A dor está toda na sua cabeça. É um facto cientificamente comprovado e aceite pela comunidade médica. Toda a dor tem como ponto de partida o cérebro. Mas isso não significa que seja fruto da sua imaginação. A dor crónica deve-se a uma sensibilidade do sistema nervoso a estímulos emitidos pelo cérebro, mesmo quando não existe um dano físico que o justifique. A repercussão que tem na vida das pessoas confere-lhe o estatuto de doença, gera preocupação crescente por parte dos médicos e foi incluída na lista condições a reconhecer pela OMS em 2018. É um problema que deve ser levado a sério.
O que distingue a dor crónica
A dor em geral é um sistema de alarme do organismo que nos avisa se algo não está bem. Pode estar associada a lesões, patologias, tratamentos ou procedimentos médicos. Pode atingir qualquer ponto do corpo. Esta dor aguda é o mecanismo de defesa, que se caracteriza por ser inferior a três meses e por ter uma causa identificável (dor pós-operatória, por exemplo).
O que distingue a dor crónica é, acima de tudo, a duração, que “se prolonga para além do seu período razoável (seis meses). É uma dor que persiste após o processo de cura. A sua função biológica já se esgotou, já não está a alertar para uma lesão. Torna-se o problema de saúde. Tem uma expressão diferente, um impacto enorme na qualidade de vida e requer um tratamento diferente”. Quem o explica é Ana Mangas, médica anestesiologista e coordenadora do Grupo de Estudo de Medicina da Dor da Sociedade Portuguesa de Anestesiologia (SPA).
A dor crónica em Portugal
No nosso país a dor crónica afeta 37 por cento da população e, em cerca de metade dos casos, é moderada a intensa, revela um estudo da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto. Reduz a qualidade de vida, prejudica as rotinas laborais e o bem-estar emocional e psicológico. O mesmo estudo diz que 13 por cento dos doentes tem também depressão.
“À semelhança do que se verifica noutros países europeus, a dor osteoarticular é a mais comum. No topo da lista está a lombalgia, a vulgar dor de costas”, comenta a médica anestesiologista. Embora a dor possa surgir em qualquer fase da vida, tende a ocorrer com maior frequência à medida que envelhecemos. “As patologias osteoarticulares – artrose, dores nas articulações, joelho ou anca – têm um peso muito grande no idoso.”
A lista de dores mais frequentes inclui ainda a “dor neuropática (provocada por uma lesão, patologia ou cirurgia) e que resulta da lesão de um nervo, a dor fantasma (após amputação ou mastectomia, por exemplo), a fibromialgia e a dor oncológica, que não é a mais expressiva”, enumera.
Mais vale prevenir…
Na opinião de Ana Mangas, importa “por um lado, adotar um estilo de vida saudável”. Mas, “por outro, nas situações em que há posições viciosas ou movimentos continuados, tentar compensar com a postura correta, exercícios para fortalecer os músculos ou usar tapete para o rato com almofada para apoiar o pulso”. As regras de uma vida saudável aplicam-se também na prevenção da dor crónica.
Praticar exercício moderado e manter o peso certo reduz o desgaste nas articulações e o risco de lesões. Não fumar e seguir uma dieta saudável previne inflamações e doenças que têm muitas vezes associada a dor, como as patologias cardiovasculares ou a diabetes. “Se o açúcar do sangue não está controlado altera o funcionamento dos nervos periféricos, por isso, aparecem lesões associadas ao pé diabético”, exemplifica.
A importância de falar, sem receio
Embora seja um sinal natural, a dor deve ser tratada. Valorizar o que sente é o primeiro passo. Associada à dor crónica pode surgir a alterações de sono, ansiedade e até depressão. Perante uma dor que persiste, deve consultar o médico de família, que irá avaliar o problema, definir a terapêutica e, se necessário, encaminhá-la para as Unidades de Dor nos principais hospitais, onde uma equipa multidisciplinar abordará o problema.
Como descreve a médica, “a dor crónica tem um componente biopsicossocial, portanto temos de atuar a nível biológico, psicológico e social. É importante perceber a situação (se é dor crónica e o que estará na sua origem), usar fármacos adequados e complementar o tratamento farmacológico com outras abordagens – massagens, acupuntura, osteopatia, reabilitação física, terapias cognitivo-comportamentais da psicologia – que têm influência benéfica no controlo a dor, na qualidade de vida e funcionalidade.”
Como (con)viver com a dor
A expressão ou impacto que a dor tem na vida e saúde de cada um é variável, uma vez que não é sentida nem valorizada de igual forma por duas pessoas diferentes. “Atualmente o conceito de dor puramente física é algo ultrapassado”, frisa a médica. Isto explica porque o tratamento da doença não se esgota nos fármacos: “O apoio psicológico é fundamental porque permite criar estratégias para lidar com a dor. A abordagem cognitivo-comportamental, o relaxamento e a atenção plena (o mindfulness) contribuem para o controlo da dor.”
Viver bem com uma doença crónica implica um bom acompanhamento médico, mas sobretudo uma atitude positiva. A forma de encarar o problema é determinante e tudo aquilo que possa fortalecer a atitude e a resiliência é útil. “A pessoa deve superar-se”, aconselha Ana Mangas, “procurar estilos de vida e atividade que lhe deem prazer, tanto quanto a sua doença permitir. Ter um hobby tem também um impacto muito grande em termos psicológicos e sociais.»
As massagens são uma ajuda?
As conclusões de um estudo publicado em abril de 2016, na revista Pain Medicine confirmam benefícios às massagens. Segundo os investigadores fazer massagens melhora o controlo da dor, a funcionalidade e a qualidade de vida de adultos com dor crónica na região lombar.
Sobre isto Ana Mangas diz-nos: “É muito interessante porque a massagem tem duas componentes. Por um lado, o relaxamento que induz e que melhora a capacidade de lidar com a própria dor. Por outro lado, algumas situações de dor crónica, como lombalgia, podem estar muito associadas a problemas musculares que respondem bem à massagem.”
A importância da alimentação na prevenção
Já se sabe que a alimentação tem um impacto em muitas vertentes da sua saúde, e na dor crónica acontece o mesmo. Sobre isso Ana Mangas refere:
• Peso. “O controlo da obesidade é fundamental para a prevenção e redução do desgaste articular, na origem de dor crónica. Seguir uma orientação nutricional fará certamente a diferença”
• Desequilíbrios nutricionais. Algumas dietas levam à falta de vitaminas, ácidos gordos que podem originar dor ou dificultar a cicatrização e o processo regenerativo. “Um nervo ou tecido lesado tem uma determinada capacidade de regeneração. Um ambiente favorável ajuda na prevenção de dor crónica”
• Efeitos secundários. “Quando as terapêuticas têm efeitos secundários, como a obstipação, a estratégia principal para corrigir o problema está a dieta: consumir mais fibra, água, fruta”
Sofre de dor crónica? Sente que este artigo foi uma ajuda?