Logo no útero as hormonas estão encarregues de regular o crescimento e desenvolvimento do feto e, ao longo da vida, as suas alterações influenciam a saúde reprodutiva da mulher, assinalando a passagem pela puberdade, gravidez e menopausa.
Em ambos os sexos, desequilíbrios no seu funcionamento podem ser responsáveis por doenças tão diversas como a diabetes, o hipertiroidismo ou síndrome dos ovários poliquísticos, razões mais do que suficientes para tentarmos entender um pouco melhor como funcionam.
Sinais químicos
“De uma forma muito simples, as hormonas podem ser definidas como ‘sinais’ químicos segregados por glândulas endócrinas para a circulação sanguínea que atuam em tecidos distantes, ligando-se a recetores nesses tecidos. Algumas também podem atuar nos locais onde são produzidas”, explica Paula Freitas, endocrinologista no Centro Hospitalar Universitário de São João e professora auxiliar da Faculdade de Medicina do Porto.
“É o caso da testosterona, produzida no testículo, e que atua em vários locais à distância, mas também no próprio testículo, regulando a produção de espermatozoides”, acrescenta.
Na verdade, a formação de hormonas pode ocorrer não só nas glândulas endócrinas como noutras células.
São disso exemplo “o tecido adiposo, que é um verdadeiro órgão endócrino, composto por adipócitos que segregam mais de 400 hormonas, como a muito conhecida leptina”, afirma Paula Freitas.
Mais, “a vitamina D é uma hormona que pode ser produzida nos queratinócitos da pele sob ação da radiação ultravioleta. E as células do epitélio intestinal – o sistema enteroendócrino – segregam uma série de peptídeos hormonais que regulam o metabolismo da glicose”, refere a médica endocrinologista.
Tanto no sexo feminino como masculino, os desequilíbrios hormonais podem ser responsáveis por várias doenças
À procura de um equilíbrio
Há alguns eixos principais na produção das hormonas, como o hipotálamo-hipófise, suprarrenal, tiroide, gónadas e mama.
Excesso ou défice de produção de hormonas são os desequilíbrios mais comuns nestes sistemas, assim como a alteração da resposta dos tecidos às hormonas e os tumores endócrinos.
Os sintomas podem ser tão diversos e inespecíficos que se torna difícil associá-los a causas hormonais. Ainda assim, nada como aumentar a literacia e estar atenta a alterações que saiam da normalidade.
A idade, lembremos, também causa alterações hormonais expectáveis: na menopausa feminina, ocorre uma diminuição natural dos estrogénios e, na andropausa masculina, sucede o mesmo com a testosterona.
Nos dois sexos, há diminuição da hormona de crescimento com o avançar dos anos. Conheça de seguida, mais a fundo, cinco das hormonas que Paula Freitas considera mais importantes: a prolactina, o cortisol, a hormona do crescimento, a TSH e a melatonina.
5 hormonas a conhecer
Prolactina – A influenciadora tripla
É uma hormona essencial à sobrevivência, pois regula a produção de leite durante a gravidez e lactação, mas também tem influência nos sistemas reprodutor, metabólico e imunitário.
Paula Freitas explica que “o stresse, o coito, o exercício e o sono aumentam de modo fisiológico os níveis de prolactina, mas há causas patológicas que podem advir de lesões, tumores, doenças da hipófise, distúrbios sistémicos (insuficiência renal crónica, síndrome do ovário poliquístico, cirrose…); ou mesmo fármacos como a metoclopramida, risperidona, metadona e fluoxetina”.
“Irregularidades menstruais ou até ausência de período menstrual, infertilidade, escorrência mamilar e osteoporose podem ser sintomas de prolactinomas, tumores benignos da hipófise que provocam aumento de prolactina. Quando são grandes, podem estar associados a anomalias visuais, visão turva, diminuição da acuidade visual, cefaleias e convulsões”, acrescenta.
Atualmente, a terapia hormonal de substituição só é recomendada na perimenopausa, em mulheres que manifestem ondas de calor e suores noturnos
Melatonia – A reguladora do sono
É uma hormona predominantemente segregada pela glândula pineal que tem um papel central na regulação dos ritmos circadianos e do sono.
A médica endocrinologista sublinha que esta “pode exercer múltiplas funções benéficas no atraso ou reversão do processo de envelhecimento, proteção contra o dano isquémico e aumento da função imune”.
Contudo “a maioria dos estudos em humanos apenas estabeleceu o seu papel na mudança de fase e redefinição dos ritmos circadianos. Neste contexto, tem sido usada para tratar o jet lag e pode ser eficaz no tratamento dos distúrbios do sono baseados na disrupção dos ciclos circadianos (os ritmos normais de sono e vigília), como sucede no trabalho por turnos”, adiciona.
TSH – A chefe da tiroide
A TSH (hormona estimulante da tiroide) regula a produção de hormonas tiroideias – T3 e T4. Convém lembrar que a tiroide é uma glândula endócrina localizada na face anterior do pescoço que produz hormonas muito importantes que regulam vários sistemas e órgãos.
Quando a sua produção está alterada, todo o organismo é afetado.
“O hipotiroidismo, que resulta da produção hormonal insuficiente, é um problema comum, cuja prevalência pode chegar aos 20% no caso dos idosos. A carência de iodo é a principal causa a nível mundial, seguida pela tiroidite autoimune crónica, também designada tiroidite de Hashimoto. Os seus sinais podem ser insidiosos e tão variados como: fadiga, intolerância ao frio, ganho de peso, obstipação, pele seca, dores musculares ou irregularidades menstruais”, refere Paula Freitas.
