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Quando um bebé tem a mão da ciência: tudo sobre a infertilidade

Quando um bebé tem a mão da ciência: tudo sobre a infertilidade

A infertilidade faz com que aquilo que parece a coisa mais natural do mundo – gerar um filho – tenha de ser feito com a ajuda das técnicas de fertilização, que estão cada vez mais eficazes. Mas isso não significa que não seja um processo duro para quem está a passar por ele…

Por Abr. 11. 2023

Entre 9 a 10% dos casais em Portugal sofre de infertilidade. Estes são os dados do primeiro estudo epidemiológico realizado sobre esta temática no nosso País e que foi desenvolvido pela Faculdade de Medicina da Universidade do Porto.

Percentagem que sobe para os dez a 15% a nível mundial, segundo os dados da Organização Mundial da Saúde (OMS).

Todavia, essa não é uma sentença contra a qual nada se possa fazer. A ciência pode ajudar a concretizar o sonho de se ter um filho e ao longo dos anos as técnicas de tratamento têm evoluído muito.

É verdade que está longe de ser um processo simples, há sucessos e insucessos, mas para alguns casais a esperança torna-se real.

“O importante é que, desde o início, tenham conhecimento do que pode correr bem e do que pode correr mal e que estejam bem informados sobre todas as fases do processo”, afirma Miguel Raimundo, médico ginecologista e obstetra especialista em Procriação Medicamente Assistida.

Causas comuns

Comecemos pelo diagnóstico de infertilidade.

Miguel Raimundo diz-nos que, “segundo a OMS, esta doença é diagnosticada quando ao fim de, pelo menos, um ano de relações sexuais desprotegidas não há gravidez. Após os 35 anos, esse período baixa para os seis meses, tal como nas mulheres com ciclos irregulares, endometriose ou que tenham feito cirurgias pélvicas ou tenham tido uma gravidez ectópica”.

Quanto às causas da infertilidade, são variadas e o ginecologista e obstetra especialista em procriação medicamente assistida garante que “1/3 são causas femininas, outro 1/3 são masculinas e outro tanto são componentes dos dois”.

A taxa de sucesso de uma gravidez espontânea de uma mulher aos 40 anos ronda os dez a cinco por cento – Miguel Raimundo, Médico ginecologista e obstetra

Por esse motivo é que Maurizio Barbieri Carones, médico ginecologista e obstetra com especialização em Doença da Reprodução Humana e professor na Universidade de Milão, diz ser “preferível falar de casal e não culpabilizar uma só pessoa. Muitas vezes os problemas são de ambos”.

“As causas podem estar associadas a problemas ligadas ao stresse, que leva a um aumento da prolatina em ambos, que origina dificuldades ovulatórias na mulher e dispermia [alteração da constituição do esperma] nos homens. No sexo feminino, além de causas hormonais, existem causas malformativas (útero septado ou duplo) ou obstrutivas (disfunção tubária) e alterações de ovulação”, acrescenta o mesmo especialista.

“No sexo masculino, os espermatozoides podem ser poucos (oligospermia), preguiçosos ou terem malformações (teratospermia). As varicoceles dos testículos são uma das causas de uma produção espermática deficitária”, adiciona.

Estilo de vida

A idade da mulher também tem um grande impacto nos casos de infertilidade.

Mesmo não havendo nenhuma doença impeditiva, “a taxa de sucesso de uma gravidez espontânea de uma mulher aos 40 anos ronda os 10 a 5%, enquanto que numa de 20 anos ronda os 20 a 30%”, lembra Miguel Raimundo, acrescentando ainda que “do ponto de vista estatísticos, a nível global, as principais causas de infertilidade feminina são causas ovulatórias, seja pela presença de ovários poliquísticos ou insuficiência ovárica”.

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Nos últimos anos, o estilo de vida também tem sido associado aos casos de infertilidade, mas será mesmo assim?

“O sedentarismo, os hábitos tabágicos e alcoólicos têm impacto na fertilidade. Já foi demonstrado que, se os homens obesos com alteração de produção espermática controlarem o peso, em seis meses melhoram a qualidade do esperma; tal como as mulheres obesas e com um padrão de ovários poliquísticos, quando conseguem controlar o peso e os picos de açúcar, são capazes também de controlar o ciclo menstrual”, afirma Miguel Raimundo.

Também nunca como agora se falou tanto de infertilidade. Para Maurizio Barbieri Carones, “os casos estão a aumentar devido sobretudo ao aumento da idade do casal” quando decide ter filhos.

Miguel Raimundo acredita também que se fazem mais tratamentos hoje por essa mesma razão.

“Há hoje uma maior sensibilidade para o tema e maior procura de ajuda médica quando há dificuldade em engravidar. Mas também temos as mulheres solteiras e homossexuais que recorrem à procriação medicamente assistida (PMA) para conseguirem ter filhos”.

