Por que nos apaixonamos e depressa perdemos o interesse? Por que nos aborrecemos com coisas que antes desejávamos arduamente ter? Porque estamos sempre à procura de coisas novas? Por que passamos tanto tempo nas redes sociais? Por que razão se põe em risco um relacionamento por uma noite de sexo? Por que olhamos para o futuro em vez de desfrutar do presente?
A “culpa” é da dopamina, um dos mais poderosos neurotransmissores do nosso cérebro e que é responsável por muitas funções importantes, incluindo motivação, produtividade e foco, mas tanto nos faz superar como deitar tudo a perder.
“Esta molécula mostra o melhor e o pior do ser humano”, como nos diz em entrevista Daniel Z. Lieberman, investigador e professor de Psiquiatria e Ciências Comportamentais na Universidade George Washington, nos EUA.
Há já alguns anos que o psiquiatra se dedica a estudar esta temática e, juntamente com Michael E. Long, físico de formação, mas escritor, guionista e orador de profissão, escreveu o livro Dopamina – Como a Molécula do Desejo Controla, o Amor, o Sexo, a Criatividade… e Determinará o Futuro da Humanidade, publicado recentemente pela Editorial Presença em Portugal.
Não restam dúvidas de que o melhor é aprender a usar a dopamina a nosso favor. “O futuro da Humanidade depende disso”, afirmam os autores.
Legenda: Dopamina, Daniel Z. Lieberman e Michael E. Long, 17,01€
Como foi descoberta a dopamina?
A dopamina foi descoberta em 1957 e, primeiramente, foi denominada a molécula do prazer, mas estudos posteriores demonstraram que provoca uma sensação muito mais poderosa do que aquele.
“Verificou-se que a compreensão da dopamina era a chave para explicar comportamentos e até a sua predição num espectro espetacularmente amplo do comportamento humano: a criação de arte, literatura e música; a busca do êxito, a descoberta de novos mundos e de novas leis da Natureza; pensar em Deus… e ficar apaixonado”, pode ler-se no livro mencionado atrás.
Não é, por isso, de estranhar que a Humanidade esteja viciada nesta molécula que, como refere Daniel Z. Lieberman, “é uma das que mais influencia o nosso comportamento”.
O seu interesse pela dopamina despertou quando, como psiquiatra, começou a ver o seu papel em muitas doenças diferentes, desde a esquizofrenia ao défice de atenção, passando pelo abuso de substâncias.
“Primeiro não vi a ligação entre elas, porque são todas muito diferentes, mas, quando me tornei professor na Universidade George Washington, comecei a pesquisar. O que encontrei foi tão entusiasmante que quis partilhá-lo
com o mundo”, conta-nos.
Não foi difícil convencer o amigo de longa data Michael E. Long, a acompanhá-lo neste caminho: “Fiquei imediatamente fascinado por encontrar uma explicação biológica para tantas coisas mágicas que nos acontecem. A dopamina é a explicação para o que somos e porque somos assim”, confirma o próprio.
A dopamina e o vicio
Para perceber como a dopamina funciona é preciso viajar até ao passado. Como nos explica o psiquiatra, “o sistema da dopamina desenvolveu-se quando os seres humanos viviam em ambientes de escassez, quando só queríamos estar vivos e passar os nossos genes à geração seguinte”.
Hoje em dia, continua, “temos a sorte de viver num ambiente de abundância, temos mais comida do que a que podemos comer e, assim, passamos a dar mais atenção a outros desejos da dopamina: queremos estar nas redes sociais, ter novos telefones, novas roupas, novos carros, etc.”.
E assim nasce o vício da dopamina, muito mais forte hoje do que noutras alturas da Humanidade. “Há mais coisas para a nossa dopamina desejar, e as empresas que as vendem percebem desta molécula e estimulam-na para nos tirar o controlo das nossas decisões”, refere Daniel Z. Liberman.
“Quando erámos homens das cavernas, tínhamos de estar atentos a tudo para sobreviver. A dopamina foi o que nos salvou a vida e nos fez progredir; contudo, em 2023, quando já não temos de nos preocupar que um tigre possa saltar de trás de um carro ou com o que vamos comer hoje, porque não faltam restaurantes, temos de agir de outra forma. E há duas formas de o fazer: permitirmos que a dopamina nos consuma ou controlá-la e usá-la para vivermos melhor”, realça Michael E. Long.
Pode a dopamina jogar a nosso favor?
Como é que podemos então pô-la a trabalhar a nosso favor?
“O primeiro passo é estar atentos. Pensamos que temos tudo controlado e que podemos escolher o que vamos fazer, mas não é verdade. Temos de aceitar que a nossa capacidade de fazer escolhas voluntárias não é absoluta e há muitos fatores que nos puxam para um lado ou para o outro, e a dopamina é um deles”, explica o psiquiatra.
