Evana Lynch, a serena Luna Lovegood da saga dos filmes Harry Potter, não teve uma entrada fácil na adolescência. Aos 11 anos entrou numa espiral que a levou à anorexia.
Num mundo que lhe parecia fugir do controlo, a única coisa que conseguia controlar era o que comia e em que quantidade, mas este distúrbio alimentar pôs-lhe a vida em risco e causou-lhe muito sofrimento.
É esse testemunho que narra em O Oposto da Caça às Borboletas (Casa das Letras), livro que apresentou na Feira do Livro de Lisboa.
“Fui uma adolescente muito desconfortável na minha pele. Não me sentia bem no meu corpo, era muito cerebral, mas muito estranha socialmente”, conta-nos a atriz e ativista nesta sua passagem por Portugal.
A época da escuridão está ultrapassada há muito e com este livro quer que “os adolescentes se sintam vistos e compreendidos” e que todas as pessoas “percebam que, nessa idade, os pensamentos, sentimentos e dores são muito intensos. Amor, desamores, mudanças do corpo, rejeições… é tudo novo e forte”.
Mudanças sem fim
“A adolescência é uma fase maravilhosa, mas não é fácil”, confirma Joana Namorado, psicóloga clínica e da saúde e cofundadora e diretora clínica da Kindology.
“A entrada na adolescência representa uma série de mudanças, quer a nível individual, como em termos daquilo que é expectável de um adolescente. Os conceitos de independência, responsabilidade e autossuficiência de que tanto se fala nesta transição devem ser introduzidos o mais cedo possível”, continua.
“Assim, deixa de haver uma transição difícil para haver um processo de transformação natural, em que todas as demais variáveis estão relativamente controladas”, diz.
A psicóloga destaca as muitas mudanças no corpo.
“Com a passagem pela puberdade, que naturalmente traz muitas transformações, pode ser confuso e constrangedor de repente ficarmos com o corpo mais desenvolvido, uma voz diferente, com pelos… no fundo, características de adulto num corpo ainda muito jovem. Todas estas mudanças geram emoções e sentimentos fortes, numa altura em que ainda estamos a aprender a lidar com todos estes altos e baixos emocionais.”
Sobreviver num mundo novo
De acordo com Joana Namorado, é importante que os adolescentes percebam que essas mudanças são normais e que tenham alguém com quem conversar abertamente sobre o assunto.
“À medida que vamos crescendo temos tendência a afastarmo-nos dos nossos pais e a procurar a nossa própria identidade. Isto pode levar a uma série de conflitos e desentendimentos”, sublinha.
“Compreender esta transição é fundamental. E compreender, também, que as preocupações dos jovens de hoje são ligeiramente (senão muito) diferentes das preocupações que nós, agora pais, tínhamos naquela altura”, sublinha a especialista.
É também na adolescência que os nossos princípios vão ganhando maior importância dentro de nós e nem sempre é fácil encontrar um grupo de amigos que partilhem os mesmos interesses e valores.
Simultaneamente, é nesta altura, lembra Joana Namorado, que também sentimos necessidade de nos encaixar em determinados grupos ou seguir certos padrões de aparência e comportamento.
“É claro que isto pode gerar ansiedade e insegurança, porque queremos ser aceites e não nos sentirmos excluídos”, afirma.
Perante este cenário, é fundamental “recordar que cada pessoa é única. A capacidade de orientar e acompanhar os adolescentes nesta caminhada, retirar pressão e exigência em relação às expectativas pré-estabelecidas, enquanto se promove a autonomia na tomada de decisões é, portanto, um papel muito importante para os pais”, refere a psicóloga.
Emoções à flor da pele
Para Joana Namorado, “a transição da infância para a adolescência é um marco assinalável como outro qualquer. É uma mudança e, nesse sentido, tudo depende da forma como a encaramos”.
Para a psicóloga, “é evidente que os desafios vão aparecer. E que as emoções vão estar à flor da pele naquele ser que cresceu tão depressa e parece ainda não estar pronto para as primeiras desilusões, rejeições e inseguranças”.
No entanto, não convém rotular a adolescência como uma fase em que os problemas vão começar a acontecer e ao mínimo sinal vamos agir de forma defensiva e reacionária com os adolescentes.
Aos pais aconselha “parar para pensar no comportamento que têm com os filhos quando ainda são crianças e na forma como mudam quando, de repente, olham para eles e pensam que precisam de ser mais responsáveis, exigem mais, enquanto a vida em geral também vai gradualmente exigindo mais”.
Em vez disso, recomenda “pegar na flor e compreender que esta é uma fase de novas descobertas e que, se o ambiente à volta dos adolescentes permanecer sólido e inquebrável no que ao amor, afeto e compreensão diz respeito (aceitando que vão naturalmente querer mais espaço), esta pode ser uma das fases mais bonitas da vida”.
Evana Lynch acrescenta que “a maneira como os adolescentes reagem não é um ato de egoísmo, mas sim de autossobrevivência”.
“É terrível ser adolescente. Estamos a tentar encontrar o nosso lugar, a forma como queremos ser amados, as responsabilidades crescem e podemos achar que não temos um lugar no mundo e é aí que entram os mecanismos de cópia pouco saudáveis, sejam distúrbios alimentares, adições ou relações tóxicas”.
