Para quem tem uma vida ativa, com hobbies e atividades diárias, pode ser difícil imaginar perder o prazer ou o entusiasmo com as mesmas. Mas, na verdade, se acontecer já há algum tempo, ou se sente que este sentimento é constante, pode ser um sintoma de algo mais grave relacionado com a sua saúde mental.
Falamos de anedonia, um termo no mundo da Psicologia que explica esta possível falta de interesse nas mais diversas atividades. O neologismo foi criado pelo psicólogo francês Théodule-Armand Ribot, em 1896, que caracterizou anedonia como “incapacidade para a experiência do prazer” ou perda da sensibilidade ao prazer.
Pedimos a Teresa Espassandim, psicóloga, que aprofundasse este tema. “É um termo polissémico, resultante do facto de o conceito sobre o qual assenta depender da definição permanentemente mutante de prazer, ou seja, ‘o estado de consciência no qual a sensação induzida pela alegria ou antecipação do que é considerado bom ou desejável, fruição, delícia, gratificação’, sendo que a definição de anedonia é incerta e plural.”
Isto pode resultar em deixar de sentir prazer em atividades como estar com os amigos, sair, jantar fora, dançar, fazer exercício físico, passear ou não conseguir criar apego a nada, nem a ninguém.
Mas, atenção, porque a anedonia não é considerada uma doença. “É um sintoma e está associada a quadros depressivos (sendo um dos sintomas principais), a quadros de esquizofrenia e a problemas de comportamentos aditivos”, explica a especialista.
Segundo a Associação Americana de Psiquiatria, a anedonia atinge cerca de 70% dos pacientes com depressão, sendo que, em todo o mundo, afeta 322 milhões de pessoas.
As possíveis causas da anedonia
O desanimo, o cansaço ou a fadiga podem estar relacionados com este estado, mas não fica por aqui. Como Teresa Espassandim aconselha, “devemos estar atentas a mudanças de comportamento que evidenciem a perda de interesse ou de prazer em atividades do quotidiano que antes eram prazerosas (por exemplo, deixar de realizar um determinado hobbie).
Além desta perda de interesse, é ainda usual ter dificuldades em dormir, notar uma diminuição ou perda da libido, ter dificuldade de concentração e ter oscilações de peso regulares.
“É resultado de uma complexa interação de fatores sociais, psicológicos e biológicos”, acrescenta a psicóloga.
Como qualquer alteração no âmbito da saúde mental, este sintoma deve ser acompanhado por um psicólogo para o diagnóstico poder ser concretizado. “A anedonia pode ser identificada no âmbito de um diagnóstico clínico, sendo que pode ainda ser medida por meio de escalas de avaliação específicas, tal como mede certos aspetos do prazer”, refere a especialista.
A relação com a depressão e as consequências
Sim, a anedonia pode, de facto, estar relacionada com uma depressão, mas, mais uma vez, esta situação tem de ser sempre avaliada por um profissional. “Encontra-se a anedonia nos estados depressivos que são, atualmente, frequentes (10% da população). Historicamente, era considerada um sintoma patognomónico da depressão, ou seja, um sintoma que era característico e que, por isso, na sua presença, fazia o seu diagnóstico para além de qualquer dúvida”, refere.
Segundo a especialista, se associarmos a anedonia à presença de perturbação mental como a depressão, esta é mais prevalente nas mulheres do que nos homens.
No dia a dia, este sintoma não só pode afetar a vida pessoal e profissional, como pode ter consequências no futuro de quem sofre com ele. “Além do evitamento da dor e do desprazer, o hedonismo motiva a nossa ação, os nossos comportamentos. Por esta razão, quem vivencia anedonia e, por isso, não consegue experimentar ou reencontrar esta emoção fundamental, pode ir-se afastando do seu projeto de vida e da concretização do seu potencial no quotidiano por via de não encontrar sentido para os mesmos, com perda significativa de qualidade de vida e bem-estar. Pode ser assim causa de incapacidade e contribuir para a carga global de doenças”, menciona.
O impacto da Covid-19
Embora ainda não existam estudos epidemiológicos disponíveis sobre os problemas da saúde mental relacionados com a pandemia, Teresa Espassandim adverte para os vários estudos que apontam no sentido de estados ansiosos e depressivos na população em geral.
“Recentemente, descreveu-se o estado de languishing (Corey Keyes), indicativo de uma sensação de vazio e de apatia que se situaria entre a depressão e o bem-estar, e que tem sido traduzido como ‘definhamento’. Este estado emocional tem sido referido como prevalente na vivência do contexto pandémico e, quando não acompanhado de ações no sentido de potenciar o autocuidado e a saúde mental, pode evoluir para um quadro de doença mental onde a anedonia pode existir”.
Nos últimos tempos temos assistido ao crescimento do número de pessoas que procura ajuda profissional, mas, como a psicóloga assegura, poderá dever-se “a uma redução do estigma e maior acessibilidade a serviços de apoio psicológico.”
Resumindo, o tratamento ou implementação de estratégias para combater a anedonia, passa sempre por encontrar ajuda especializada. “O reconhecimento precoce de sinais e seu impacto na vida do dia a dia são importantes para o não agravamento de eventuais quadros clínicos.”