No caso do hipertiroidismo, resultante do excesso de produção, continua a especialista em Endocrinologia, “os sintomas mais vulgares são taquicardia, palpitações, pele quente e húmida, suor excessivo e intolerância ao calor, fraqueza muscular, perda de massa óssea, irritabilidade, ansiedade, perda de peso apesar do apetite aumentado, irregularidades menstruais e trânsito intestinal acelerado”.
A presença de nódulos é outra patologia da tiroide. “A deteção é feita geralmente durante o exame físico de rotina. A presença de certos aspetos na história clínica aumenta o risco da sua malignidade, caso de crescimento rápido de uma massa cervical; irradiação prévia da cabeça ou pescoço; história familiar de cancro da tiroide, sexo masculino (duas vezes mais frequente); idade inferior a 14 anos ou mais de 60, e sintomas de compressão local, como alterações na voz, dificuldade em engolir e respirar”, esclarece endocrinologista.
A hormona do crescimento é crucial na infância e na vida adulta, isto porque regula o metabolismo energético e a composição corporal toda a vida
Hormona do crescimento – Sempre importante
Medeia o crescimento na infância, como o nome indica, mas talvez não saiba que também regula o metabolismo energético e a composição corporal durante toda a vida.
“Na infância e adolescência, o seu excesso pode estar associado ao gigantismo e, nos adultos, causa acromegalia, uma doença que provoca o crescimento das mãos e pés, dos tecidos moles e várias alterações metabólicas que podem ocorrer insidiosamente e contribuem para que o diagnóstico se faça com um atraso de 6-10 anos”, afirma a endocrinologista.
“A deficiência afeta sobretudo o seu papel no metabolismo das proteínas, glicose e gordura e está associada a um perfil de lipoproteínas mais aterogénico (com diminuição do colesterol HDL e aumento do LDL ou triglicéridos), com sinais como acumulação da gordura na zona central do corpo e redução da massa magra ou muscular e da óssea (osteoporose ou osteopenia), assim como intolerância à glicose (pré-diabetes ou diabetes), fadiga e humor depressivo”, acrescenta.
ACTH – A origem do cortisol
Esta hormona produzida pela hipófise é responsável por estimular a síntese e secreção de cortisol, aldosterona e androgénios nas glândulas suprarrenais e pitutária.
“A sua deficiência pode ter causas congénitas ou estar associada a tumores da hipófise, traumatismos ou doenças autoimunes. Nos recém-nascidos, esta deficiência pode traduzir-se em hipoglicemias e atraso de crescimento, e, nos adultos, em perda de peso e apetite progressiva e lenta, anorexia ou fadiga generalizada”, esclarece a endocrinologista.
O excesso também causa problemas e, como diz Paula Freitas, “pode ser provocado por carcinomas do pulmão de pequenas células, carcinoides brônquicos ou tumores neuroendócrinos, por exemplo. Este excesso induz a hiperfunção das suprarrenais, síndrome de hipercortisolismo e de excesso de androgénios na mulher“.
“Alguns sintomas típicos destes problemas incluem o aumento de apetite e ganho de peso com alteração na distribuição da gordura, deposição de gordura no cachaço, predomínio de gordura no abdómen com membros superiores e inferiores finos, depressão e ansiedade e hipertensão arterial. Ou ainda sintomas decorrentes do excesso de androgénios, como irregularidades menstruais e até mesmo ausência de período, aumento da pilosidade corporal, acne e pele oleosa”, adiciona.
Sim ou não?
O uso terapêutico de hormonas como forma de mitigar os sintomas da menopausa é uma abordagem polémica.
A endocrinologista Paula Freitas esclarece que “até há uns anos, era considerada vantajosa a reposição durante 5-10 anos, pois acreditava-se que oferecia prevenção em relação à doença cardiovascular, osteoporose e demência. Atualmente, discute-se o aumento de risco de cancro da mama com o tratamento prolongado e não está confirmado o benefício na prevenção de demência“.
“Existe benefício indiscutível apenas na prevenção de fraturas resultantes de osteoporose. Por causa disso, atualmente apenas se recomenda no período perimenopausa, nas mulheres que sofrem com sintomas de menopausa, como ondas de calor e suores noturnos, e já não se indica nas mulheres com mais de 70 anos”, acrescenta.
Novas hormonas descobertas
A ciência continua a descobrir hormonas no corpo humano. “Haverá seguramente muito por esclarecer em relação a estas e muitas outras ainda por descobrir que nos ajudarão a compreender os mecanismos de regulação da saúde e da doença”, revela a endocrinologista Paula Freitas, que nos deixa alguns exemplos.
• Asprosina: Descoberta em 2016, é uma hormona produzida sobretudo pelos adipócitos brancos que parece estar associada ao aumento da inflamação, stresse oxidativo, insulinorresistência e diabetes melllitus. Pode vir a ser um biomarcador precoce para o diagnóstico de diabetes e também de angina instável do miocárdio.
• Kisspeptina: Foi descoberta, em 1996, no âmbito de pesquisas sobre o cancro, mas, em 2001, constatou-se o seu papel essencial na regulação do início do desenvolvimento pubertário. Tem um papel também na implantação do embrião, metabolismo da glicose, doenças metabólicas e cardiovasculares.
• Elabela: Identificada em 2013, até agora, tudo indica ter um papel crucial na embriogénese precoce, nomeadamente na formação do coração, vasos sanguíneos e formação óssea. Os estudos indicam que também é importante na pré-eclampsia (problema de hipertensão na gravidez) e nas diabetes gestacional.