Conselhos para os casais

A psicóloga Ana Magina da Silva trabalha com casais que estão num processo de procriação medicamente assistida e com eles costuma:

1. Gerir as emoções e desconstruir as crenças que vão adotando ao longo dos tratamentos que são muitas vezes o reflexo de insucessos que ferem a resiliência e diminuem a esperança;

2. Ajudar a que sejam realistas com os tratamentos que têm pela frente, ou seja, não devem estar negativos nem demasiados positivos;

3. Ajudar a perceber se é tempo de fechar um livro ou tentar uma próxima vez;

4. Incentivar a darem atenção à sua alimentação e a articularem os tratamentos com acupunctura, ioga, meditação, técnicas que ajudam a promover um pouco mais a sua capacidade de relaxarem e retirar o foco sobre o tema, pois a vida dos casais tem de ser muito mais do que isso, e eles às vezes esquecem-se disso.

As técnicas de PMA

Os tratamentos de procriação medicamente assistida dividem-se em dois grandes grupos, como nos conta Miguel Raimundo:

1. “Os de primeira linha, que são as inseminações artificiais, nos quais se colocam os espermatozoides dentro do útero“;

2. “Os da segunda linha são as fertilizações in vitro (FIV), que podem ser convencionais, ou seja, os óvulos são removidos dos ovários da mulher e fertilizados com esperma em laboratório, ou ICSI (microinjeção intracitoplasmática de espermatozoide), na qual o embriologista fura o óvulo e coloca o espermatozoide dentro daquele. Pode haver técnicas complementares como a seleção espermática e estudo de embrião”.

O médico ginecologista e obstetra especialista em Procriação Medicamente Assistida assegura que o método ao qual se recorre mais é à fertilização in vitro e explica o porquê: “A taxa de sucesso da inseminação versus coito programado, que é ter relações na altura certa, é muito sobreponível; por isso, é que geralmente se passa diretamente para a FIV.”

Maurizio Barbieri Carones não tem dúvidas de que, ao longo dos anos, as técnicas de fecundação assistida se tornaram muito mais eficazes. Melhores laboratórios, ecografias, técnicas endoscópicas levaram a um aumento da capacidade de sucesso.

No entanto, como diz Miguel Raimundo, “os casais precisam de ter a noção de que não existe uma taxa de sucesso de 100%. A taxa global de sucesso dos tratamentos, dependendo sempre da causa da infertilidade, ronda os 30 a 40%”.

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A idade do pai e da mãe

A idade dos pais, sim leu bem, de ambos, pai e mãe, também conta para a taxa de sucesso.

“Aquele ditado que diz que ‘homem velho com mulher nova filhos até à cova’ está ultrapassado”, salienta Miguel Raimund0, isto porque, continua, “a partir dos 40 anos, a produção espermática dos homens fica afetada e a prova disso são os resultados dos testes laboratoriais de fragmentação do ADN espermático que fazemos para potenciar as FIV e as ICSI”

“A partir dos 40 anos, verifica-se uma fragmentação aumentada e isso tem um impacto na fertilidade e na fecundação dos óvulos por esses espermatozoides“, continua.

“Portanto, a qualidade espermática aos 40 anos não é a mesma do que aos 20. Na mulher, a idade tem um impacto maior, porque, enquanto o homem está constantemente a produzir espermatozoides, mesmo que produza pior, a mulher nasce já com a sua reserva ovárica para o resto da vida e essa é a janela de tempo que tem para ter filhos”, acrescenta.

No sexo feminino, “a diminuição da fertilidade inicia-se depois dos 30 anos e cai ainda mais ao chegar aos 40”, refere Maurizio Barbieri Carones.

Entre tratamentos

Uma revisão da Cochrane (rede mundial e independente que junta e resume as melhores evidências de pesquisas) de 2017, lembra Miguel Raimundo, refere que “as mulheres podem ser submetidas sem risco para a sua saúde a seis tratamentos, mas uma FIV pode incluir várias transferências”

“No entanto, antes de qualquer tratamento convém analisar a mulher como um todo, através de exames complementares de diagnóstico, citologia, ecografia mamaria eventualmente mamografia e, nas mulheres com mais 40 anos, deve-se ainda avaliar o risco da gravidez”, termina.

No Sistema Nacional de Saúde, uma mulher só pode fazer tratamentos de fertilidade até aos 40 anos, mas no privado pode fazê-lo até 49, como nos esclarece o médico.

Quando os tratamentos não têm sucesso, quanto tempo se deve esperar até fazer uma nova tentativa?

“Na maior parte das vezes, podemos fazer tratamentos consecutivos desde que não tenha havido uma gravidez seguida de um aborto à oitava ou nona semana. Nesse caso, convém esperar um ciclo para o endométrio ficar mais regularizado e a implantação não falhar”, responde Miguel Raimundo.

O médico também sabe o quão violento é para um casal gerir as expectativas.

“O casal precisa de tempo para aceitar o insucesso e pensar numa nova fase”, afirma o médico. Aliás, todo o processo vai gerando ansiedade, explica o médico, que opta sempre por um tratamento personalizado para ir ao encontro de cada casal que tem à sua frente.

