Sophie Deram: “Saudável é comer de tudo sem restrição nem culpa”
“Não fazer dieta, comer comida caseira e cozinhar”. Estes são os pontos que a nutricionista diz serem essenciais para mudar a relação com a comida, comer melhor e emagrecer. A nutricionista conversou com a Saber Viver sobre os mitos das dietas e como emagrecer de forma saudável.
Esqueça tudo o que ouviu e leu até agora sobre emagrecer. É possível fazê-lo sem andar a contar calorias e comer com prazer. Quem o defende é a nutricionista Sophie Deram, que assegura que não se pode simplificar o corpo àquilo que se come e se gasta, e que as dietas restritivas fazem mal à saúde.
A também autora do livro Os 7 Pilares da Sabedoria Alimentar partilha sete dicas de como ter uma relação saudável com a comida. São elas:
1. Fazer as pazes com o corpo;
2. Cuidar do cérebro, já que é ele que controla tudo, da fome à saciedade;
3. Pensar de forma sustentável, ou seja, não ter pressa no processo de emagrecimento e perceber como o seu corpo funciona;
4. Respeitar a fome e não a confundir com emoções;
5. Comer melhor, não menos, o que significa comer mais comida caseira e fresca;
6. Alimentar-se de outras energias, que é como quem diz fazer coisas de que goste, além de comer, e dormir bem;
7. Cozinhar e celebrar a comida.
Entrevista à nutricionista Sophie Deram
No início do seu livro, diz que “fechar a boca e fazer exercício” não é a solução para ter saúde e emagrecer. Dá-se demasiada importância às calorias?
Essas duas coisas até podem ajudar, mas um discurso focado nas calorias ingeridas e gastas é uma visão simplista do corpo. Quem ganha com isso é o negócio das dietas, dos ginásios e das cirurgias.
Por que é que tanta gente, hoje em dia, tem uma relação tão má com a comida e com o corpo? É algo recente ou no passado também acontecia?
Acho que é uma coisa recente. Os nossos avós não tinham essa cobrança do corpo perfeito, do padrão ideal, do controlo da comida. Hoje, a exigência é grande não só do ponto de vista físico, mas também do padrão moral da alimentação.
Temos de comer os alimentos certos, pensar constantemente nas regras, e isso leva à culpa, à insatisfação corporal e a uma luta, que dura a vida inteira, contra o corpo. Quando isso acontece, perde-se saúde e autoestima.
Está demonstrado por estudos científicos que o efeito ioiô das dietas altera a saúde a longo prazo e aumenta o peso. As dietas restritivas funcionam no início, mas, depois, engorda-se ainda mais.
Porque ninguém aguenta tantas restrições durante muito tempo?
O cérebro odeia essas restrições e vai fazer de tudo para fracassar. Não é fisiológica e mentalmente possível uma pessoa saudável conseguir manter uma dieta restritiva.
Quem consegue fazer dieta por muito tempo e manter o peso baixo é quem sofre de transtornos alimentares e isso é tudo menos ser saudável.
Além da ingestão de suplementos alimentares, há profissionais de saúde que receitam antidepressivos a quem está a fazer uma dieta… Que saúde é esta?
Defende a importância do prazer de comer e de estar à mesa…
Ser-se saudável é ter-se bem-estar físico, mental e social, e o prazer de comer faz parte disso, não é pecado. Quando comemos com prazer e sem culpa, acabamos por comer menos.
Quando se faz dieta, não se retira prazer das refeições e desconectamo-nos do nosso corpo. Terceirizamos a fome, não escolhemos o que comemos, nem os horários, não ouvimos o corpo, tudo porque temos um papel para seguir, o que é uma catástrofe!
Tem apenas três regras para melhorar a relação com a comida: não fazer dieta, comer comida caseira e cozinhar. Parece simples.
Defendo essas dicas há mais de 10 anos. Fazer dieta modifica a relação com a comida e faz engordar; comer comida mais fresca e caseira, porque os estudos são muito claros: ter uma alimentação menos processada é melhor para a saúde; cozinhar, porque assim temos acesso a comida fresca e caseira, fatores de prevenção de obesidade e diabetes tipo II.
