São a grande salvação em situações em que já se experimentou de tudo e nada resultou. Porém, os antibióticos não podem, nem nunca devem, ser tomados cada vez que estamos doentes ou sentimos um mal-estar.
Na verdade, segundo os dados de 2020 no Infarmed, a dispensa de antibióticos nas farmácias comunitárias baixou 20% entre janeiro e setembro (a média passou de 17,46 doses diárias para 13,97), isto representa menos 1,2 milhões de embalagens relativamente ao ano anterior, de 2019.
Segundo a mesma entidade, “o objetivo é continuar a incentivar o uso adequado dos antibióticos, tendo em conta que o arsenal terapêutico pouco tem sido reforçado nos últimos anos e que os atuais medicamentos estão em risco de perder a sua eficácia face ao crescimento das resistências bacterianas”.
Mas mesmo com a redução da dispensa de antibióticos no ano anterior, será que os portugueses estão conscientes sobre a toma destes medicamentos?
O que são antibióticos e quais são as suas funções
Como Nuno Príncipe, médico intensivista no Hospital de São João e membro da Direção do Grupo de Infeção e Sepsis, nos explica, “um antibiótico é uma substância que mata, ou inibe o crescimento ou a multiplicação (replicação) das bactérias”.
E não fica por aqui. A forma de atuação deste medicamento é muito diferenciada,: “eles atuam inibindo a produção de proteínas fundamentais para a sobrevida da bactéria (sejam proteínas da parede das bactérias, sejam de proteínas produzidas no seu interior), alterando o DNA das bactérias ou interferindo com a estabilidade da sua membrana (a membrana da bactéria é uma espécie de parede que protege o interior da bactéria e que a separa do exterior; e quando esta membrana é lesada de forma significativa, a bactéria morre)”, explica o especialista.
Neste caso, os antibióticos devem ser receitados quando os doentes têm infeções provocadas por bactérias, mas não só. Nuno Príncipe explica ainda que podem ser prescritos em situações para evitar o aparecimento de infeções, em certos doentes e em certos contextos clínicos, como por exemplo, em doentes imunodeprimidos, antes e durante certas cirurgias, entre outros.
Quanto à sua falta de eficácia, existem situações em que, de facto, os antibióticos não resultam. Como:
- Situações em que as infeções são provocadas por vírus, fungos ou parasitas;
- Quando são usados em esquemas incorretos de profilaxia;
- Quando são usados para matar bactérias que são resistentes aos próprios antibióticos utilizados.
Os efeitos secundários
A toma deste tipo de medicamentos, tal como muitos outros, tem associados diferentes efeitos secundários. Nuno Príncipe enumera os mais comuns:
• Interferência com outras medicações que o doente esteja a fazer;
• Serem tóxicos para diferentes órgãos ou tecidos (sendo mais conhecidas a neurotoxicidade, nefrotoxicidade e a hepatotoxicidade; isto é, serem tóxicos para o sistema nervoso central, para os rins, fígado, etc.);
• Poderem provocar reações alérgicas (desde as ligeiras, passando pelas graves e muito graves; e terminando nas fatais);
• Provocarem alterações do microbioma do doente que os consome, o que pode promover o aparecimento de outras infeções noutras localizações, como por exemplo: colite pseudomembranosa, candidíases mucocutâneas, entre outras;
• Interferência com a produção de certas células e componentes constituintes do sangue;
• Alguns podem interferir com o desenvolvimento do feto durante a gravidez.
A má utilização dos antibióticos pode mesmo trazer consequências para o organismo. “Os antibióticos matam as bactérias que nos estão a provocar a infeção (as bactérias patogénicas), selecionando sempre um conjunto destas bactérias que sobrevivem à exposição do antibiótico (pressão antibiótica), que se podem tornar problemáticas e difíceis de tratar”, refere o especialista.
Além disto, os antibióticos também matam as bactérias que coabitam connosco, chamadas de bactérias não patogénicas, que consequentemente desequilibram o nosso microbioma e aumentam o risco de aparecimento de certas doenças.
“Os antibióticos podem também causar efeitos laterais no doente que os consome, obrigando à sua suspensão ou substituição por outro antibiótico de outra classe antibiótica (é necessária a vigilância médica durante o seu período de administração)”, alerta o médico intensivista.
O que fazer quando as bactérias resistem
Existem também várias razões para que algumas bactérias resistam ao tratamento feito com antibióticos e, por isso, estes não as consigam matar.
• As bactérias podem nascer sem os locais onde os antibióticos atuam (resistências intrínsecas);
• Ao serem expostas a antibióticos, há sempre um conjunto de bactérias que conseguem sobreviver a essa exposição (pressão antibiótica);
• Durante a replicação (multiplicação) das bactérias surgem espontaneamente mutações cromossómicas que as tornam resistentes aos antibióticos (um exemplo de resistência adquirida); ou porque as bactérias conseguem trocar material genético entre elas, transferindo genes de resistência (outro exemplo de resistência adquirida).
É importante que o médico defina qual o melhor esquema de vigilância das toxicidades e de resposta ao tratamento
Como tratar:
• Recorrer a antibióticos mais potentes, que só existem em meio hospitalar e em formulações endovenosas;
• Recorrer a associações de vários desses antibióticos;
• Recorrer aos novos antibióticos, que foram desenvolvidos especificamente para combater algumas das resistências conhecidas e mais problemáticas.
Para tomar do início ao fim
No processo de toma de antibióticos, certamente já se questionou sobre a razão de terem de ser feitos até ao fim. Quando isto não acontece, muitas vezes acontece que a infeção regressa ou nunca tenha desaparecido totalmente.
Por que é que não podemos interromper o antibiótico se já apresentamos melhorias? “Porque o tempo de tratamento da infeção não é o mesmo tempo da melhoria clínica do doente”, responde Nuno Príncipe.
“O doente começa a melhorar dos sintomas que conduziram ao diagnóstico de infeção à medida que a quantidade de bactérias no organismo (o inoculo bacteriano) e a reação inflamatória que acompanha a infeção começam a diminuir. No entanto, o tempo necessário para controlar a infeção e matar as bactérias patogénicas é mais prolongado.”
Acontece que quando interrompemos o antibiótico estamos a dar possibilidade às bactérias de se voltarem a reproduzir e de voltarem a estar em grande quantidade no nosso organismo.
Como o especialista esclarece, “esta infeção terá como particularidade a possibilidade de ser provocada por bactérias que se tornaram resistentes ao antibiótico a que estiveram expostas”.
Precauções a tomar
“Os antibióticos podem ser administrados em pomadas, em gotas, em comprimidos, em formas inalatórias, orais e endovenosas; todas estas formas de administração têm riscos associados (sendo mais graves as formas sistémicas de administração, como as orais ou endovenosas), pelo que tem de haver vigilância médica”, alerta Nuno Príncipe.
É importante que o médico defina qual o melhor esquema de vigilância das toxicidades e de resposta ao tratamento.
O especialista diz ainda ser indispensável assegurar que estão corretamente armazenados e em bom estado para consumo e que só devem ser prescritos quando há certeza (ou enorme probabilidade) de termos um diagnóstico correto de infeção bacteriana.