Apoio psicólogo

Há casais que procuram ajuda psicológica durante os tratamentos de fertilidade.

“A maioria dos que vêm ter comigo são-me referenciados por médicos que trabalham na área da fertilidade e quando chegam aqui já vem muito desgastados”, conta-nos Ana Magina da Silva, psicóloga e fundadora da Psicofértil, uma clínica de psicologia especializada na área da fertilidade.

“Por norma, as mulheres vão-se um pouco mais abaixo. Não só porque são estimuladas hormonalmente, mas também porque é no útero delas que se passa tudo”, explica a psicóloga.

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“As emoções são uma autêntica montanha-russa que vão desde a culpa à raiva, sem esquecer o medo de tentar um tratamento e este voltar a não dar”, continua.

Se, no início, eram as mulheres que a procuravam e os companheiros só iam quando eram por ela chamados, hoje, isso já não acontece.

“O homem está mais atento em termos do suporte emocional que deve dar à mulher; é um projeto de vida que ambos querem muito”.

Mas homem e mulher vivem de forma diferente todo o processo: “elas exteriorizam mais, mas isso não significa que o homem também não sofra. Tudo isso também tem repercussões na intimidade e comunicação do casal”, explica Ana Magina da Silva.

A psicóloga reconhece que os casais precisam de tempo para gerir um tratamento sem sucesso.

“É sempre uma mais-valia para o casal ter um tempo de reflexão para reajustar a sua própria resiliência para conseguir gerir as emoções de um novo processo”, afirma. O tempo necessário depende da capacidade do casal na gestão emocional, a quantos tratamentos já se submeteram e da idade que ambos têm.

A ansiedade

Ana Magina da Silva reconhece que a ansiedade é algo transversal a todos os casais que a psicóloga acompanha, mas é ali que ela entra. “Ajudo com exercícios para que ao longo de todo o processo de espera tenham consciência de onde estão e como podem desconstruir a ansiedade ao longo dos vários ciclos do tratamento”, refere.

Há duas palavras-chave para a psicóloga: a possibilidade e a probabilidade.

“São coisas diferentes e é fundamental, à medida que o tratamento avança, perceber qual é a possibilidade e a probabilidade de vir a gerar um filho, e os exames médicos também nos ajudam nisso”, diz, acrescentando, que também por esse motivo é importante ter ligação com os médicos que acompanham os casais.

O nosso objetivo é equilibrar o organismo para aumentar a qualidade dos óvulos e do endométrio – Sofia Candeias de Matos, terapeuta de Medicina Chinesa

“Nesta área da Psicologia da Fertilidade, é muito importante que o psicólogo tenha uma noção mínima das fases de tratamentos que exames específicos são feitos”, sublinha.

Quando há um aborto, avisa, é preciso trabalhar o luto e socialmente essa perda ainda é muito desvalorizada.

Recurso à acupunctura

Na área da fertilidade, a acupunctura está a ganhar algum peso.

Miguel Raimundo diz-nos que “há já evidência sobre a utilização da acupunctura na fertilidade e há protocolos específicos para isso”.

Sofia Candeias de Matos, terapeuta de Medicina Chinesa, especializou-se na área da saúde da mulher e fertilidade, já trabalha em equipa com alguns médicos e o seu grande desejo é que, tal como acontece noutros países, a acupunctura esteja presente em algumas clínicas de fertilidade.

“Quando fazemos numa consulta de avaliação, tentamos perceber em que estado a mulher está física e emocionalmente. O objetivo é equilibrar o organismo para aumentar a qualidade dos óvulos, do endométrio, do sistema endócrino e do sistema nervoso central, até porque este último é a base de tudo”, explica a especialista em Medicina Chinesa, que nos revela que a acupunctura também pode ajudar os homens a melhorar a qualidade dos espermatozoides, como se faz com os óvulos, o princípio terapêutico é o mesmo.

São vários os estudos que comprovam que a acupunctura consegue potenciar as FIV e até há protocolos para os próprios dias dos tratamentos.

Pelas mãos de Sofia Candeia de Matos já passaram muitos casos desses.

“Ainda recentemente uma paciente minha teve gémeos, depois de estar 7 anos a tentar e de vários insucessos. Esteve um ano e meio comigo e emocionei-me quando ela me mandou a mensagem a dizer que já tinham nascido. É isso que me faz vir todos os dias para a clínica”, afirma.

Por falar em tempo, a terapeuta aconselha três a seis meses de tratamentos, uma vez por semana. E como é que funciona a acupunctura?

“Não há nada de mágico. Quando pico, há um impulso nervoso que gera uma resposta. A acupunctura estimula os mecanismos de autorregulação e de autocura do organismo através da estimulação dos pontos nervosos que vão ativar determinadas zonas do nosso cérebro a produzir substâncias que estão em excesso ou em défice. No caso da infertilidade, equilibramos o estrógeno e progesterona e a FHS (hormona folículo estimulante)”, responde.

A versão original deste artigo foi publicada na revista Saber Viver nº273, março de 2023.
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