados com a história clínica. E, em casos de dúvida, só a prova de provocação oral poderá confirmar a alergia ao alimento. “Mas estas provas com o alimento devem ser sempre realizadas em meio hospitalar e apenas por alergologistas ou outros profissionais devidamente habilitados”, sublinha.
Como tratar a alergia alimentar: conselhos e precauções
“O tratamento da alergia alimentar assenta sobretudo na educação do adulto e da criança sobre a dieta a seguir. E ainda sobre o plano de tratamento a recorrer nas reações alérgicas que podem surgir, se acontecer ingestão acidental do alimento ao qual se é alérgico”, informa Mário Morais de Almeida. E acrescenta que é importante ensinar a estar atento aos rótulos ou aos alimentos preparados nos quais podem estar escondidas as substâncias que podem desencadear queixas.
“As crianças com história de anafilaxia grave devem ter sempre disponível uma “caneta” para autoadministração de adrenalina, sendo fundamental o ensino de quando e como a usar, ao próprio, de acordo com a idade, aos familiares e aos conviventes”, aconselha.
Só que a educação não deve focar-se só nos pais e na família, mas estender-se às escolas e restaurantes. “A sensibilização da população a esta temática não deve ser a exceção e sim a regra, visto que o número de casos de alergia alimentar vai continuar a aumentar”, previnem os alergologistas.
O que dizem os estudos sobre a prevenção das alergias nas crianças?
Nos últimos anos têm sido feitos vários estudos sobre a prevenção na alergia alimentar. De acordo com os especialistas, concluiu-se que um bebé que tenha um irmão mais velho com alergia alimentar, não significa que tenha um risco aumentado de a ter também.
Nesse sentido, os pais não devem atrasar a introdução dos alimentos, nem são necessários outros exames adicionais. Porém, um bebé com eczema de difícil controlo, especialmente se surgir nos primeiros três meses de vida, tem uma maior probabilidade de ter alergia alimentar ao ovo ou ao amendoim.
Um estudo recente no Reino Unido, no qual participou a alergologista portuguesa Alexandra Santos, demonstrou que, nestes casos particulares, a introdução destes alimentos ao mesmo tempo que os alimentos sólidos, a partir dos 4 a 6 meses de idade, previne a incidência de alergia, desde que se mantenha uma ingestão regular.
Por outro lado, não faz sentido introduzir-se um alimento que a família não consome regularmente ou fazer restrição de alimentos durante a gravidez.
Mário Morais de Almeida e Filipe Benito Garcia concordam com os resultados. “Parece-nos adequado não atrasar a introdução de alimentos sólidos, mesmo os considerados mais alergénicos”.
Fontes: Saudecuf.pt.
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