De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 60% a 70% de todos os casos de demência devem-se à doença de Alzheimer.
Segundo dados do relatório Health at a Glance 2017 da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), Portugal surge como o quarto país desta organização com mais casos de demência por cada mil habitantes.
Estima-se que até 2037 existam 322 mil casos de demência em Portugal.
Quem nos contextualiza é Sílvia de Almeida Lourenço, psicóloga clínica com formação em neuropsicologia, atualmente a trabalhar no Gabinete Cuidar Melhor da Alzheimer Portugal, na Santa Casa da Misericórdia de Almada e na Associação Doentes de Parkinson, e quem nos vai guiar no processo de compreensão desta patologia.
Definição
“A doença de Alzheimer é uma doença degenerativa que destrói as células do cérebro de forma lenta e progressiva”, começa por explicar a psicóloga.
“Afeta a memória e outras áreas do funcionamento cognitivo, como a linguagem e o pensamento, causando também desorientação e alterações de humor e comportamento”, conclui.
Causas
A investigação identifica mais do que uma causa para a doença de Alzheimer. De facto, trata-se uma combinação de fatores ambientais, bioquímicos e imunitários e da interação entre estes, sendo que tudo isto varia de pessoa para pessoa.
Quanto aos fatores de risco para o aparecimento da doença, considera-se a idade como principal, mas também a existência prévia de um traumatismo craniano grave.
O que acontece é que com o aumento da esperança média de vida passam a existir, consequentemente, mais casos de Alzheimer.
Tipos da doença de Alzheimer
Sílvia de Almeida Lourenço indica-nos algo que poderíamos desconhecer. No caso, o facto de existirem dois principais subtipos desta efemeridade:
• Doença de Alzheimer Familiar. Uma forma muito menos comum da doença, associada à transmissão genética. Esta situação representa menos de 1% dos casos e a idade de início tende a ser mais baixa, entre os 35 e os 60 anos.
• Doença de Alzheimer Esporádica. Afeta adultos de qualquer idade, mas aparece sobretudo a partir dos 65 anos. É a forma mais comum da doença e as pessoas afetadas podem ou não ter antecedentes familiares da mesma.
Diagnóstico
Não existe um teste específico para determinar se a pessoa tem a doença de Alzheimer. O diagnóstico é feito por um médico neurologista e inclui os seguintes elementos:
• História clínica;
• Exame físico e neurológico, com recurso a técnicas que permitem obter imagens do cérebro;
• Avaliação psiquiátrica;
• Avaliação neuropsicológica, com provas que facilitam a compreensão do funcionamento cognitivo;
• Análises ao sangue e à urina.
A psicóloga clínica atenta que “é fundamental assegurar um diagnóstico que seja o mais preciso possível, excluindo a existência de outras doenças que pudessem originar sintomas semelhantes”.
Sinais de Alerta
Numa fase inicial, pode existir alguma dificuldade em detetar os sintomas desta patologia. Podem ser pouco evidentes, apesar de aumentarem à medida que a doença progride. Destacam-se:
• Esquecimentos frequentes e persistentes;
• Problemas na linguagem, com um discurso vago e dificuldade em lembrar as palavras durante uma conversa;
• Demora nas atividades diárias, por exemplo, nas rotinas de higiene pessoal e alimentação;
• Demonstração de menos entusiasmo na realização de atividades anteriormente prazerosas;
• Troca do lugar dos objetos;
• Perder-se em locais conhecidos e familiares e demonstrar pouca noção do tempo;
• Dificuldade no cálculo de despesas quotidianas, por exemplo, pagar no supermercado e receber o troco;
• Alterações súbitas de humor e comportamento, por exemplo, passar facilmente de um estado de tranquilidade ao choro.
É importante salientar que a manifestação destes sintomas e o ritmo de progressão da doença devem ser considerados individualmente. Inclusivamente, as capacidades da pessoa podem oscilar entre os dias e mesmo no próprio dia.