Mas simples não quer dizer fácil.
Mudar de hábitos é sempre difícil para todas as pessoas?
Sim, mas também porque vivemos numa sociedade que só fala de dietas e de controlo. Hoje, não fazer dieta até pode ser considerado um ato revolucionário porque vai contra o que a maioria recomenda.
Além disso, comer comida fresca e caseira não é fácil porque temos de comprar, planear e preparar.
O que se deve fazer para mudar de hábitos alimentares?
Se eu tivesse uma só palavra, ficava rica [risos]. Não há nenhuma prescrição nem nenhum remédio, mas desenvolvi sete pilares para que as pessoas percebam onde estão e onde podem melhorar e que não é suficiente fechar a boca e fazer exercício.
É preciso ter em conta o ritual da refeição, estar conectado com a fome e com a saciedade, cuidar da mente e do cérebro.
Os sete pilares são todos igualmente importantes ou há algum mais importante do que outro?
Cada pilar é importante, mas mais relevante ainda é a pessoa autoavaliar-se e, claro, se sentir que tem uma nota de satisfação baixa num deles, é o que deveria trabalhar mais.
No entanto, também será o mais difícil, portanto, as pessoas têm de ser gentis consigo próprias e perceber o que conseguem mudar.
O que é uma alimentação saudável?
É muito mais do que o que está a ser vendido e não é comer apenas alimentos light, diet, biológicos, integrais, sem glúten, sem lactose… Saudável é comer de tudo sem restrição nem culpa, com prazer, e respeitando a fome e as emoções.
Não é só o que se come, mas como se come. Comer de forma saudável é comer em paz, saber reconhecer a fome e a saciedade, é comer mais fresco e caseiro e menos processado, cozinhar mais e aproveitar o momento social.
Quando alguém chega ao seu consultório com excesso de peso, começa por fazer alguma restrição calórica?
Não. A palavra que eu mais repito no meu consultório é ‘comer’.
Começo por saber a história de cada pessoa e o que a levou àquele peso (se foi uma vida de dietas, questões metabólicas, se é o stresse do trabalho, etc.) e explico que muitas pessoas estão a adoecer porque não se autorizam a comer.
Quando não comemos, o apetite aumenta, porque o nosso cérebro está sempre a tentar equilibrar-se. Quanto mais dieta fazemos, mais apetite temos; queremos comer menos, mas só pensamos em comer.
Quem passou a vida a fazer dieta fica um pouco assustado com a minha abordagem, mas dois a três meses depois já está a comer 30 a 40 por cento menos no geral e 50 por cento menos de doces, ou seja, está a comer menos e melhor.
A opinião da nutricionista
Jejum intermitente
“O jejum é interessante na parte científica, mas apresentá-lo como uma dieta para emagrecer, para mim, é um crime. Claro que há pessoas que podem beneficiar, mas a falta de nutrientes leva à perda de reflexos e de coordenação.
Não há uma reeducação alimentar e já foi comprovado que, apesar de os resultados iniciais serem bons, 95 por cento das pessoas volta a ganhar peso.”
Comer à noite
“A maioria das pessoas tem o metabolismo mais acelerado de manhã do que à noite, por isso pode ser interessante comer mais ao pequeno-almoço, almoço e lanche e comer menos ao jantar.
Muitas vezes, quem está a seguir uma dieta chega à noite e come tudo o que lhe aparece à frente, mas é importante saber que isso aumenta o risco metabólico, ou seja, risco de vir a sofrer de diabetes tipo II, hipertensão, etc..”.
Veganismo
“O problema é a carência de vitamina B12, que não existe nos vegetais, portanto os veganos têm de tomar suplementação. É um estilo de vida e eu respeito, mas trabalho com comida e não com suplementação.
Os vegetarianos, como comem ovos e lacticínios, não têm essa carência. Em relação às proteínas, as vegetais substituem muito bem as de origem animal.
Importante é que, antes de alguém se tornar vegetariano ou vegano, deve procurar ajuda nutricional para não comprometer a saúde.”