Saúde

Saiba como o exercício físico é fundamental para a saúde digestiva

Talvez nunca tenha pensado muito nisto, mas o exercício físico e essencial para o bom funcionamento do sistema digestivo. Descubra como.

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Saiba como o exercício físico é fundamental para a saúde digestiva Saiba como o exercício físico é fundamental para a saúde digestiva
© getty images
Rita Caetano
Escrito por
Set. 20, 2022

Um terço dos portugueses tem problemas digestivos. “Azia, distensão abdominal, dificuldade em fazer a digestão, perturbações do sono devido a alterações digestivas ou refluxo gástrico originados pela carga de peso são alguns dos problemas mais comuns, e o estilo de vida sedentário contribuiu muito para isso”, diz Guilherme Macedo, diretor do Serviço de Gastrenterologia do CHU de S. João, presidente da Sociedade Portuguesa de Gastrenterologia (SPG) e da Organização Mundial de Gastrenterologia.

Além de uma alimentação equilibrada, há mais um fator a ter em conta quando a temática é a saúde digestiva: o exercício físico.

“Há um ponto de equilíbrio e de interferência mútua muito grande entre aquilo que é a saúde digestiva e o bem-estar geral das pessoas”, realça o também professor da Faculdade de Medicina do Porto. Vejamos como.

O exercício físico promove a saúde digestiva, porque estimula a produção de hormonas que favorecem o processo digestivo – Guilherme Macedo, diretor do Serviço de Gastrenterologia do CHU de S. João

Melhor circulação

“A primeira grande estrutura a beneficiar do exercício físico, além da óbvia estrutura muscular e esquelética ou articular – que é a primeira a estar em ação – é o sistema digestivo, uma vez que acaba por beneficiar da melhoria da circulação.

O exercício físico é um fator de promoção da nossa saúde digestiva, por um lado, porque ajuda na tonificação e na dinâmica da musculatura digestiva; por outro, põe em jogo um conjunto de produtos hormonais e de circunstância que favorecem todo o processo digestivo”, explica Guilherme Macedo, que exemplifica:

“Quem pratica exercício físico tem menor tendência para ter obstipação; tem melhor qualidade de sono e este é um dos fatores mais importantes para a saúde digestiva.

Curiosamente, quanto mais alterada estiver a saúde digestiva, mais perturbado estará o sono”. A prática regular de exercício físico contribui ainda “para a redução da obesidade e da sobrecarga pleural. Por todos estes aspetos, a melhoria funcional do sistema digestivo é garantida com a realização de atividade física”, diz o médico gastrenterologista.

O papel das hormonas

No que diz respeito às hormonas que estão em causa nesta interação entre a saúde digestiva e o exercício, o presidente da SPG refere que “as endorfinas são as que mais estão associadas à sensação de bem-estar e não há dúvida de que o exercício físico promove a sua produção.

É verdade que essa satisfação obtida resulta na melhoria da qualidade da nossa digestão, mas existem outras hormonas envolvidas no processo digestivo, como a grelina e a insulina”.

Guilherme Macedo garante ainda que “há evidências de que até a recuperação de algumas circunstâncias oncológicas digestivas é facilitada e melhora com o exercício físico. Isso ficou provado para o cancro do intestino e na recuperação pós-cirúrgica”.

Não nos podemos esquecer de que “os big five cancro do estômago, colorretal (também conhecido como cancro do intestino), fígado, pâncreas e esófago – são doenças que têm uma gravíssima repercussão na mortalidade oncológica no nosso País”, realça.

Silêncio vs. sintomas

A saúde digestiva “é algo que está profundamente presente no nosso dia a dia, mas só pensamos nela quando apresenta alguns sintomas. De uma maneira geral, a saúde digestiva significa silêncio”, esclarece o gastrenterologista.

Distensão abdominal, crises de obstipação e de diarreia, dor, enfartamento ou azia são algumas das manifestações de que algo está errado no sistema digestivo.

“Quando se tem muita azia, um sintoma relativamente comum, deve-se à sobrecarga de peso, a uma ingestão alimentar desregrada recente ou à toma de alguns medicamentos.

Quando se sente azia, significa que há uma perturbação e, por vezes, até inflamação de algumas áreas do aparelho digestivo, nomeadamente do esófago, mas sobretudo uma perturbação do seu funcionamento, o que causa distúrbios noutros níveis do processo digestivo e outros sintomas, como náuseas, desconforto abdominal e distensão abdominal.

Portanto, é um círculo vicioso que se estabelece entre a causalidade e a consequência”, descreve o presidente da SPG.

Alimentação equilibrada

Não podemos falar de saúde digestiva sem falar de alimentação e, no que diz respeito a esta, Guilherme Macedo é muito claro.

“São as regras comuns, ou seja, fazer uma alimentação razoável e racional; não ingerir muitos alimentos processados, carnes vermelhas, gorduras e alimentos que fermentem muito rápido.

Esse tipo de alimentos tem uma grande repercussão na saúde digestiva. É importante ter uma alimentação variada, ingerir muitos legumes e muita fruta (não excessivamente doce) e não comer doses exageradas”.

As fibras são importantes para a saúde digestiva no âmbito do trânsito intestinal, contudo, “se comermos muitos legumes e fruta pouco doce já estamos a dar um suporte importantíssimo de fibra ao nosso aparelho digestivo, não precisamos de fazer reforço”, remata o presidente da SPG.

A azia, as náuseas e o refluxo são muito típicos das pessoas que começam a fazer exercício físico numa fase em que ainda têm o peso profundamente desequilibrado – Guilherme Macedo, diretor do Serviço de Gastrenterologia do CHU de S. João

Sim ou não?

Guilherme Macedo, presidente da Sociedade Portuguesa de Gastrenterologia, responde a algumas dúvidas comuns.

Comer antes do exercício físico

“Depende do exercício físico. Se for regular, controlado e delimitado no tempo, não há necessidade de haver um reforço alimentar, mas sim de hidratação, que deve ser anterior à prática.

Se a duração estiver entre meia hora e uma hora, não há necessidade de estar sempre a beber. Após, há uma necessidade de um maior aporte.”

É normal ter fome depois do exercício

“É normal, porque há uma série de estímulos, o catabolismo aumenta, o metabolismo também. No fim da prática de exercício, há uma noção da necessidade, e essa noção biológica traduz-se em fome e na necessidade de aporte nutricional.”

As dores de burro estão associadas ao aparelho digestivo

“Uma das razões principais para a chamada dor de burro tem que ver com uma espécie de espasmo muscular em algumas estruturas intestinais, que é uma tensão muscular que não tem nenhuma gravidade.

Por vezes, pode estar associada a um fenómeno mais complicado que é um fenómeno vascular, que acontece quando existe uma certa limitação da irrigação vascular em determinadas áreas do intestino.

Pode também ser uma acumulação inapropriada de gás em determinadas zonas do quadrante abdominal.”

É comum haver enjoos e refluxo gástrico durante a prática do exercício físico

“Quando esses sintomas surgem, estão associados a sobrecarga de peso. O problema não é o exercício, mas o peso. Portanto, é necessário resolver esse problema e, ao mesmo tempo, aumentar a carga de exercício físico.

A azia, as náuseas e o refluxo são muito típicos das pessoas que começam a fazer exercício físico numa fase em que ainda têm o peso profundamente desequilibrado.

Há é mecanismos de proteção, porque há exercícios que podem provocar mais facilmente refluxo, caso dos exercícios isométricos e agachamentos consecutivos, portanto será melhor evitá-los.”

A versão original deste artigo foi publicada na revista Saber Viver nº 266, agosto de 2022.

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