Sabia, por exemplo, que a endometriose afeta entre 3% a 10% da população feminina em idade reprodutiva? E que a sua prevalência pode subir para entre os 35% e 50% em mulheres com infertilidade? Esta é uma doença sem cura, e que parece não dar tréguas ao sexo feminino.
Estudos recentes apontam que o estrogénio está diretamente ligado com o desenvolvimento da doença, estando por isso geralmente associada ao período reprodutivo da mulher. Contudo, importa saber que a patologia pode surgir em qualquer fase da vida da mulher.
Para esclarecer o essencial sobre esta patologia tão complexa, falámos com José Cunha, diretor clínico na AVA Clinic Lisboa.
O que é a endometriose?
“Podemos definir a endometriose como a presença, fora do útero, de tecido semelhante ao endométrio (tecido que reveste o interior da cavidade uterina), que vai provocar uma reação inflamatória crónica, nos locais onde se implanta”, esclarece o especialista.
Quando estas células endometriais se fixam à volta do útero, na cavidade pélvica, envolvendo os ovários, as trompas, os ligamentos uterinos, a bexiga, o intestino, podem alterar a anatomia da pelve da mulher, o que acaba por originar a doença.
Durante o ciclo menstrual, o crescimento do tecido é controlado pelas hormonas de estrogénio e progesterona, o que, normalmente, é imprescindível para uma gravidez. Quando tal acontece fora da cavidade uterina, pode afetar o funcionamento de certos órgãos ou do sistema reprodutor.
Possíveis causas e algumas teorias
“Não se sabe ao certo o que causa a endometriose e, apesar de várias teorias terem sido propostas para explicar a origem desta doença, a hipótese da menstruação retrógrada é a que reúne maior aceitação por parte dos especialistas nesta área da medicina”, começa por explicar José Cunha.
A menstruação retrógrada, que é a saída de sangue menstrual pelas trompas para dentro da cavidade pélvica, é, segundo o especialista, bastante comum, atingindo entre 75% e 90% das mulheres que realizaram laparoscopias (procedimento cirúrgico minimamente invasivo) na altura da menstruação.
Contudo, há algumas lacunas nesta teoria, “pois a prevalência de endometriose foi estimada em apenas 5% a 20% destas mulheres, onde se constatou a menstruação retrógrada”, esclarece.
Outra possibilidade prende-se com questões de hereditariedade. “Alguns estudos demonstraram ainda que as mulheres com endometriose sintomática, podem ter uma predisposição genética para que o endométrio se implante no peritoneu (tecido que reveste todos os órgãos da cavidade abdominal) e parecem ter, também, uma predisposição adicional para uma resposta inflamatória às mudanças cíclicas que ocorrem no endométrio ectópico.”
Outro critério que corrobora esta possível causa para a endometriose é o facto de o risco de a mulher desenvolver esta doença aumentar significativamente (entre cinco a seis vezes mais) se tiver um familiar em primeiro grau com essa patologia.
Os sintomas da doença
Segundo o diretor clínico, os principais sintomas da endometriose são a dor na região pélvica e/ou abdominal, a infertilidade ou ambas. “Como a prevenção desta doença é muito difícil, pois não se sabe ao certo como se origina, é crucial a mulher, desde a adolescência, estar atenta a sinais de alarme.”
Sinais a que deve estar atenta
- Dores menstruais fortes e/ou algias pélvicas, que se tornam crónicas;
- Dores durante ou após as relações sexuais (dispareunia);
- Perdas de sangue irregulares, entre menstruações ou menstruações abundantes;
- Queixas do foro intestinal e urinário relacionadas com o período menstrual;
- Dificuldade em engravidar e infertilidade;
- Fadiga e cansaço crónicos.
Caso sinta algum destes sintomas de forma persistente e ao longo do tempo, deverá marcar uma consulta com o seu ginecologista o mais brevemente possível.
“É importante também destacar que entre 20% a 25% das pacientes com endometriose são assintomáticas”, afirma José Cunha. Por esta razão, é preferível optar por um especialista com experiência nesta doença.
Como é feito o diagnóstico?
Difícil de detetar, o diagnóstico da endometriose é complexo, uma vez que o grau de gravidade da doença não está diretamente relacionado com a sintomatologia.
“Exames imagiológicos, como a ecografia pélvica com sonda vaginal, e a ressonância magnética nuclear são os mais indicados para demonstrar a presença da doença”, começa por explicar José Cunha.
“Existem também exames laboratoriais específicos que podem ajudar a confirmar a endometriose. Contudo, o diagnóstico rigoroso desta patologia só consegue ser feito por visualização direta das lesões e colheita de material para análise histopatológica, realizada preferencialmente por laparoscopia e, mais raramente, por laparotomia”, diz.
Qualquer uma destas abordagens permitem um tratamento cirúrgico das lesões, contudo, e segundo o especialista, é preferível optar pela via laparoscópica, “pois tem mais vantagens que a laparotomia, porque permite um menor tempo de hospitalização, anestesia e recuperação, além de possibilitar, na maioria dos casos, uma melhor visualização dos focos da doença”.
