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FIV: o que é, como funciona e os testemunhos de quem fez

FIV: o que é, como funciona e os testemunhos de quem fez

A Fertilização in Vitro (FIV) pode ser a solução para muitos casais que não conseguem ter filhos. Mas será eficaz? Tem riscos? Saiba tudo sobre este procedimento e leia os testemunhos de três mulheres que passaram por experiências completamente diferentes.

Por Mai. 24. 2019

Em Portugal, cerca de 1,5% dos nascimentos anuais é por via da Fertilização in Vitro. Mesmo assim, um número muito modesto quando comparado com os 7% na Dinamarca, considera Vladimiro Silva, especialista em Medicina da Reprodução das clínicas Ferticentro e Procriar.

A primeira bebé que nasceu por esta técnica foi Louise Brown, em Inglaterra, há 41 anos. Entretanto, já nasceram mais de cinco milhões de crianças concebidas deste modo, no mundo. Em Portugal, a primeira foi em 1986. Chama-se Carlos Saleiro e foi jogador do Sporting.

Segundo o último relatório oficial do CNPMA (Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida), em 2015 foram realizados em Portugal 2.526 tratamentos de Fertilização in Vitro. Mas foi só em 2016 que este tratamento passou a ser acessível a todas as mulheres – casadas ou solteiras, hetero ou homossexuais.

Durante muitos anos, a infertilidade foi um assunto considerado tabu. Porém, para José Cunha, diretor clínico na AVA Clinic Lisboa, a sociedade em geral e os casais envolvidos têm mais facilidade em assumir este problema com frontalidade, sobretudo na última década. Isto deve-se sobretudo à maior divulgação sobre o tema, que é, na realidade, um verdadeiro problema de saúde pública dos tempos modernos.

Seja como for, “ainda existe um estigma social em relação à infertilidade e ao seu tratamento”, defendem Vladimiro Silva e o Professor Pedro Xavier, ginecologista especializado na área de Medicina da Reprodução, e Presidente da Sociedade Portuguesa da Sociedade Portuguesa de Medicina da Reprodução (SPMR).

Para ficar com uma ideia mais clara sobre a FIV, com o apoio dos especialistas já citados, esclarecemos todas as dúvidas.

O que é a FIV?

A Fertilização in Vitro é uma técnica utilizada em meio laboratorial, onde são recolhidos ovários da mulher para serem fertilizados com os espermatozoides do companheiro/dador. A partir desse momento, obtêm-se embriões que são cultivados e desenvolvidos também em laboratório, para serem transferidos para o útero.

97, 98% dos embriões já sobrevivem à descongelação. Por isso, essas histórias de gémeos são mais associadas ao passado – Vladimiro Silva, especialista em Medicina da Reprodução

Como se processa o tratamento? As 4 etapas

Esmiuçando a definição de FIV, constata-se que esta passa por quatro etapas:

1ª Estimulação ovárica

Pedro Xavier informa que, numa primeira fase, o tratamento consiste numa estimulação aos ovários, através de uma injeção por via subcutânea. “Quase sempre as mulheres conseguem fazê-lo por autoadministração, e esse processo dura cerca de dez dias”.

É necessário estimular os ovários, porque num ciclo normal, as mulheres produzem um óvulo que pode ou não ser viável”, continua Vladimiro Silva. E acrescenta que para otimizar o processo, tenta-se sempre que se produzam mais óvulos do que o habitual. Caso se originem mais embriões que os transferidos, estes podem ser congelados para uso futuro.

As hormonas administradas na FIV são idênticas às que circulam no corpo da mulher. “São é dadas numa dose superior para aumentar a probabilidade de um dos óvulos ser viável e dar origem a uma criança”, sublinha o especialista.

Atenção que durante a estimulação ovárica, é imperativo que a paciente faça três ou quatro ecografias para controlar a resposta dos ovários à medicação.

2ª Punção folicular

“Depois de algumas análises, o médico decide se está no timing certo para se fazer a colheita dos óvulos. Essa colheita é feita com uma injeção que aspira, por via vaginal. A doente é posta a dormir, com uma anestesia ligeira, e o procedimento dura cerca de 15 minutos. Com a agulha, retiram-se todos os óvulos que a mulher produziu durante esses dez dias”, explica Pedro Xavier.