“Temos de cultivar esta preocupação e questionarmo-nos porque fazemos escolhas que parte do nosso cérebro sabe que são negativas para nós. Temos de perceber que a dopamina nos leva a fazer determinadas coisas. Se estivermos conscientes, é mais fácil voltar a ter o controlo”, continua.
“Tal como um cavaleiro aprende a controlar o cavalo, que é um parceiro, mas que não controla totalmente, temos de
fazer o mesmo com a dopamina. Temos de a gerir da melhor maneira possível”, realça o escritor e guionista.
“Mais importante do que saber o que queremos é percebermos porque o queremos, saber se não é apenas um capricho. A forma como nos sentimos, pensamos e agimos está associada à maneira como este químico atua no nosso cérebro. Percebendo isso, podemos controlar mais o nosso futuro e a nossa felicidade”, garante Michael E. Long.
Vilã ou boa? Ambas
Logo no início da nossa conversa, Daniel Z. Lieberman disse que a dopamina mostra o melhor e o pior de nós. Passemos, então, a explicar esta afirmação.
“A paixão é importante, é um desejo tão forte que podemos sacrificar qualquer coisa para atingir aquele objetivo, que pode ser uma descoberta científica, uma peça de literatura, uma obra de arte… e é a dopamina que nos conduz a isso”, sublinha. A dopamina torna-nos felizes, mas também infelizes.
“No entanto, a tristeza é essencial, porque se estamos satisfeitos, não vamos mudar. Tudo o que mudou o mundo foi estimulado inicialmente pela dopamina. Foi feito a partir de um sentimento de insatisfação perante a situação da altura e de paixão que fez acreditar que as coisas melhorariam com a mudança”, esclarece o psiquiatra.
“Por outro lado, estimula a necessidade de querer mais e mais, vicia-nos compulsivamente em coisas que sabemos que destroem as nossas vidas. É como se fosse uma poderosa ferramenta que tanto nos conduz ao sucesso como nos destrói completamente”, adiciona.
Outra questão fundamental é que a dopamina nos impede de desfrutar do presente, faz-nos sentir aquela inquietação de que podemos ter sempre mais e melhor.
“Não nos deixa viver o presente; força-nos a olhar para o futuro e isso impede-nos de nos sentirmos felizes e satisfeitos”, assegura o professor universitário.
Na verdade, como refere Michael E. Long, “a dopamina faz-nos promessas que não pode cumprir. Cabe-nos a nós desfrutarmos do prazer do momento”.
Pensemos numa pessoa ambiciosa que quer uma casa de praia. “Quando atingir o seu objetivo, não vai desfrutar da casa, porque só pensa em ter mais e mais. A dopamina promete uma felicidade que, depois, ela própria cancela”, exemplifica o escritor.
Quem nunca desejou muito uma coisa e depois de a ter ficou desapontado ou aborrecido? Isto é o espelho da nossa sociedade nas mais variadas áreas.
“Em vez de agradecerem o que têm, as pessoas estão sempre a pensar em mudar, em melhorar e consertar as coisas, e não digo que isso não seja importante, mas também é a receita para se sentirem miseráveis”, alerta Daniel Z. Lieberman.
Viver no mundo irreal das possibilidades futuras não é saudável.
Há esperança
Mas é também a dopamina que nos faz levantar da cama e lutar. “Dá-nos esperança. Quem tem baixos níveis de dopamina, normalmente tem uma depressão e, nesses casos, as pessoas passam o dia na cama, porque não há nada que desejem ou lhes dê esperança”, sublinha o psiquiatra.
“Este é o momento certo para nos lembrar que não queremos nem pouca nem muita dopamina; a chave é o equilíbrio. Não é só desejar as coisas, mas também usufruir e gostar delas. Olhar só para o amanhã retira-nos o prazer do hoje e estamos numa época muito boa para estarmos vivos”, acrescenta Michael E. Long.
Posto tudo isto, qual será o papel da dopamina no futuro da Humanidade?
Daniel Z. Lieberman acredita que “a dopamina pode destruir a raça humana” e justifica:
“Falo da forma como a dopamina nos leva a usar os recursos deste mundo; como nos leva a querer conquistar mais terras, o que conduz a guerras; como tem levado as pessoas a terem menos filhos (atualmente já todos os países desenvolvidos têm um défice de crescimento populacional); como está a contribuir para o desenvolvimento da Inteligência Artificial e, apesar dos avisos para se abrandar nesta área, sabemos que tal não vai acontecer porque se não for uma empresa a desenvolvê-la, será a do lado, ninguém quer ficar para trás.”
Mas, como otimista que é, o professor realça também a contracultura.
“Ao mesmo tempo, há quem comece a perceber o valor de viver o momento presente, temos mais pessoas a falar de mindfulness, meditação… Portanto, acho que vamos conseguir, mas vai dar trabalho, não podemos apenas ouvir o nosso instinto, mas viver mais próximo da nossa configuração natural e termos o controlo do nosso cérebro”, remata.