Falar do cancro do colo do útero já ultrapassa o sexo feminino. Ainda que esta doença seja exclusiva a este género, a verdade é que o sexo masculino pode ajudar a controlar ou até mesmo a erradicar (já falamos disto mais à frente) uma das doenças mais proeminentes entre as mulheres.
Em 2020, em Portugal, este tumor continuou a ser o terceiro mais frequente nas mulheres com menos de 50 anos, na qual morre uma por dia.
Para combater estes números, em setembro do mesmo ano, foi aprovado o alargamento da vacina contra o vírus do Papiloma Humano (HPV) a rapazes, que até agora destinava-se apenas a raparigas. O HPV e o cancro do colo do útero são indissociáveis, uma vez que este vírus é um dos principais responsáveis pela incidência deste tumor, por isso, a estratégia de ampliação da vacina vem ditar um passo importante na travagem da disseminação do vírus.
“Nem todos os tipos de HPV são capazes de transformar uma célula normal, numa célula com potencial de evoluir para cancro. Nem todos têm o mesmo potencial oncogénico, mas o HPV é o agente necessário para o aparecimento de certo tipo de cancros”, começa por explicar Daniel Pereira da Silva, Presidente das Sociedades Portuguesas de Obstetrícia e Ginecologia. “No entanto, é preciso notar que mais de 90% dos casos de infeção por HPV desaparecem espontaneamente, sem qualquer tratamento”, acrescenta.
Acontece que a vacina vem contribuir para a imunidade de grupo e para baixar a circulação do HPV, cujo a via de transmissão é, sobretudo, sexual. Sendo que os rapazes podem ser transmissores do vírus, a vacina representa agora uma nova esperança no controlo e eliminação deste tumor.
“A resposta imunitária do hospedeiro faz a diferença! Na prática clínica, não se consegue saber, à partida, em que mulheres pode correr bem ou mal. Sabemos que as mulheres fumadoras, mulheres com défices nutritivos, mulheres que têm sexo com vários companheiros ou nos casos em que o companheiro tem sexo com várias mulheres têm maior risco, mas há fatores individuais que não conhecemos e não é raro detetar uma lesão pré-cancerosa numa mulher que não tem esses fatores de risco”, refere Daniel Pereira da Silva.
Os possíveis sintomas do cancro do colo do útero
Nunca é demais falar da importância do rastreio e dos exames médicos, na medida em que esta é uma doença silenciosa. “A fase pré-cancerosa da doença não dá qualquer sinal ou sintoma. Só o rastreio com a citologia ou o teste ao HPV permite detetar quem está infetado pelo vírus ou quem tem células anormais no colo do útero”, clarifica o especialista.
“A importância do rastreio é exatamente essa, levar-nos a detetar as lesões na fase pré-cancerosa, quando não dão sintomas e, assim, evitar o aparecimento do cancro”, acrescenta.
Na eventualidade da mulher não ter tomado a vacina ou não ter feito o rastreio, há alguns sinais que podem ser indicadores desta doença, como sangue nas relações sexuais ou um corrimento mais abundante. Numa fase mais avançada, os sintomas podem ser mais acentuados, como dores intensas e corrimento com cheiro muito incomodativo.
Posto isto, a vacinação nas mulheres é essencial. Pode ser realizada até aos 45 anos (idade até onde há comprovação da eficácia e segurança da vacina) e só as mulheres que tenham qualquer tipo de alergia aos componentes da vacina é que não o devem fazer, embora o especialista garanta que “isso é muito raro”.
“Hoje, uma das vacinas que está no mercado protege contra nove tipos de HPV, dos quais sete são oncogénicos, por isso, mesmo as mulheres que já tiveram contacto com um tipo do vírus devem ser vacinadas”, alerta Daniel Pereira da Silva.
A importância dos homens no combate à incidência do cancro do colo do útero
O alargamento da vacina contra o HPV aos rapazes veio cooperar com a redução do cancro do colo do útero, mas também protegê-los contra o próprio vírus que tem outras formas de manifestação. “Nos rapazes, as lesões pré-cancerosas e cancerosas associadas ao HPV localizam-se no ânus e orofaringe. A localização no pénis é muito rara, mas possível”.
É de relembrar que a vacina sempre esteve aprovada para ser aplicada aos rapazes, mas até setembro do ano passado não estava incluída no Plano Nacional de Vacinação (PNV).
“Foi-se acumulando evidência científica da validade da vacinação dos rapazes e houve um aumento da nossa consciencialização, enquanto comunidade, de que este não é um problema exclusivo das mulheres. É um problema de todos e que pode beneficiar a todos! Os homens também são sede de doença”, adverte o especialista.
Será, então, possível a erradicação do cancro do colo do útero? “É perfeitamente possível, eu acredito que sim. Temos de prosseguir a vacinação dos mais jovens, mas temos de vacinar também as mulheres com mais de 26 anos, que não estão vacinadas. Por enquanto, temos de manter o rastreio, mas eu acredito que, quando atingirmos a imunidade de grupo para os HPVs incluídos na vacina, que representam cerca de 90% dos casos de cancro do colo do útero, o rastreio não será necessário porque a doença será muito rara e não o justificará.”
Os tratamentos indicados
Existem dois tipos de tratamentos: um adequado para as lesões pré-cancerosas, outro para o tratamento do cancro. No caso do tratamento das lesões pré-cancerosas, estes “são altamente eficazes e pouco agressivos”. “Basta retirar ou destruir a lesão por laser ou outra técnica. Não interfere na vida da mulher, nem na sua fertilidade.”
Já em relação ao cancro, os tratamentos são mais complexos e dependem da fase em que a doença é diagnosticada. “Nas fases iniciais, a cirurgia, mais ou menos ampla, pode permitir a cura e, nas fases mais avançadas, o tratamento de eleição é a radioterapia associada à quimioterapia”, refere Daniel Pereira da Silva.