Crónica. Menstruação: porque continuamos a não falar dela?
Aprenda a Saber Viver sem tabus. Todos os meses, a sexóloga Vânia Beliz promete falar abertamente sobre sexualidade, com o propósito de desmistificar questões associadas ao sexo e à intimidade, e para a fazer pensar e refletir sobre temas que podem, mesmo, mudar a sua vida.
Quando falamos de menstruação vem-nos à cabeça uma quantidade de ideias, e a maior parte não são positivas. Apesar da maior parte das mulheres menstruar, este acontecimento que marca a puberdade das meninas tem sido condenado à obscuridade.
Ainda hoje muitas meninas afirmam não falar sobre a menstruação com as mães, e as que já tiveram essa conversa continuam confusas, o que faz prever que talvez não seja um momento muito esclarecedor.
Quando falamos em menstruação e na nossa primeira experiência – a menarca -, muitas mulheres recordam o momento sem surpresa, pelas piores razões.
Para muitas foi algo traumático e que as deixou envergonhadas, o dia em que lhes foi dito: a partir de agora és uma mulher! E antes? Éramos o quê?
Ainda hoje a menstruação está associada à sujidade, ao desconforto, à dor! Dão-nos comprimidos para aliviar a dor, pílulas para regular, para cessar, entre outros.
Os produtos de higiene multiplicam-se garantindo que ficaremos “livres”, “frescas” e “seguras”. A ideia de manchar a roupa ou ser-se notada como menstruante é assustadora.
O sangue
Quando falamos do nosso sangue, e recorde-se que apenas menstruam as mulheres que não fazem contraceção, falamos do sangue que desce pela vagina depois de sair do útero.
O endométrio, que prepara o útero para uma gravidez, despede-se dele sempre que não existe fecundação, dando origem ao sangue que sentimos sair.
Quando as mulheres fazem um contracetivo hormonal, existe um sangramento que não se chama menstruação mas sim hemorragia de privação.
O ciclo
O ciclo menstrual varia de mulher para mulher e ao longo da nossa vida. E cada uma tem o seu!
As dores, a quantidade de sangue libertado e todos os sinais e sintomas são variáveis e reclamam a nossa atenção.
Não somos máquinas, e sairíamos em grande vantagem se conhecêssemos o nosso ciclo e aproveitássemos todas as suas potencialidades.
A maior parte das mulheres sente-se com mais energia desde o início do ciclo, primeiro dia da menstruação, até ao dia em que ovulamos.
O estrogénio, presente nesta fase, faz-nos sentir mais despertas, mais criativas. Após a ovulação e início da segunda fase do ciclo podemos sentir-nos mais serenas, mais introspetivas, preparando-nos assim para uma nova menstruação e novo ciclo.
A fase do ciclo onde predomina a progesterona inclui também o famoso período de tensão pré-menstrual, que foi desde sempre rotulado como algo que nos faz sair da caverna… o TPM!
Este é um período em que a nossa sensibilidade se aflora, que devemos ouvir o nosso corpo e refletir sobre o nosso mês. Tempo para parar, dizem algumas ativistas.
A menstruação pelo mundo
Durante muitos anos, em algumas comunidades ancestrais, a menstruação era considerada um privilégio, reunindo as mulheres para um tempo de proximidade e união. Noutras culturas, menstruar ainda é algo impuro e castrador.
Em 2020 ainda morrem mulheres condenadas a isolar-se da sua comunidade por menstruar, como é exemplo no Nepal, o Chaupadi. E ainda há meninas que deixam de ir à escola por não terem acesso a produtos de higiene.
Desde 2014 que se realizam pelo mundo, no dia 28 de Maio, ações que visam sensibilizar para a promoção da higiene menstrual e significação da menstruação.
Menstruar é um privilégio que todas temos! Não tem de doer, não tem de ser sujo ou mau.
É importante que valorizemos a menstruação como algo que nos diz que estamos saudáveis, que marca o nosso ciclo de vida.
Existem hoje muitos movimentos para a compreensão da menstruação e é um privilégio aprender mais sobre o nosso ciclo e usufruir de tudo o que nos pode oferecer. É uma revolução, acreditem.
Vânia Beliz licenciou-se em Psicóloga Clinica e da Saúde. Mestre em Sexologia e doutoranda em Estudos da Criança na especialidade de Saúde Infantil, na Universidade do Minho, participa em projetos no âmbito dos Programas de Educação para a Saúde (PES) e o Projeto de Educação Sexual “A viagem de Peludim”, para crianças. É autora do livro Ponto Quê?, sobre a sexualidade feminina, e de Chamar As Coisas Pelos Nomes, dirigido às famílias sobre como e quando falar sobre sexualidade.