3ª Cultura embrionária

“Nesse mesmo dia, o homem faz a recolha dos espermatozoides, por masturbação ou biópsia, e são preparadas as duas células (do homem e da mulher) até dar origem aos embriões. É também nesta fase que se verifica se estes são viáveis”, continua.

4ª Transferência

Por fim, Vladimiro Silva explica que é feita a inserção de um embrião viável no útero e que tende-se a inserir um de cada vez. Isto porque atualmente a lei já não permite que se transfira mais do que três.

Mas como a medicina reprodutiva evoluiu muito em cinco anos, as técnicas de congelação atuais permitem que os embriões se mantenham viáveis. “97, 98% dos embriões já sobrevivem à descongelação. Por isso, essas histórias de gémeos são mais associadas ao passado”, esclarece.

Casos em que é indicada a FIV

De acordo com os especialistas entrevistados, a principal indicação para a Fertilização in Vitro são as situações de infertilidade em que haja um fator impeditivo do encontro entre o espermatozoide com o óvulo.

As principais causas para recorrer ao tratamento:

Trompas obstruídas (ex: endometriose – doença grave em que as mulheres retêm parte do seu ciclo menstrual na cavidade pélvica, provocando quistos e nódulos);

Homens com esperma de qualidade inferior;

• Idade feminina (+ 35 anos);

Infertilidade inexplicada (10% dos casais que recorre à FIV);

Quando outros tratamentos não funcionaram (ex: inseminação artificial);

 

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Cuidados a ter durante o tratamento

Em relação a esta questão, Vladimiro Silva é perentório: “seguir escrupulosamente as indicações do médico”. Mas há mais. Tome nota das indicações de José Cunha:

Cumprimento da medicação prescrita;
Alimentação equilibrada rica em proteínas e fibras;
 Correta ingestão de líquidos;
 Prevenção da obstipação;
 Dormir 7/8 horas por noite;
 Não consumir drogas, álcool e tabaco.

O Estado também limita o número de FIVs para três (uma por ano). Se uma mulher não conseguir engravidar em nenhum desses procedimentos, terá de recorrer ao privado – Pedro Xavier, Presidente da SPMR

Público vs privado: custos, idade e vagas

As principais diferenças entre o Sistema Nacional de Saúde (público) e o privado prendem-se com os custos, vagas e idade das mulheres que podem aceder a este tratamento.

Nos centros públicos, o tratamento é gratuito e os medicamentos comparticipados em de 69% (custo final de 400€). “Mas os casais que estejam a fazer tratamento em clínicas privadas também têm direito à comparticipação dos medicamentos”, esclarece Pedro Xavier.

A diferença está mesmo no custo do procedimento que, no privado, pode ir até aos cerca de 4.500€. Já cada transferência pode custar entre 990 a 1.800€.

“O modo como o tratamento é efetuado é igual no público e no privado”, diz-nos José Cunha, preferindo alertar-nos para o tempo de espera que, no público, pode exceder um ano. No Norte chega a demorar dois.

Este problema agrava-se nas mulheres mais velhas, já que o Sistema Nacional de Saúde (SNS) só as aceita até aos 39 anos. “Esta limitação associada ao tempo de espera leva a que a maioria das mulheres já não consiga efetuar tratamentos”, lamenta o especialista. Nestes casos, resta-lhes o sistema privado, já que trata mulheres até aos 49 anos.

O Estado também limita o número de FIVs para três (uma por ano). Se uma mulher não conseguir engravidar em nenhum desses procedimentos, mais uma vez terá de recorrer ao privado, avisa o Presidente da SPMR.

Casos de sucesso

“Em média, uma mulher engravida à segunda ou terceira tentativa de FIV”, informam-nos os especialistas entrevistados. E ressalvam que a taxa de sucesso depende muito da idade feminina: de cerca de 40 % abaixo dos 35 anos e de menos de 20 % acima dos 40 anos.

“Apesar de não haver uma idade limite para que se possa fazer este tipo de tratamento, acima dos 43 anos as taxas de sucesso são tão mínimas (< de 9%) que nem é aconselhado”, conclui José Cunha.