Existe, no entanto, uma tendência para o agravamento dos sintomas em períodos de stresse, fadiga ou perante mudanças bruscas nas rotinas e conflitos familiares.
Consequências
A doença de Alzheimer é popularmente associada ao nível dos problemas de memória. De facto, as primeiras alterações costumam surgir com o indivíduo a ter dificuldade em recordar acontecimentos recentes, mas mantendo factos e ocorrências antigas preservadas.
No entanto, à medida que a doença avança surgem outras alterações:
• Funcionamento intelectual: memória, atenção, linguagem, pensamento, cálculo, orientação temporal e espacial;
• Emoções: tristeza, desânimo, ansiedade, raiva;
• Comportamento: agressividade, impulsividade, isolamento.
Tratamento
Falando em prognóstico, a forma como a doença evolui vai variar de pessoa para pessoa.
“Não existe um tratamento que cure a doença de Alzheimer. Contudo, estão disponíveis medicamentos que ajudam a aliviar os sintomas e permitem que a pessoa esteja mais estável”, elucida-nos a psicóloga clínica.
E adianta que a medicação deverá ser sempre prescrita pelo neurologista que acompanha o caso e que fará os reajustes periódicos de acordo com a necessidade.
“De modo complementar, é relevante introduzir a estimulação cognitiva como uma forma de incentivar a utilização das capacidades cognitivas, promover a autonomia e o bem-estar emocional da pessoa”, complementa.
A ideia é manter as capacidades existentes durante o máximo de tempo possível. Isto porque, “ocorre uma diminuição gradual da autonomia da pessoa até uma situação de dependência na fase final da doença.”
Assim, revela-se totalmente imprescindível um apoio multidisciplinar.
“Através de um trabalho integrado a diversos níveis – médico, psicológico, neuropsicológico, ocupacional e social – será possível esperar que, ao longo da evolução da doença, as pessoas possam manter um nível mais elevado de qualidade de vida durante mais tempo”, acrescenta prontamente.
O papel dos cuidadores
Os chamados cuidadores informais são fundamentais na gestão desta condição.
“Transmitem apoio, segurança, afeto e asseguram a prestação de cuidados diários às pessoas com doença de Alzheimer e por isso estão sujeitos a situações que podem levar a estados de exaustão e sobrecarga, tanto a nível físico como psicológico” desenvolve Sílvia de Almeida Lourenço.
Assim, “cuidar de quem cuida” torna-se essencial. “Quanto melhor o cuidador se sentir, do ponto de vista físico e emocional, mais disponível estará para prestar cuidados adequados à pessoa com doença de Alzheimer”.
Seguem-se algumas medidas para promover o seu bem-estar:
• Falar sobre o que sente e o que vive enquanto cuidador com familiares e amigos. Além disso, existem grupos de suporte específicos para cuidadores de pessoas com demência;
• Gerir o tempo. Planear e organizar as rotinas diárias, mantendo momentos dedicados ao descanso e a atividades de lazer. Poderá recorrer a familiares e amigos, que possam permanecer com a pessoa com demência. Existem também serviços de apoio domiciliário e a medida “Descanso do Cuidador”, promovida pela Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (RNCCI);
• Manter um estilo de vida saudável. Através de uma alimentação equilibrada, prática regular de exercício físico e hábitos de sono que lhe permitam sentir-se descansada durante o dia. Deve-se evitar o consumo de álcool e o tabaco, para lidar com a ansiedade. Em vez disso, optar por exercícios de relaxamento como a meditação;
• Conviver com outras pessoas. Procurando continuar hábitos que já tinha;
• Aceitar os limites do seu papel. Recorrendo aos apoios necessários a nível médico, psicológico e social.
“É essencial valorizar o esforço e a dedicação enquanto cuidador, considerando que está a fazer o melhor possível numa situação que é exigente do ponto de vista emocional”, conclui a psicóloga clínica.