Terapia, a solução
É essencial reconhecer, realça a psicóloga, “que problemas podem acontecer, porque há muitos fatores que não controlamos. Pode haver distúrbios alimentares, questões hormonais, bullying, baixa autoestima, vícios, problemas amorosos e com os amigos”.
O que devem fazer os pais perante qualquer um desses problemas é a questão que se impõe. “A primeira coisa a fazer é adotar uma abordagem atenciosa e compreensiva. Bem sei que às vezes não é fácil comunicar com um adolescente, mas, se soubessem como é difícil ser adolescente e tentar comunicar com um adulto…”, nota.
“Portanto, em primeiro lugar, é mesmo importante reconhecer e validar os sentimentos do adolescente e nunca minimizar ou desvalorizar as suas preocupações. Há coisas que não parecem nada de especial, mas, para alguém que está no meio da montanha-russa, o final tranquilo ainda não está à vista”, esclarece Joana Namorado.
Para a psicóloga, introduzir o acompanhamento psicológico o mais cedo possível, sobretudo quando ainda estiver tudo (aparentemente) bem, é um passo importante.
“Uma ida ao psicólogo não é uma solução de recurso quando já não se sabe o que fazer. Se houver dúvidas, acho que estes números ajudam a esclarecê-las”:
• um em cada três jovens entre os 15 e os 20 anos chega a considerar a possibilidade de suicídio;
• oito em cada dez jovens que sofrem de problemas de saúde mental nunca chegam a receber qualquer tipo de apoio psicológico.
Evanna Lynch não tem dúvidas de que a terapia é fundamental na fase da adolescência e sabe-o por experiência própria.
“É importante ter uma pessoa na nossa vida que seja imparcial, que não nos julgue, que não reaja emocionalmente ao que dizemos, a quem possamos contar tudo. Eu tinha muita vergonha do meu distúrbio alimentar, mas, quando estava na terapia, podia mostrar todo o meu lado sombrio e isso ajudou-me a encontrar o equilíbrio”, partilha.
Exposição pública excessiva
Evanna Lynch, que foi uma adolescente famosa, preocupa-se com a exposição pública que os adolescentes têm nas redes sociais.
“Usam-nas como se fosse terapia, partilham ali os seus segredos mais íntimos e não deveria ser assim”, acrescenta.
As redes sociais desempenham um papel muito significativo na vida dos adolescentes. “O FOMO (fear of missing out – medo de ficar de fora) coloca-os em conexão permanente e traz desafios adicionais face à exposição e ao escrutínio constantes a que se expõem”, assegura Joana Namorado.
“O uso excessivo de tecnologia e a comparação com os altos (e falsos) padrões das redes sociais, combinados com as mudanças hormonais, o bullying e as pressões sociais e académicas geram transtornos de stresse, ansiedade e depressão gravíssimos“, refere.
Para lidar com esta realidade, é essencial “construir um ambiente social saudável no campo offline, nomeadamente uma rede sólida de amigos e familiares com quem possam contar. Esta ajuda os adolescentes a gerar um sentimento de pertença e de apoio”, adiciona.
“Não é por acaso que uma vida ocupada, desde que prazerosa e enriquecedora, garante o bem-estar dos adolescentes, dado que permite um equilíbrio saudável entre o online e as atividades offline, como hobbies ou exercício físico e tempo com família e amigos”.
A atriz não podia estar mais de acordo. “Na minha jornada de recuperação da anorexia, recuei à infância, altura em que tinha impulsos criativos que me faziam dançar, pintar, desenhar, e fui praticar artes circenses sem nenhum propósito a não ser divertir-me e celebrar o meu corpo, e fez-me muito bem”.
Por isso, o maior elogio que podem fazer ao seu livro é quando lhe dizem que, depois de o ler, se sentiram inspirados a ter um hobby. “É muito importante para nos sentirmos melhor”, remata.
Sinais de alerta
São vários os sinais aos quais os pais devem estar atentos. Como nos diz a psicóloga clínica Joana Namorado, “todos eles podem ser representativos de questões temporárias, mas também ser sinais de problemas mais sérios, como depressão, ansiedade, bullying e consumo de substâncias.
1. Mudanças repentinas de humor
Oscilações frequentes de humor, explosões emocionais, irritabilidade excessiva ou sinais de tristeza.
2. Isolamento social
Afastamento dos amigos, evitar interações sociais ou demonstrar uma diminuição significativa na participação em atividades sociais.
3. Baixo desempenho
Diminuição repentina nas notas, falta de interesse ou motivação para os estudos.
4. Mudanças no sono e apetite
Insónias, dificuldade em dormir, sono excessivo, alterações no apetite ou perda de peso significativa.
5. Comportamentos de risco
Uso de drogas ou álcool, comportamento sexual promíscuo, agressão ou comportamento desafiador.
6. Baixa autoestima
Falta de confiança, insegurança excessiva ou sentimentos negativos em relação à sua aparência ou capacidades.
7. Mudanças na forma de vestir ou na aparência
Alterações drásticas na aparência, como roupas provocantes ou exageradas, piercings ou tatuagens.