Quais os riscos da FIV?

“Os riscos dos tratamentos são baixos”, diz-nos José Cunha. Seja como for, alerta-nos que durante a estimulação ovárica pode ocorrer risco de estimulação exagerada, levando a internamentos, cirurgia ou até risco de vida.

Na fase da punção, o médico explica que a agulha introduzida na vagina também pode provocar lesões nos órgãos abdominais, hemorragia ou infeção.

Já na transferência, se se optar por mais do que um embrião, pode ocorrer gravidez de gémeos e, por sua vez, de risco, aumentando a possibilidade de parto prematuro.

FIV na primeira pessoa

Para perceber melhor sobre como a FIV “mexe” com a vida dos casais, a Saber Viver conversou com três mulheres. Cada uma viveu este procedimento de forma muito própria. Não há dois casos iguais!

Margarida Almeida, 39 anos

A história de Margarida Marques de Almeida, co-blogger do Style it Up, tem um final feliz. Chama-se Manuel e está prestes a fazer dois anos. Casada há 11 anos, Margarida esteve três a tentar engravidar, mas sem sucesso. Foi aí que percebeu que tinha de fazer alguma coisa.

“Antes de avançar para a FIV, a médica aconselhou-me a fazer uma inseminação artificial. Fiz duas e não funcionaram. Entretanto, eu e o meu marido fizemos vários exames, que não acusaram nada de errado. Diziam-nos que era falta de sorte.”

O argumento da “falta de sorte” não convenceu a blogger, que decidiu partir para a FIV, sem olhar para trás. Na primeira fez quatro transferências, mas nenhuma “pegou”. Só que o otimismo que a caracteriza, não a deixou ir abaixo.

Apenas esperou um ano para recuperar e avançar para a segunda FIV, uma vez que, como a própria diz, “precisava de respirar”. Até porque o processo, em especial da estimulação ovárica, é duro (psicológica e fisicamente) e tem de ser constantemente monitorizado, por causa do risco que acarreta.

A segunda FIV deu certo ao início, já que foi logo na primeira transferência que ficou grávida. Margarida tem 39 anos, engravidou aos 36, pondo assim “fim” a um processo que começou quando tinha 32 anos.

Apesar de a gravidez ter sido de risco, por causa do procedimento, correu muito bem, e o bebé nasceu saudável. “O Manel é um menino super elétrico e bem-disposto… Está sempre em altas, até demais” (risos).

Margarida ainda pensa em dar um irmão a Manel. Terá de repetir tudo de novo, mas isso não assusta esta blogger que sempre falou abertamente sobre a FIV. Inclusivamente, escreveu sobre este tema no seu blogue, para dar força a outras mulheres que estivessem a passar pelo mesmo.

“Como blogger, achei que devia falar sobre isto abertamente. Escrevi um post, onde tentei passar uma mensagem positiva e desbloquear este o assunto tabu, porque as pessoas tendem a achar que ‘isto só acontece a elas’. A minha ideia era mostrar que isto acontece a muita gente e não é o fim do mundo.”

Margarida faz parte daqueles 10% de mulheres que inexplicadamente não engravida pela via natural.

Inês Tavares, 40 anos

o caso de Inês Lopes é bem diferente. Tem endometriose, mas só descobriu quando quis engravidar. “Comecei a pensar em engravidar quando eu tinha 30 anos. Atualmente, tenho 40 anos. Como o meu marido é piloto e eu assistente de bordo, nem sempre estávamos juntos, por isso julgámos que eu não engravidava por isso”.

Só que o tempo foi passando e Inês achou melhor ir a um médico de fertilidade. Mas ele desvalorizou o seu caso, precisamente por causa do pouco tempo que estava com o marido. “Passaram-se mais nove meses, fiz uma série de exames e só depois é que descobrimos que tinha as trompas obstruídas, impedindo que os espermatozoides chegassem ao ovulo.”

Para melhorar a sua situação, Inês fez uma laparoscopia, para retirar as aderências (a endometriose). Depois disso, ainda fez duas inseminações artificiais, sem efeito, decidindo então partir para a Fertilização in Vitro.