Mitos associados
Quanto questionámos Sílvia de Almeida Lourenço sobre se existem alguns mitos perpetuados acerca desta condição, a psicóloga acena imediatamente, identificando o que considera os dois principais mitos:
1º. “As alterações da memória são as primeiras o ocorrer”
Nem sempre. Nalguns casos as pessoas começam por demonstrar alterações no comportamento e no estado emocional, mostrando apatia, ansiedade e menos interesse nas atividades do dia a dia.
Ou seja, é necessário atender também às alterações cognitivas e comportamentais que a pessoa possa demonstrar. Quanto mais cedo se consultar um médico e iniciar o acompanhamento, mais fácil será a gestão da doença.
2º. “As pessoas com esta doença ficam sem noção nenhuma do que se passa à sua volta”
Apenas nos estádios mais avançados é que a consciência da realidade poderá diminuir significativamente, ao ponto de a pessoa não compreender o que se passa à sua volta.
Nas fases iniciais e intermédias, a pessoa consegue ter um papel ativo relativamente ao que a rodeia, nomeadamente nas relações familiares e sociais.
Apesar das dificuldades a nível cognitivo, é crucial incentivar a pessoa a realizar as atividades diárias que consegue, reforçando as capacidades que mantém sem a infantilizar.
Papel da sociedade
Também a sociedade, representada pela comunidade, deve ter um papel preponderante na forma como a doença de Alzheimer é entendida e no apoio prestados quer a doentes quer a cuidadores.
Algumas medidas relevantes são:
• Sensibilizar a população sobre a doença, através de eventos e ações de formação;
• Incentivar o diagnóstico precoce e prestar um apoio continuado a pessoas doentes e cuidadores;
• Envolver os doentes nas atividades comunitárias, promovendo a sua participação ativa na sociedade;
• Aumentar a oferta das respostas existentes para os cuidadores, ao nível de grupos de suporte, serviços de apoio domiciliário e apoio psicológico;
• Reconhecer os direitos específicos dos cuidadores, através do Estatuto do Cuidador Informal, que já foi aprovado e contempla medidas nas áreas financeira, psicossocial e profissional.
Processo terapêutico
Já a terminar este guia também ele informal, pedimos a Sílvia de Almeida Lourenço que destacasse e partilhasse connosco a sua aprendizagem ao longo do processo em que tem acompanhado estes pacientes e cuidadores.
Em relação aos pacientes, “verifico que o facto de se valorizar as experiências e as capacidades das pessoas com doença de Alzheimer é realmente um aspeto essencial”, começa por revelar em tom imperativo.
“Numa doença em que se vivem várias perdas, que afetam a autonomia e a autoestima, a valorização do que a pessoa é, do que viveu e do que tem para transmitir, permite que se sinta compreendida e aceite”.
De seguida explica-nos que à medida que a doença evolui surgem outras formas de comunicação: a música, os gestos, as expressões faciais, o olhar ganham uma outra dimensão.
Relativamente aos cuidadores informais, a psicóloga reconhece que “esta adaptação é um desafio quem lida também com as suas próprias emoções relativamente à doença” e enumera algumas.
“A tristeza por constatarem as perdas de capacidades do seu familiar. A zanga face a alguns comportamentos. A ansiedade quanto ao futuro. A sensação de que “é muita coisa para lidar ao mesmo tempo”.
Mas tal como surgem estas emoções, também existe a capacidade para se ter outros sentimentos, associados a sensações de bem-estar e realização pessoal.
“Alegria num momento partilhado com o seu familiar, em que realizam uma atividade em conjunto. Tranquilidade num passeio pela praia. Motivação para continuar a cuidar quando vê o efeito positivo do seu apoio”, descreve com ânimo.
Mensagem de esperança
Sílvia de Almeida Lourenço termina a conversa num tom positivo e motivador.
“Acima de tudo, cada pessoa é única e apesar de ter a doença de Alzheimer, é possível ser ativo e realizar atividades que goste. Dedique-se a estas áreas ou descubra novos interesses; aceite o apoio das pessoas de quem gosta; faça de forma autónoma o que conseguir; aprecie a pessoa que é e que vai muito além das exigências impostas pela doença”.