Não comer para beber? Saiba tudo sobre a drunkorexia
O álcool tem muitas calorias e, contrariamente às da comida, não tem qualquer valor nutritivo, mas há quem troque os nutrientes por essas calorias vazias, tudo em prol de poder beber mais e não engordar. Falamos da drunkorexia, um distúrbio alimentar.
Saltar refeições com o intuito de ingerir menos calorias para compensar o consumo de álcool é uma conduta cada vez mais comum. Apelidada de drunkorexia, em inglês, é um problema alimentar, tal como a anorexia e a bulimia, mas menos estudado do que estas e, por isso, ainda não é considerado uma perturbação psiquiátrica.
Para saber mais sobre este tema, entrevistámos Dipali V. Rinker, professora e investigadora na Escola de Medicina da Universidade Americana das Caraíbas, em St. Maarten, e na Universidade de Houston, no Texas, e Tiago Fonseca, psicólogo clínico na Psinove. Ambos são unânimes: é preciso olhar mais para este distúrbio pois pode ser tão severo e disfuncional como as outras perturbações do mesmo foro.
Dipali V. Rinker diz ser um problema “mais comum em quem se preocupa demasiado com o corpo e já tem tendência para um consumo exagerado de bebidas alcoólicas. A ingestão de calorias é colmatada pela não ingestão de comida ou pela prática excessiva de exercício físico”.
Esta perturbação, realça Tiago Fonseca, “associa dois problemas distintos, sendo eles o controlo exacerbado de calorias a serem ingeridas e o excesso de consumo de álcool”.
Um problema dos jovens?
Alguns estudos mostram que a anorexia alcoólica parece estar mais ligada a mulheres dos 18 aos 23 anos. No entanto, na pesquisa sobre o tema realizada, em 2016, na Universidade de Houston, e liderada por Dipali V. Rinker, “não foram encontradas diferenças de género”.
A investigadora acredita que isso se deve “ao facto de os homens se preocuparem mais com o corpo atualmente, o que atenua as diferenças que podiam existir anteriormente. Eles podem não se preocupar tanto com o peso, mas estão preocupados em ter músculos”.
Dipali V. Rinker diz ainda que “os estudos feitos analisaram estudantes universitários e jovens adultos, e que o próximo passo é perceber se este é um problema que também afeta pessoas mais velhas”. “Eu penso que sim”, frisa, adiantando ainda que “provavelmente a pandemia agravou esta conduta até porque, em geral, as pessoas passaram a beber mais por passarem mais tempo em casa, apesar do convívio social, propício a este comportamento, ter diminuído”.
Da pouca investigação existente, “foi identificada a ligação entre esta perturbação e atitudes e comportamentos de uma nova geração virada para as redes sociais, sendo elas a procura incessante pela imagem perfeita e o consumo excessivo de álcool”, refere o psicólogo.
Tiago Fonseca explica que “foram também identificados dois comportamentos distintos. Um deles representa a tendência para comer menos ou até mesmo não comer de forma a possibilitar a ingestão de maior quantidade de bebidas alcoólicas. Outro, o de comer menos no dia a seguir à ingestão de bebidas alcoólicas para compensar o consumo exagerado de calorias provenientes dessas bebidas. De qualquer forma, a ideia da naturalização do excesso está presente”.
Perigos físicos e mentais
Em Portugal, salienta Tiago Fonseca, “não há dados concretos sobre a drunkorexia. O que sabemos é que tem vindo a crescer entre os jovens e poderá vir a tornar-se uma perturbação alimentar comum. No entanto, uma das formas de evitar que se torne um problema usual é o seu estudo, que ainda carece de muita atenção”.
Os riscos para a saúde da drunkorexia são variados. Para a professora e investigadora, “sobressaem os problemas no fígado, mas também sabemos que o excesso de álcool leva a comportamentos sexuais mais descuidados, mais acidentes e depressões”.
Tiago Fonseca começa por enumerar os riscos “ligados ao consumo de álcool excessivo e ao seu consumo sem ingestão de alimentos, o que leva à condição alcoólica de forma mais rápida e severa. Neste sentido, existem vários problemas físicos que daqui podem ocorrer, como problemas no sistema digestivo, no fígado e rins e mesmo na boca e dentes. Por outro lado, existem outros problemas igualmente físicos associados às perturbações alimentares, como falta de energia e de motivação”.
Já na “vertente psicológica, existem associações a comorbilidades como a depressão e ansiedade, bem como a passagem a outras perturbações alimentares como a anorexia e a bulimia. A perda de controlo nas situações de consumo excessivo também pode levar a comportamentos de risco e a dependências, do próprio álcool e de outras substâncias”, avisa o psicólogo.
Além disso, alerta Tiago Fonseca, essa conduta terá repercussões, primeiro, no desempenho escolar e profissional, mas também nas capacidades relacionais e de socialização, o que levará à quebra da rede de apoio e consequente isolamento, que reforçará o comportamento.
Um dos riscos do consumo excessivo de álcool sem ingestão de alimentos é levar ao alcoolismo de forma mais rápida e severa
Terapia multidisciplinar
O tratamento desta perturbação deve ser multidisciplinar, ou seja, deve ser acompanhado por diversos profissionais. “É importante a presença de um psicólogo, de um psiquiatra e de um nutricionista para um melhor acompanhamento. A existência de uma rede de apoio próxima e segura é essencial neste tipo de perturbações”, explica Tiago Fonseca.
“Sabemos que as terapias comportamentais são muito eficazes em jovens adultos”, acrescenta Dipali V. Rinker, que sustenta que as consultas com psicólogos ao vivo ou online são de extrema importância para quem sofre de drunkorexia.
“O papel do psicólogo será apoiar a pessoa no regresso ao seu percurso saudável”, ou seja, é importante “na recuperação do sentimento de controlo sobre a alimentação e sobre o corpo, ajudando a reestruturar a crença de que apenas o conseguirá através de comportamentos alimentares disfuncionais”, esclarece Tiago Fonseca.
Relevante é também a ajuda na criação de “ferramentas e estratégias que possibilitem a funcionalidade diária, mesmo na eventual perda de peso, de forma saudável”, tal como na regulação emocional e na satisfação de necessidades psicológicas da pessoa, ajudando ao equilíbrio necessário ao seu bem-estar”, continua o psicólogo.
Mas a ajuda psicológica não se fica por aqui, é ainda importante “o acompanhamento familiar, promovendo uma comunicação eficaz entre todos os membros da família e o sentimento de apoio; a gestão da dor e da perda, da mudança, da adaptação, da ansiedade e do stresse diários. Além de tudo isso, contribui para a resolução de conflitos internos e a promoção de autoestima e de uma imagem de si próprio funcional e saudável”, refere Tiago Fonseca.
Tenha atenção aos sinais
Os indicadores que podem ser um sinal de drunkorexia, segundo o psicólogo Tiago Fonseca:
- A não ingestão de alimentos durante os episódios de consumo alcoólico;
- A ingestão de grandes quantidades de bebidas alcoólicas num breve espaço de tempo;
- Estes momentos são seguidos de vómito induzido para se continuar a beber;
- Presença social, quase exclusiva, em situações onde exista consumo de álcool;
- Valorização obsessiva e excessiva do corpo magro;
- Medo excessivo de engordar;
- Perceção da imagem corporal disfuncional e não real;
- Baixa autoestima, elevada autocrítica e não aceitação da própria imagem corporal.