Em junho do ano passado, o caso de Matilde Sande, uma bebé a quem foi diagnosticada atrofia muscular espinhal do tipo 1, chamou a atenção dos portugueses para as doenças raras e as suas implicações na vida das famílias.
Na altura, os pais da criança mexeram mundos e fundos para conseguir que o medicamento mais caro do mundo, já usado nos Estados Unidos com bons resultados em casos idênticos aos da pequena Matilde, fosse administrado à filha.
O fármaco trava a evolução da atrofia que caracteriza esta doença, que afeta todos os músculos do corpo, causando perda de força, atrofia muscular e paralisia progressiva.
Algo que conseguiram em agosto, mas este não é caso único e doentes e famílias queixam-se da falta de informação e de tratamentos para estas enfermidades. E é para aumentar a consciencialização para esta temática que, no último dia de fevereiro, este ano 29, se assinalou o Dia Mundial das Doenças Raras, que só em Portugal atingem entre 600 mil e 800 mil pessoas.
Mais de seis mil doenças
Matilde faz parte dos 300 milhões de pessoas que sofrem de doenças consideradas raras em todo o mundo. Número este divulgado em outubro último num estudo publicado no European Journal of Human Genetics.
Na Europa, de acordo com o Orphanet (um consórcio de 40 países que reúne informação e promove o conhecimento sobre as doenças raras, de forma a melhorar o seu diagnóstico, o cuidado e o tratamento dos doentes), uma doença é considerada rara quando afeta uma em duas mil pessoas, mas o mesmo organismo lembra que uma doença pode ser rara numa região, mas comum noutra.
Na base de dados do Orphanet, estão referenciadas mais de seis mil doenças e destas, diz Ana Rath, coordenadora científica do Orphanet, diretora do Inserm (Instituto Nacional da Saúde e Investigação Médica francês) e responsável pelo estudo já citado, “149 são responsáveis por 80% dos casos mundiais. Cerca de 98% dos pacientes são afetados por 390 doenças”.
No mesmo estudo, refere-se ainda que 72% tem origem genética, outras derivam de doenças infeciosas, autoimunes e cancros raros.
70% manifesta-se na infância e a atrofia muscular espinhal proximal, neurofibromatose, osteogénese imperfeita, condro displasias ou síndrome de Rett são exemplo disso. No entanto, como se lê no site do Orphanet, “mais de 50% das doenças raras manifestam-se na idade adulta, caso das doenças de Huntington, Crohn e Charcot-Marie-Tooth, da esclerose lateral amiotrófica, do sarcoma de Kaposi ou do cancro da tiroide”.
Medicamentos ‘órfãos’
De acordo com a Eurordis, organização europeia não governamental para as doenças raras, estas são, geralmente, doenças crónicas, progressivas, que colocam a vida dos doentes em risco e comprometem a autonomia.
O maior problema associado às doenças raras prende-se com o facto de haver escassez de informação e pouco conhecimento científico, o que leva a diagnósticos imprecisos e à falta de tratamentos para as mesmas.
É para este facto que Ana Rath quer alertar com o estudo já citado, até porque, como diz, “quando analisadas em conjunto, estas doenças representam uma grande proporção da população mundial”, daí a necessidade de considerá-las nas políticas públicas de saúde.
Em setembro último, foram incluídas pela primeira vez numa declaração política das Nações Unidas e isso é fruto do trabalho que as diversas associações têm feito.
Algumas destas doenças são tratadas com medicamentos ‘órfãos’, que, como explica a Eurordis, “são produtos médicos destinados à prevenção, diagnóstico ou tratamento de doenças muito graves ou que constituem um risco para a vida e que são raras.
Estes medicamentos são designados como ‘órfãos’ porque, em condições normais de mercado, a indústria farmacêutica tem pouco interesse no desenvolvimento e comercialização de produtos dirigidos para o pequeno número de doentes afetados por doenças muito raras”.
Mas isso não pode impedir o progresso, já que os doentes com uma doença rara têm os mesmos direitos de quem tem uma enfermidade comum. E, mesmo quando não há um tratamento disponível, há cuidados que podem melhorar e até prolongar a vida dos doentes.
Algo vai melhorar
No final de 2019, a Assembleia da República aprovou na generalidade quatro projetos de lei para reforçar a proteção social e laboral dos pais de crianças com doenças raras ou oncológicas ou com deficiência e que voltarão a ser discutidos.
As propostas do Bloco de Esquerda, CDS, PAN e CDU incluem o acréscimo do período de licença parental em 60 dias para os pais cujos filhos nascem com deficiência ou doença rara ou oncológica; um aumento dos subsídios por riscos específicos e para a assistência de filhos para o sector público de forma a equipará-lo ao privado; redução do horário de trabalho e aumento do número de faltas justificadas e remuneradas para assistência à família.
A Direção Geral da Saúde implementou o Cartão da Pessoa com Doença Rara para melhorar os cuidados e assegurar a informação clínica do doente em qualquer situação.
Alguns contactos úteis
Se tem uma doença rara ou é familiar de alguém que sofre de uma, estas associações podem ajudar a perceber melhor a doença e o que tem de fazer para aceder a tratamentos.
• Aliança Portuguesa de Associações das Doenças – aliancadoençasraras.org
• EURORDIS
• ORPHANET