Inês engravidou logo à primeira, só que perdeu o bebé às 20 semanas. Descobriu-se que o seu colo do útero a certa altura na gravidez não aguenta o peso e abre-se. “Perdi esse bebé em 2011 e demorei mais dois anos até conseguir engravidar”.

Entretanto, fez mais uma FIV e uma uma série de transferências. Só quando mudou de clínica, com outra postura e outro protocolo, é que engravidou de Matilde, atualmente com quase cinco anos. E a seguir de João, prestes a fazer três.

Nestas gravidezes teve de fazer uma cerclagem para evitar mais uma vez que o colo do útero abrisse (procedimento que inclui um fio de sutura para impedir a dilatação do útero).

Curiosamente, “João é uma ‘espécie’ de irmão gémeo de Matilde, porque é resultado da mesma FIV, só que o embrião que lhe deu origem estava congelado”, conta-nos Inês, divertida.

“O mais importante é as mulheres não desistirem. Se estivermos otimistas e não desistirmos, todo o processo é mais fácil”, defende. Ao mesmo tempo, lembra o quão “espetacular” foi o marido: “foi um projeto a dois. Sempre dissemos: não conseguimos engravidar!” Mas conseguiram… Duas vezes.

Filipa Gomes, 36 anos

A história de Filipa Gomes Castro não tem um final feliz, mas tornou-a mais forte e conhecedora de si mesma.

“Tentei no início de 2015 e para mim não foi uma experiência boa”, começa Filipa. Tudo começou dois anos depois do seu casamento, altura em que foi encaminhada para a infertilidade.

“Fiz todos os exames e o meu marido também. Fiz duas inseminações artificiais, que não funcionaram, e depois é que fui para as FIV. Estamos a falar de duas pessoas saudáveis na altura com 32 anos”, conta-nos Filipa. E sublinha que fisicamente todo o processo é muito doloroso. “Senti como se fosse uma galinha a receber hormonas”.

O mais complicado foi a reação à estimulação ovárica que o organismo de Filipa não estava pronto a receber. Na véspera da punção, passou a noite a vomitar. Custou-lhe imenso chegar à clínica. Mas a sua força de vontade falou mais alto e avançou para essa etapa da FIV. Retirou nove ou dez óvulos que deram origem ao mesmo número de embriões, o que, como a própria diz, “foi ótimo e um alívio”. Só que depois da transferência, Filipa sentiu-se muito mal.

“O meu sistema imunitário fritou, vomitei imenso e fiquei quase sem me mexer. Depois, levaram-me à clínica e fizeram-me uma ecografia, mas parecia estar tudo bem. Ninguém percebeu o que aconteceu”.

Mais tarde, Filipa veio a descobrir que tinha um problema no intestino que, se tivesse sido diagnosticado antes, não a teria encaminhado para a infertilidade. “A abordagem à infertilidade não é das melhores. Tem de se perceber se existem outras causas que influam no sistema reprodutivo. O que senti no meu caso é que fui avaliada como toda a gente”.

Esta experiência levou Filipa a perceber que o seu corpo estava-lhe a dizer: “atenção, isto não vai lá assim!”. Tomou consciência do corpo e pediu ajuda de forma mais holística, para se conseguir equilibrar.

Foi aí que conheceu uma terapeuta que lhe ensinou tudo sobre saúde feminina. “Percebi que até tinha má qualidade de vida e que tinha de ter cuidados maiores com a alimentação e fazer mais exercício físico. E a minha vida ganhou depois disso. Ou seja, devia ter começado pelo fim”.

Filipa deixou de recorrer a químicos e entrou numa corrente mais natural, no seu dia-a-dia. “Depois de ter feito esse reset, ainda não tenho um final feliz, mas estou claramente mais equilibrada e tenho mais qualidade de vida agora que aos 31 anos”.

Filipa ainda não deixou de pensar em filhos, mas percebeu que teve de arranjar mecanismos para se sentir em paz. “Com esta experiência, aprendi e aprendi…”.

Fontes: Porto Clínica – Infertilidade; Improving safety during IVF procedures (2016), Centro de Genética e Reprodução Prof. Alberto Barros; Trends over 15 years in ART in Europe (2017)
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