Tratamentos e procura por uma cura
Tal como já foi dito, a cura completa desta doença é extremamente difícil, mas existem alguns tratamentos que permitem controlar a sua evolução e atenuar os sintomas de forma significativa.
“Quando a mulher entra na menopausa, a endometriose regride espontaneamente, devido à ausência das menstruações e à redução da produção hormonal. Todavia, e felizmente, uma grande percentagem das mulheres afetadas por esta doença consegue ter uma vida perfeitamente normal, com nenhum tratamento ou com tratamentos simples (uso de anticoncecionais hormonais de forma cíclica ou contínua), sem efeitos secundários significativos”, esclarece o diretor clínico na AVA Clinic Lisboa.
Sendo o objetivo principal dos tratamentos atenuar a dor, resolver o problema da infertilidade e eliminar as lesões causadas pela endometriose, há vários fatores a ter em conta antes de escolher a melhor terapêutica. Esta decisão vai depender:
- Dos sintomas e da sua intensidade;
- Se a mulher deseja engravidar e da sua idade;
- Da localização e extensão das lesões de endometriose;
- De particularidades específicas de cada caso.
De seguida, há dois rumos possíveis: a terapêutica médica, baseada no uso de anti-inflamatórios não esteroides (AINEs) e medicamentos com efeito hormonal, e a terapêutica cirúrgica.
“É preciso ter a noção que as terapêuticas médicas apenas têm um efeito supressor sobre a doença e aliviam os sintomas, tendo um impacto algo limitado sobre a extensão das lesões de endometriose”, explica José Cunha.
Quanto à terapêutica cirúrgica, utilizada habitualmente nos casos mais graves, é indicada quando:
- Os medicamentos não conseguem aliviar as dores na região abdominal/pélvica e a dispareunia;
- Existe invasão e aderências entre várias estruturas e órgãos na cavidade abdominal, que causam sintomas significativos (urinários, intestinais e outros);
- Há lesões suspeitas de características malignas;
- Os focos de endometriose bloqueiam as trompas de Falópio e levam ao desenvolvimento de endometriomas, com volume significativo;
- A endometriose causa infertilidade e a mulher não consegue engravidar.
O especialista alerta ainda que “para tratar a infertilidade associada à endometriose é, muitas vezes, necessário recorrer a mais do que uma das opções terapêuticas anteriormente referidas, para além da utilização de outros meios, como as técnicas de Procriação Medicamente Assistida (PMA)”.
Endometriose e a gravidez
Feito o diagnóstico, eis uma pergunta que surge com frequência quando se fala em endometriose: “é possível engravidar”? Para além de esclarecer esta questão, é necessário desmistificar algumas ideias erradas, como a de que não é possível conceber devido a esta patologia.
Aliás, José Cunha vai mais longe e afirma que “a gravidez pode, em certa medida, ajudar a tratar a endometriose. Isto é, contribuindo para que a doença não evolua ou mesmo possa regredir.”
De acordo com o especialista, “a explicação está no facto de a gravidez produzir, nos implantes de endometriose, um clima hormonal diferente daquele que um ciclo menstrual normal induz. Além disso, os meses após o parto, sobretudo enquanto a mulher amamenta e não menstrua, são um período em que não existe estímulo de estrogénico para o desenvolvimento do tecido endometrial ectópico.”
Contudo, nem tudo são boas notícias. A verdade é que esta doença pode também afetar a evolução da gravidez, sobretudo quando de manifesta nas suas formas mais graves. Por isso, José Cunha adverte: “É fundamental que as mulheres grávidas que têm endometriose sejam vigiadas com regularidade, em consultas da especialidade, para prevenir complicações”.
Riscos para as mulheres grávidas
- Aumento da probabilidade de gravidez ectópica tubária;
- Maior probabilidade de abortamento;
- Aumento do risco de parto prematuro;
- Maior incidência de complicações relacionadas com a placenta;
- Maior risco de pré-eclâmpsia/ eclâmpsia;
- Aumento da taxa de parto por cesariana.
Endometriose e a infertilidade
Como já referimos, a endometriose está, muitas vezes, associada à infertilidade nas mulheres – estima-se que entre 30% a 50% das mulheres com endometriose virão sofrer de infertilidade.
Outros estudos comprovaram que, quando existe endometriose, a taxa de fecundidade mensal é inferior (menos de 10%) à dos casais férteis (entre 15% e 20%).
“Embora a endometriose prejudique a fertilidade, geralmente não impede completamente a conceção. Ainda que haja uma evidência científica substancial da relação entre endometriose e infertilidade, os mecanismos que a causam não são, ainda, totalmente compreendidos e parecem ser diferentes em distintos estádios desta doença”, explica o especialista na matéria.
A vida depois do diagnóstico
Desde a dor pélvica crónica, o sintoma dominante da endometriose, a dores intensas durante o ato sexual, que muitas vezes perduram durante um a dois dias após o coito, ou ainda dores a urinar, caso a bexiga seja atingida, é indiscutível a repercussão desta patologia na vida da mulher, quer do ponto de vista físico e psicológico, como do ponto de vista social e económico.
Assim, “o diagnóstico precoce e o tratamento atempado sãos fatores muito importantes para a qualidade de vida e para o futuro da mulher”, remata José Cunha.